domingo, 28 de dezembro de 2014

A turma do 'sangue nos olhos' conclui denúncia



Letícia Casado e André Guilherme Vieira - Valor Econômico - 11/12/2014
Eles têm entre 28 e 50 anos, são pós-graduados em universidades americanas e europeias, estudiosos da operação Mãos Limpas, que desarticulou a máfia italiana no começo dos anos 90 e atuaram juntos em casos como o Banestado e o mensalão. Os nove procuradores da Operação Lava-Jato fizeram uso inédito das delações premiadas na obtenção de provas para a denúncia a ser oferecida contra aquela que é apresentada como a maior organização criminosa de agentes públicos e privados já desbaratada no país.
Nas últimas semanas, os nove procuradores da operação Lava-Jato chegaram trabalharam 14 horas por dia para concluir a denúncia formal - pedido de abertura do processo criminal da operação Lava-Jato. Trabalharam sob o desafio de produzir provas mais concretas do que aquelas que levaram à anulação da operação Castelo de Areia, em 2009.
Pelo menos 20 executivos de grandes empreiteiras do país deverão ser denunciados por crimes de formação de cartel, fraude à licitações, corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, falsificação de documentos e outros delitos relacionados a suposto esquema de corrupção na Petrobras.
Se o juiz Sergio Moro, titular da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal do Paraná, aceitar a denúncia, os executivos, além do doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, se tornarão réus.
Carlos Fernando dos Santos Lima, 50, é considerado por advogados de defesa como "o cérebro" por trás dos acordos de delação premiada. É a maior autoridade em colaboração jurídica internacional da equipe. É vice-secretário de cooperação jurídica internacional da procuradoria geral da República. Especialista em compliance, crimes do colarinho branco e colaboração premiada, fez mestrado em Cornell, nos Estados Unidos.
Comunicativo, moveu as peças da investigação de modo a dar um "xeque-mate" reconhecido até por defensores dos investigados, que o classificam de "duro na queda". É especialista em delação premiada. "Negociar com ele é quase impossível", diz um advogado que representa uma das empreiteiras. "Ele ouve com muita atenção, deixa todo mundo falar. E no fim, diz não."
Foi Carlos Fernando quem disse não a advogados da Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS e a outras duas grandes empreiteiras, na véspera da deflagração da 7ª fase da Lava-Jato, uma quinta-feira, dia 13 de novembro. Eles propuseram pagar até R$ 1,2 bilhão em troca do encerramento das investigações e a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPF. Carlos Fernando considerou a proposta "imoral".
Para os criminalistas que frequentam a sede da PF em Curitiba, onde estão presos os executivos e outros envolvivos na operação Lava-Jato, esta é a "a turma 'sangue nos olhos'"; é assim que eles definem os procuradores da força-tarefa. Já foram chamados também de "Cavaleiros do Apocalipse".
Deltan Dallagnol, 34, procurador da República, é o coordenador da força-tarefa. Concluiu mestrado em Harvard, nos Estados Unidos, sobre teoria da prova e colaboração premiada. É especialista em cooperação internacional.
O procurador regional Antonio Carlos Welter, 46, é Procurador Regional da República lotado na 4ª Região. É especializado na repressão aos crimes contra o sistema financeiro e corrupção organizada. Morou em Portugal, onde estudou mestrado em direito com ênfase em ciências jurídico-criminais na Universidade de Coimbra.
O procurador da República Roberson Henrique Pozzobon, 30, é mestre em direito econômico e desenvolvimento e especialista em direito público. Atua na Procuradoria da República de Guarapuava (PR).
Os procuradores têm experiência no combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado, e estão ligados pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), onde lecionam e palestram.
