domingo, 30 de novembro de 2014

Quilombolas lutam para preservar cultura e superar dificuldades na BA


Moradores do Quilombo de Dandá receberam posse da terra há um ano.
Apesar da conquista, ausência de infraestrutura prejudica desenvolvimento.

Danutta Rodrigues Do G1 BA
A história de resistência do Quilombo de Dandá, situado no município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador, não se resume ao período de escravização do negro no Brasil. Apesar dos avanços em relação ao reconhecimento de posse da terra localizada às margens da BA-093, realizado há um ano, os moradores da região enfrentam a ausência de serviços básicos como esgotamento sanitário, água encanada e tratada, sistema de telefonia, área de lazer, educação de qualidade e que valorize a cultura negra, além da infraestrutura precária de casas e do próprio território. O posto de saúde mais próximo fica na cidade de Simões Filho, a aproximadamente 22 quilômetros do quilombo.
Constituída por 208 pessoas, a maioria delas analfabeta, a comunidade remanescente de quilombo luta para preservar tradições e costumes passados de geração em geração. Sandra Santos de Santana, 34 anos, conhecida como "Lôra", conta que faz parte da 4ª geração formada originalmente por um grupo de 12 negros escravizados que fugiram de uma fazenda da região. "Até hoje não sabemos de onde eles vieram. Sempre teve muito mato aqui. 'Dandá' é uma planta muito usada em banhos de limpeza nos cultos Candomblé. A semente do 'Dandá' também era usada para cachaça. São 200 anos de resistência", conta Sandra Santana.
Relatório Técnico
De acordo com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), a Comunidade Negra Rural Quilombola Dandá, ao se definir como remanescente de quilombo, foi certificada junto à Fundação Cultural Palmares em 30 de abril de 2004, para fins de demarcação e titulação do território tradicional.
Em novembro de 2013, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) concedeu a posse da Fazenda Coqueiro e dos 180,1 hectares restantes que compõem o território total de 347,6 hectares do quilombo. Segundo o instituto, estas ações têm como base legal o Decreto Presidencial 4887/2003 e a Instrução Normativa INCRA 20/2005. Apesar de todos os avanços, em mais de dez anos, nenhuma terra quilombola da Bahia ainda foi titulada, ou seja, nenhum processo de reconhecimento foi finalizado.
Itamar Vieira conta que 22 relatórios de comunidades quilombolas já foram publicados (Foto: Danutta Rodrigues/G1)Itamar Vieira conta que 22 relatórios de
comunidades quilombolas já foram
publicados (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
O Quilombo de Dandá foi o segundo território quilombola reconhecido na Bahia. No total, 22 terras já tiveram o RTID publicado. "No estado da Bahia, nós mais de 540 comunidades certificadas pela Fundação Palmares como quilombolas e, dessas 540, mais de 260 têm processo aberto no INCRA para regularização fundiária. Cerca de 60 processos estão em fase de conclusão ou concluídos. Foram 22 relatórios de identificação publicados", relata Itamar Vieira, representante do INCRA.
O RTID faz um resgate histórico da ocupação do território; delimitação do território; identificação e caracterização das diversas unidades de uso e manejo dos recursos naturais; caracterização dos sistemas produtivos; construção do calendário de atividades culturais e definição da cadeia dominial.

Resistência e afirmação
As 33 famílias que ali residem, sobrevivem do extrativismo e cultivo de subsistência e da produção artesanal com a piaçava, que é comercializada em feiras na região. Além disso, alguns quilombolas trabalham fora da comunidade e prestam diversos tipos de serviço. A renda das famílias também é complementada por programas do Governo Federal, a exemplo do Bolsa Família. A falta de um ensino estruturado e de qualidade, assim como o atendimento de saúde, dificulta o desenvolvimento sócio-econômico da comunidade e também a preservação e valorização da cultura negra.
Sandra Matos é uma das líderes da comunidade quilombola de Dandá (Foto: Danutta Rodrigues/G1)Sandra Matos é uma das líderes da comunidade
quilombola de Dandá (Foto: Danutta Rodrigues/G1)
"Aqui nós não temos de atendimento de saúde. Várias pessoas já faleceram aqui por causa disso. Nós temos uma preocupação com os professores que chegam aqui na comunidade se eles vão ter capacidade de mostrar a nossa realidade, nosso trabalho, cultura. Queremos professores que conheçam a realidade do quilombo, da nossa estrutura de trabalho. O nosso sonho é ter uma escola quilombola na comunidade", conta.
Mesmo com todos os problemas enfrentados em relação à educação, Sandra mantém o sonho de continuar os estudos. "Eu quero fazer uma faculdade de administração ou agronomia", revela. Apesar dessa deficiência, a consciência dos moradores do Quilombo de Dandá garante a conquista da terra e a manutenção, mesmo com interferências externas e modificações ao longo dos anos, da cultura afro-brasileira representada pela capoeira, o samba de roda e algumas práticas do candomblé.
"A capoeira, o samba de roda, o caruru. Aqui nós damos dois carurus por ano, de Iansã e Santa Bárbara. O de Santa Bárbara nós fazemos no dia 20 de dezembro. A consciência negra também nós comemoramos em novembro, todos os anos. Mesmo com todas as dificuldades, nós cultivamos a nossa cultura", conclui.

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