sexta-feira, 1 de agosto de 2014

100 anos da Primeira Guerra Mundial: as tensões políticas de antes e de agora


Especialistas analisam acontecimentos que levaram à Grande Guerra e os conflitos atuais

Jornal do BrasilFernanda Távora *
A Primeira Guerra Mundial - que teve seu marco inicial no assassinato do Imperador austro-húngaro Francisco Ferdinando - fez cem anos durante esta semana.  Deste assassinato seguiu-se uma série de eventos que culminaram no maior conflito já visto pelo mundo desde então. Na época, acreditava-se que a guerra entre a Tríplice Entente - França, Rússia e Reino Unido - e a  Tríplice Aliança - Itália, Império Austro-Húngaro e Alemanha - duraria apenas algumas semanas, mas o conflito se estendeu de 1914 até 1918.
Historiadores acreditam que os conflitos resultantes da Primeira Guerra foram o impulso para a que a Segunda existisse. Tendo isso em mente, atualmente, com os conflitos envolvendo diversos países como Rússia e Ucrânia e Israel e Palestina, com a intervenção ainda tímida dos Estados Unidos, o medo de que um novo grande conflito venha a acontecer tem sido discutido internacionalmente, ainda mais com a lembrança do aniversário da Primeira Guerra neste ano.
Pintada por Pablo Picasso, em 1937, o mural "Guernica" representa bombardeio sofrido pela cidade espanhola por alemães. Ao lado, imagem do conflito em Gaza
Pintada por Pablo Picasso, em 1937, o mural "Guernica" representa bombardeio sofrido pela cidade espanhola por alemães. Ao lado, imagem do conflito em Gaza
No entanto, estudiosos sobre o assunto acreditam que com a atual conjuntura internacional, a existência de uma Terceira Guerra Mundial é praticamente impossível. Para Leonardo Paz, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a interdependência econômica e política entre os países não colabora para a existência desse tipo de conflito. “Por mais que encontremos uma série de semelhanças entre o momento que o mundo vivia em 1910 e que vive hoje, as coisas são bem diferentes.  Os países nunca foram tão interdependes como hoje. Cria-se uma esfera de influência e estudiosos julgam que é cada vez mais impossível que se tenha um conflito nessa proporção”, aponta.
Paz destaca ainda que uma das causas desse apaziguamento é o tipo de relação existente entre os países atualmente. “Há uma assimetria de poder muito pronunciada hoje. Podemos comparar os Estados Unidos de hoje com a Inglaterra do século passado, mas o poder que os EUA detêm é muito maior se comparado com o da Inglaterra na época. Ou seja, o principal país no mundo hoje tem muito mais poder que o principal país do mundo no início do século passado, quando havia uma rivalidade forte entre os países.” Segundo ele, a assimetria de poder seria um fator de quebra para a possibilidade de um novo conflito internacional.
Para Bernardo Kocher, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), a multiplicidade de atores no campo político também colabora para que um conflito de grandes proporções não aconteça. “A diferença é que nesses conflitos havia uma bipolarização dos atores políticos. Hoje o mundo vive uma realidade bem diferente. Não há um modelo, mas para existir uma guerra é preciso que haja dois lados opostos e atualmente isso não existe.”
Kocher destaca também a ação de outros elementos, como as organizações multilaterais, como a ONU, e a opinião publica que também influencia nas negociações diplomáticas entre os países. “A diplomacia era muito diferente, os acordos entre os estados eram, em sua maioria, feitos por debaixo dos panos e as questões sociais internas não eram consideradas. O acesso à informação pela população altera esse jogo”, explica.
 Para Marcio Scalércio, do Departamentos de Relações Internacionais da PUC – Rio, um conflito de grande proporções não é possível devido ao poderio bélico dos países centrais, o desenvolvimento de armas nucleares e as relações internacionais que estão mais entrelaçadas. “Temos dispositivos de negociação de crises muito mais azeitados e experientes do que existia na Europa de 1914. A política pode ter seu próprio tempo, que é diferente do tempo do desenvolvimento do tecnológico, sobretudo o bélico.”
Apesar do acordo entre especialistas sobre a impossibilidade de um conflito de proporções internacionais, Scalércio destaca que a tendência, desde a guerra fria, é de que conflitos localizados sejam cada vez maiores. “Vamos enfrentar um mundo onde haverá cada vez mais esse tipo de situação: conflitos armados de baixa intensidade e que, às vezes, podem derrubar governos como foi o caso da Líbia com o Khadafi.” O professor destaca também o caso entre a Rússia e a Ucrânia, onde não houve um conflito aberto, apenas a Rússia apoiou grupos separatistas que anexaram a Criméia ao território russo. “No caso da Rússia, a alegação era da associação da Ucrânia com a Otan, que ia contra os interesses do país, mostrando um viés político mais do que territorial”.
Nacionalismo enfraquecido
 Um dos fatos que iniciaram a Primeira Guerra foi a exacerbação dos nacionalismos dos Estados Nacionais. Nos conflitos atuais, o advento dos movimentos nacionalistas é algo que tem chamado a atenção, mas especialistas garantem que a globalização tem diminuído a ação desses grupos. “Hoje em dia o nacionalismo está circunscrito ao fenômeno da globalização e da interdependência entre os estados. Isso inviabiliza, em certa medida, essas manifestações. Entre proclamar o nacionalismo e fazer políticas nacionalistas existe uma grande diferença”, afirma Kocher.
 Para Paz, a relação de dependência entre os estados também favorece que os países não adotem políticas nacionalistas. “Um dos países que poderia fazer frente aos Estados Unidos, a China, não tem interesse político ou econômico de entrar em conflito. A China tornou-se um dos principais credores da dívida dos EUA, então é interessante que o país continue fora de uma condição de crise, como em uma guerra, já que há essa dependência econômica favorável para a China”, explica.
 Um novo contexto
 Nesse contexto, outros fatores surgem como agregadores em períodos de conflito. A religião, por exemplo, surge como um elemento de igualdade entre alguns grupos. “A grande questão durante a Primeira Guerra, onde se mostravam os antagonismo era o nacionalismo. A identidade nacional era um fator mais forte. Hoje em dia outras questões surgem e que estavam mais circunscritas à uma região. Na globalização há uma ideia muito flexibilizada de nacionalidade. No contexto atual, não só a questão da religião, mas as questões étnicas retornam. Na Palestina e na Iugoslávia, em Ruanda, com os hutus . Tanto as etnias quanto as religiões têm um papel forte para dar início aos conflitos atuais”, explica Leonardo Paz.
A religião não é um fator novo no esquema global, aponta também Scalércio. “O que acontece é que vemos o crescimento de uma leitura religiosas mais rigorosas. A medida que o radicalismo cresce, o fator excludente aumenta. Nos anos 80 você tem um avanço das teses conservadoras no mundo, e o resultado foi o fortalecimento desses grupos religiosos mais rigorosos e mais intolerantes”, conclui.
 * do programa de estágio do JB

Nenhum comentário:

Postar um comentário