O trabalho "Manual de Atuação das Forças-Tarefas", publicado pela ESMPU em 2011, traduz um pouco essa ligação. Foi coordenado por Januário Paludo e preparado por Carlos Fernando - ambos na Lava-Jato - e pelo secretário de cooperação internacional da Procuradoria Geral da República, Vladimir Aras.
A lista de agradecimentos da publicação inclui Dallagnol e Martello, também na Lava-Jato. Os quatro procuradores atuaram juntos na força-tarefa do caso do Banco do Estado do Paraná (Banestado), entre 2003 e 2006. A investigação, segundo o Ministério Público Federal (MPF), apurou o envio de mais de U$ 30 bilhões remetidos ilegalmente ao exterior entre 1996 e 2002 via agência do Banestado em Foz do Iguaçu.
A investigação, que resultou em mais de dois mil inquéritos policiais, virou tema de estudo de caso no trabalho da ESMPU. Na publicação, os procuradores agradecem também ao juiz Sergio Moro, que julgou o caso Banestado e hoje é titular das ações penais da Lava-Jato.
O manual das forças-tarefas inspira-se em congêneres americanas: "Segundo o Agente Especial do FBI James Casey, o elemento crítico de uma força-tarefa é a sua composição. É essencial que existam membros com diferentes habilidades e um acompanhamento constante das atividades do grupo, com coordenação administrativa e operacional, levantamento estatístico e verificação de resultados".
A composição da força-tarefa da Lava-Jato seguiu à risca as recomendações do agente do FBI. Há especialistas em diferentes áreas: tributária, criminal, lavagem de dinheiro, atividade policial e judicialização da política, por exemplo.
Do grupo de nove procuradores, quatro atuam no segundo grau da Justiça, perante Tribunais Regionais Federais: Carlos Fernando dos Santos Lima, Orlando Martello Júnior, Januário Paludo e Antonio Carlos Welter.
Um quinto, Athayde Ribeiro Costa, 34, está na Procuradoria da República no Espírito Santo. Foi procurador-chefe da procuradoria da República no Amazonas. É especialista em improbidade administrativa, assim como Paulo Roberto Galvão.
Galvão, 36, atua no Distrito Federal e é integrante do Núcleo de Combate à Corrupção do MPF no DF (matéria criminal e improbidade administrativa). Tem mestrado em direito na London School of Economics, na Inglaterra. Foi responsável por parte da acusação na esfera civil no processo do mensalão. Denunciou por peculato e improbidade administrativa o ex-deputado federal Pedro Henry Neto, acusado de nomear funcionário na liderança do PP para prestar serviços pessoais. Henry foi citado na Lava-Jato como um dos parlamentares que teriam recebido dinheiro vivo de Youssef em Brasília.
Paulo Roberto Galvão e Athayde Ribeiro Costa integraram o Grupo de Trabalho da Copa e receberam o Prêmio Innovare em 2012.
Orlando Martello, 42, é especialista no combate ao crime organizado, direito tributário e tem larga experiência na cooperação penal internacional. Atuou em todos os grandes casos desde o Banestado. É mestre pela FGV em gestão e políticas públicas.
Januário Paludo, 49, é especialista na repressão ao crime organizado e fez mestrado em direito do estado na Universidade de São Paulo (USP).
O mais novo do grupo, com 28 anos, Diogo Castor de Mattos atua na Justiça Federal de primeira instância de Jacarezinho (PR) e cursa mestrado em lavagem de dinheiro e crimes do colarinho branco.
"(...) Os resultados alcançados por uma força-tarefa costumam ser mais significativos que a atuação exclusiva de uma determinada instituição ou que a atuação isolada de um de seus membros", diz o manual.
Em artigo publicado no jornal 'Folha de S.Paulo' na semana passada, Carlos Fernando e Diogo De Mattos defendem a delação premiada: "É a técnica investigativa de melhor resultado na revelação de crimes do colarinho branco, engendrados em restaurantes sofisticados, em festas milionárias, e ocultos sob camadas de manobras contábeis aparentemente legais".
Um advogado que atua em processo da Lava-Jato parece concordar com o que eles escreveram: "A delação, muito usual nos Estados Unidos, é algo relativamente novo no Brasil. Não trabalho com delator, mas tenho de reconhecer que, neste caso, os procuradores estão sendo muito felizes".

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