domingo, 30 de novembro de 2014

Primeiro motel do Brasil fingia ser clube para despistar ditadura militar


Polícia proibia hospedagem curta em nome dos bons costumes.
Motel foi aberto em Itaquaquecetuba, por ser lugar ermo na época.

Jenifer Carpani Do G1 Mogi das Cruzes e Suzano
Motel em Itaquaquecetuba já existe há 46 anos. (Foto: Renato Fernandez Tarrazo/Arquivo Pessoal)Motel em Itaquaquecetuba já existe há 46 anos.
(Foto: Renato Fernandez Tarrazo/Arquivo Pessoal)
Conhecido hoje como um local para encontros amorosos - muitas vezes escondidos - o primeiro motel no Brasil também teve que nascer escondido. Mais precisamente, o estabelecimento pioneiro do País fingiu ser um clube noturno para despistar a polícia na época. Servando Fernandes Davila, conhecido como Pepe, de 73 anos, foi o responsável por inaugurar esse tipo de empreendimento no País em 1968, em Itaquaquecetuba, na região Metropolitana de São Paulo.
Em plena ditadura militar, o empreendimento ia contra as regras de ‘bons costumes’ na época. Uma lei proibia hospedagens de curta permanência, inviabilizando a utilização dos hotéis para os encontros amorosos na época. “Naquele tempo eles impediam que se usasse o quarto menos de 24 horas. A lei era arbitrária, tinha que ficar 24 horas no quarto. Quando o casal saia antes, a polícia o abordava, perguntando se iam embora. Se falassem que iam, eles levavam para a delegacia, e eles ficavam presos por até 15 dias, por ato libidinoso”, se lembra Pepe.
Antônio Carlos Morilha, um dos diretores da Associação Brasileira de Motéis (ABMotéis) confirma que o motel em Itaquaquecetuba foi o primeiro do País. “O primeiro estabelecimento do gênero no Brasil foi construído em 1968, em uma estrada do município de Itaquaquecetuba, em São Paulo”, diz.
Primeiro motel do Brasil nasceu escondido dentro de um clube. (Foto: Renato Fernandez Tarrazo/Arquivo Pessoal)Primeiro motel do Brasil nasceu escondido dentro
de um clube (Foto: Renato Fernandez
Tarrazo/Arquivo Pessoal)
“No Brasil, os motéis surgiram como locais para encontros amorosos, pois os hotéis comuns não podiam permitir as estadias de curta permanência”, explica Antônio Carlos, da ABMotéis, confirma.
Para driblar a lei da época, Pepe – que já trabalhava com hotéis em São Paulo - foi buscar inspiração nos clubes americanos. “Os motéis nos Estados Unidos são mais voltados para o descanso de viagens. Aqui nós desvirtuamos”, diz rindo. “Eu fui aos EUA e lá havia alguns clubes que tinham apartamentos, e os clientes usavam os apartamentos se quisessem. Foi de lá que tirei a ideia”, se lembra.
Voltando ao Brasil, resolveu implantar um novo modelo de hospedagem no País. “Por um tempo funcionei como clube, por causa da polícia. As pessoas que eram sócias podiam usar os apartamentos com quem eles quisessem. A polícia não podia mexer, porque eram sócios do clube e não era uma hospedagem“, explica. “No tempo da ditadura era difícil, era complicado, a polícia era muito arbitrária nisso daí”, comenta.
Inovações
Como clube, Pepe conta que conseguiu driblar as regras na época, mas o empreendimento que ele montou já tomava ‘ares’ dos motéis atuais. “abri o motel em 1968 de um jeito diferente dos hotéis que existiam na época. Naquele tempo não havia banheiros nos quartos em hoteis, por exemplo, e eu já abri o motel com banheiros e garagem em todos os apartamentos", afirma.
Com mais de 40 anos de história, motel foi se adaptando e inovando. (Foto: Renato Fernandez Tarrazo/Arquivo Pessoal)Com mais de 40 anos de história, motel foi se adaptando e inovando
(Foto: Renato Fernandez Tarrazo/Arquivo Pessoal)
“Naquela época também não tinha os recursos que temos hoje. Não tinha interfone, por exemplo, então a gente usava uma central de rádio. Não existia também som nos apartamentos e televisão só se começou a usar em 1974”, diz. Outra inovação do primeiro motel do Brasil, segundo Pepe, foi a banheira de hidromassagem. “Falavam que ninguém ia usar, mas fomos o primeiro motel do mundo, em matéria de hospedagem, com sauna, piscina, hidromassagem, tudo dentro do quarto”, aponta.
Por que Itaquaquecetuba?
“Comprei um hotel aqui na época. Quando cheguei não tinha nada na cidade. Era tudo mato. E aí quando abri todo mundo falou que eu estava louco. Disseram que ninguém ia vir aqui, porque era fora da cidade”, disse. Mesmo assim, Pepe insistiu. E deu certo exatamente pela distância e pelo lugar ser um local ermo: “Quem frequentava mais os hoteis do centro de São Paulo eram as prostitutas. Percebi que aqui eram outros tipos de clientes que apareciam. Eram casais de namorados ou pessoas que tinham casos [extraconjugais]”, explica.
Motel nasceu em 1968, na cidade de Itaquaquecetuba. (Foto: Renato Fernandez Tarrazo/Arquivo Pessoal)Motel nasceu em 1968, na cidade de
Itaquaquecetuba (Foto: Renato Fernandez Tarrazo/
Arquivo Pessoal)
Pepe diz que depois que conquistou a clientela, o primeiro motel do Brasil foi um sucesso. “Tinha dias que nós tínhamos 30 pessoas na espera! Na época o cara saia da Lapa [em São Paulo] ou até de Santo André [no ABC] e vinha aqui. Não existiam outros lugares”, afirma. “Também na época as mulheres eram mais reservadas, gostavam de ir a lugares que eram longe, que ninguém as conhecesse”, acrescenta.
Novos tempos
Mas hoje Pepe conta que não tem mais a exclusividade da clientela que tinha nos anos 60. “Isso daí acabou, hoje abriu um monte, para todo lado. Em menos de 1 quilômetro tenho uns sete concorrentes”, diz.
Segundo a ABMotéis, o mercado está mesmo em expansão. “No Brasil existem aproximadamente 5 mil motéis, que movimentam R$ 4 bilhões por ano”, diz Antônio Carlos, um dos diretores da associação. O número de empregos também cresce a medida que a rede moteleira se torna, também, opção de hospedagem. “Estudos mostram que o pontencial do mercado brasileiro é imenso, e ainda tem muito a ser conquistado”, diz. “Empregamos em média 50 funcionários por motel, ou seja, são quase 300 mil funcionários empregados diretamente”, conta.
Hoje motel em Itaquaquecetuba enfrenta concorrência acirrada. (Foto: Renato Fernandez Tarrazo/Arquivo Pessoal)Hoje motel em Itaquaquecetuba enfrenta concorrência acirrada. (Foto: Renato Fernandez Tarrazo/Arquivo Pessoal)

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