Todas as reservas hídricas de Irauçuba se esgotaram.
Município depende de água de carro-pipa levada por vizinhos.
Na madrugada, famílias fazem filas para coletar água em tanques públicos (Foto: André Teixeira/G1)
A última reserva de água da cidade de Irauçuba, no Ceará, secou há
quatro meses e os 22,3 mil habitantes dependem de água de cidades
vizinhas que chegam em carro-pipa. Na zona rural, a água potável é
levada pelo Exército, racionada em 20 litros de água por dia por pessoa,
que são usados para todas as necessidades. "São 20 litros para lavar
prato, lavar roupa, fazer a comida, tomar banho e ainda beber. É
impossível. Estamos em uma situação de penúria mesmo, só sobrevivendo",
relata a agricultora Geovana Maria de Sousa.Ela tem no quintal de casa uma cisterna que acumulava água da chuva. Até o fim de setembro era a fonte da família. "Mesmo com pouca chuva neste ano, ainda deu para encher a cisterna toda. Depois que o açude secou, a gente só tinha ela para tirar água e acabou rápido."
Na zona urbana de Irauçuba, a 150 quilômetros de Fortaleza, a estação de tratamento da Companhia de Água e Esgoto (Cagece) recebe um volume diário de 250 mil litros, trazidos de açudes vizinhos em carro-pipa. Com essa baixa quantidade – a cidade precisa diariamente de 1,2 milhão de litros (cerca de cinco vezes o que recebe) –, a água chega apenas às torneiras das casas mais próximas da estação.
A maioria da população depende da água levada pela Defesa Civil do Estado do Ceará a tanques públicos espalhados pela cidade. Como o abastecimento é irregular e chega a demorar 10 dias, muitos têm que pagar pelo que consomem.
Açude Jerimum, principal fonte de abastecimento de Irauçuba, que secou há quatro meses (Foto: André Teixeira/G1)
"Vender água em Irauçuba virou um negócio lucrativo nos últimos meses.
As pessoas que têm caminhão deixaram de fazer outras atividades para
vender água, que é a mercadoria que todo mundo quer. Alguns, inclusive,
já expandiram o negócio. Começaram com três caminhões e hoje já têm seis
ou sete", diz o secretário de Meio Ambiente do município, Caetano
Rodrigues."Procuram direto, dia e noite. Hoje Irauçuba já tem 40 caminhões-pipa, e eles não param. Todos os dias a gente faz dezenas de viagens para abastecer as caixas daqui", diz Jacob Andrade Ribeiro, pipeiro de 49 anos. Os açudes de Itapajé e Itapipoca têm 20% e 16% da capacidade máxima, respectivamente, e a população teme que essas reservas também acabem.
"A água que vem desses locais só resolve a situação emergencial. A coisa só vai melhorar mesmo com boas chuvas no próximo ano", diz o secretário Caetano Rodrigues. No Ceará, as chuvas ocorrem, principalmente, em março, abril e junho.
Thiago
Rafael da Silva Moreira, de 10 anos, comemora a chegada do
caminhão-pipa do Exército na zona rural (Foto: André Teixeira/G1)
Na área urbana, quem não pode pagar pela água tem que esperar o
abastecimento da Defesa Civil no tanque público mais próximo. Às 2h da
manhã de 16 de outubro, a aposentada Maria Amélia levantou da cama
acordada pelo filho de 12 anos, que percebeu a chegada do carro-pipa. Em
cerca de dois minutos, as ruas da comunidade Fazendo Mocó estavam
tomadas por centenas de pessoas com baldes vazios, fazendo fila para
coletar água. O caminhão levou 20 minutos para encher o tanque; em menos
de 10, ele secou novamente."É sempre assim. Todo mundo corre e fica um alvoroço de gente para conseguir água. Normalmente todo mundo consegue. O problema é quando demora muito para voltar, mais de uma semana. Aí a gente fica sem uma gota d'água em casa. Ou consegue de favor dos amigos ou tem que comprar com o dinheiro do Bolsa Família", relata Maria Amélia.
Raimunda Rodrigues e a mãe Francisca Rodrigues carregam 15 baldes por semana: "coluna dói" (Foto: André Teixeira/G1)
A autônoma Raimunda Rodrigues, de 42 anos, e a mãe, a aposentada
Francisca Rodrigues, 69, também investem parte do dinheiro do Bolsa
Família para a compra de água. "Se a gente for esperar [pelo
abastecimento de água nos tanque], a gente morre à míngua. Agora a gente
compra um pouquinho menos de comida e tem que separar um pouquinho para
água de beber", diz a filha. As duas carregam, semanalmente, 15 baldes
de 20 litros da rua em frente à casa até a cozinha. "Nós somos mulheres
já de idade. Todo dia é carregando isso. A coluna dói, mas, como a gente
mora só, vai ter que ser assim."Prejuízos e conta no vermelho
Com a estiagem que já dura três anos e meio, todo o sistema de irrigação e produção agropecuária está parado na cidade. O gado bebe água das cacimbas (poços) feitas onde ficavam os açudes. Segundo o prefeito de Irauçuba, José Mota, nas últimas semanas o prejuízo se estendeu ao comércio e ao serviço público. "Nós temos hospitais, delegacias que não podem deixar de receber água, mas estamos com receio de que falte. Temos cinco indústrias que garantem emprego a muita gente e que precisam de água, não podem ficar sem. O comércio já está sentindo os prejuízos também."
Segundo Mota, a Prefeitura de Irauçuba investiu R$ 1,23 milhão na compra de água desde o início da sua gestão, em janeiro de 2012. "Esse valor é muito alto para uma cidade como a nossa. A água não pode faltar, então às vezes não conseguimos honrar nossos compromissos. Já estamos atrasados com alguns fornecedores e tememos que situação piore ainda mais", diz.
Adutora
deve ficar pronta em dezembro e vai puxar água de açude que tem
atualmente 20% da capacidade máxima (Foto: André Teixeira/G1)
O governo do estado anunciou há mais de um ano uma adutora emergencial
para levar água a Irauçuba. O governador Cid Gomes visitou a cidade em
16 de outubro e vistoriou as obras. "Temos que construir a adutora o
quanto antes, essa vai ser a solução definitiva para a cidade", disse.
Durante a visita, um pequeno grupo fez uma manifestação cobrando a
aceleração na obra. "Desde 2012 estamos esperando, e até agora nada",
reclama Lucas Leitão.Para o secretário de Meio Ambiente de Irauçuba, Caetano Rodrigues, há risco de que, quando a adutora esteja pronta, a água do açude esteja esgotada. "A adutora deve ser concluída em dezembro, mas o açude de onde ela vai tirar água tem atualmente 20% da capacidade. Quando ela for puxar água, pode ser que não tenha mais nenhuma gota."
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