segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Pacientes perdem a visão após cirurgia de catarata em Barueri


Moradores da cidade conseguiam ler, escrever, dirigir e trabalhar. Mas, depois do mutirão da cirurgia de catarata, a vida dessas pessoas mudou para pior.

A sala de cirurgia esconde um mistério. Vinte e três pessoas com catarata passaram por ela em um mesmo dia com uma só esperança: voltar a enxergar como antes. Agora, 12 delas dizem que estão cegas de um olho.
O mutirão da cirurgia de catarata aconteceu no dia 6 de agosto no Hospital Municipal de Barueri, na Grande São Paulo. A intenção da prefeitura era melhorar a visão de um grupo de moradores da cidade, a maioria com mais de 60 anos, que tinha a doença, mas ainda conseguia ler, escrever, dirigir e até trabalhar. Só que, depois da cirurgia, a vida dessas pessoas mudou para pior. A catarata é uma doença que acontece quando o cristalino, a lente natural dos nossos olhos, vai escurecendo e fica opaco.
A cirurgia, considerada simples, consiste em trocar o cristalino embaçado por uma lente artificial. Segundo documentos da investigação do hospital, os problemas começaram ainda durante as cirurgias.
Dezoito pacientes reclamaram de muita dor. Nos dias seguintes, o próprio médico que fez a operação, doutor André Vidoris, detectou um problema ainda mais grave: um ferimento na córnea em 20 dos 23 pacientes. Das 23 pessoas que fizeram a cirurgia da catarata em Barueri, o Fantástico conseguiu reunir 11 delas. Todas têm mais de 60 anos e tinham problemas sérios de visão. Fizeram a cirurgia na esperança de enxergar melhor. Como o aposentado José de Souza Santos.
Fantástico: Como é que o senhor enxergava antes da cirurgia?
José de Souza Santos: Dava para ler, escrever, dirigir. Dava para levar uma vida mais ou menos normal. Agora não dá, porque esse cegou de uma vez.
Fantástico: O senhor não enxerga nada?
José de Souza Santos: Nada, nada, nada.
Fantástico: O senhor não vê um vulto, um clarão, nada.
José de Souza Santos: Se botar a mão aqui aí fica escuro aí não enxerga nada.
Fantástico: O senhor sentiu dor na hora da cirurgia?
José de Souza Santos: Senti.
Fantástico: Como é que foi essa dor?
José de Souza Santos: Aquela pontada assim. Parece que quando ele colocou a lente no olho aqui e empurrou, doeu que eu gritei.
Aparecido Apolinário da Silva: Eu falei, doutor, está doendo. Ele falou, não, isso aí é normal. Aí já saí da mesa ali. E continuou doendo. E os outros continuaram fazendo a operação.
Fantástico: E hoje como é que o senhor está enxergando?
Aparecido: Não estou enxergando nada. Tampo essa aqui, eu não vejo o senhor.
A maioria dos pacientes já se aposentou. Mas não era o caso do motorista Xisto Garcia Lopes, de 65 anos. “Quarenta e sete anos só de motorista, fazendo São Paulo - Rio. Estou pendurado. E eu não sou aposentado, eu trabalho ainda. Eu sei que eu pus um dedo, mas se você pôr aí, eu não vejo. Levei já uns quatro, cinco tombos. Quando eu pensei que estava no último degrau, estava faltando um para descer”, conta o motorista.
Até o fim do mês passado, o Hospital Municipal de Barueri era administrado por uma organização social chamada Pró-saúde. A investigação da empresa descartou contaminação do material usado nas cirurgias.
“Existe um processo biológico, um processo físico que mostra se esses materiais realmente estavam esterilizados. E nós temos essa comprovação de que os processos estavam validados, estavam ok”, diz Alba Lucia Muniz, da Pró-saúde.
O dano na córnea dos pacientes foi causado, segundo o hospital, por um problema chamado síndrome tóxica do segmento anterior.
O Fantástico conversou com um especialista, que não trabalha com a equipe de Barueri, para explicar.
“Síndrome tóxica do segmento anterior é uma complicação rara, mas possível de acontecer depois da cirurgia da catarata. Ela decorre da irritação das estruturas do olho quando entra, durante a cirurgia, produtos químicos, às vezes, restos de sabão e substâncias de limpeza, ou mesmo outras substâncias que não deveriam estar presentes nos líquidos que o cirurgião utiliza durante a cirurgia para retirar a catarata e colocar depois a lente intraocular”, explica Rubens Belfort Jr, professor de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina.
Para o subsecretário de saúde de Barueri, a principal suspeita é uma alteração em algum dos anestésicos usados. “Você tem 18 pacientes que você anestesia e que se queixam de dor intensa e passa. E depois você vai avaliar 18 de 12 e eles apresentam uma síndrome tóxica. Aí a gente é obrigado a começar pensando por aqui”, diz Eduardo Gomes de Menezes, subsecretário de saúde de Barueri.
Na listagem de produtos usados na cirurgia estão três anestésicos. Um deles é produzido pela indústria farmacêutica Alcon. Os outros dois pela Cristália. As duas empresas mandaram notas informando que fizeram testes e não detectaram qualquer problema nas anestesias usadas em Barueri.
O médico que fez a cirurgia também se manifestou por nota. Ele diz que aguarda a apuração dos fatos.
O subsecretário de saúde não acredita em erro do cirurgião. “Se você tem uma pessoa que erra e sabe que foi, ela vai tentar, de alguma forma, acobertar ou levantar o mínimo de poeira possível. Não vai notificar a diretoria que isso aconteceu e pedir apuração. Estamos dando toda a assistência para aqueles que tiveram um desfecho mais difícil de perda de visão possam ser encaminhados para o transplante de córnea e ter a situação deles amenizada”, diz o subsecretário de saúde.
Enquanto aguardam, os pacientes precisam da ajuda da família para tudo. “Estou sendo carregada pela mão das filhas”, conta a aposentada Terezinha Ângelo de Menezes.
Seu Antônio, aos 78 anos, lamenta não só a falta da visão, mas também a perda do único passatempo que tinha. “Antes a gente brincava até de 'voleizinho' adaptado. Era a única diversão que a gente tinha. Mas infelizmente a vida é assim, né. Nem tudo dá certinho”, lamenta ele.
FANTÁSTICO

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