As grandes cidades concentram os problemas da vida brasileira e dependem de uma força-tarefa para superá-los
por Ana Carolina Amaral
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publicado CARTA CAPITAL
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os protestos de junho do ano
passado deixaram claro que as metrópoles brasileiras transformaram-se em
um caldeirão de frustrações dos habitantes e de demandas não realizadas
pelo poder público. Transporte ineficiente, violência incontrolável,
sistema de saúde deficitário, ausência de áreas de lazer e convivência.
Morar em grandes cidades tornou-se um inferno e dar as respostas
corretas, um desafio inadiável dos administradores em todos os níveis de
poder.
Com a intenção de discutir os problemas e oferecer soluções que alterem a realidade nas regiões metropolitanas, CartaCapital
iniciou por São Paulo, na segunda-feira 21, um ciclo de eventos da
série Diálogos Capitais intitulada “Metrópoles Brasileiras – O futuro
planejado”. Até o fim de 2014, mais quatro cidades receberão o
seminário: Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Belém. “A vida nas
metrópoles abre uma nova perspectiva no processo civilizatório e oferece
uma multiplicidade de desafios de gestão que precisam ser mais bem
compreendidos”, afirmou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor
editorial da revista, na abertura do evento.
Segundo Nádia Campeão, prefeita em
exercício de São Paulo, os desafios vão muito além dos dois ou três
pontos que emergem em pesquisas, entre eles mobilidade, segurança e
saúde. “São Paulo é um universo de demandas que precisam sempre ser
atendidas, e agora, com o novo Plano Diretor Estratégico, aprovado pela
Câmara logo após a final da Copa do Mundo, o poder público ganha um eixo
de atuação”, acredita. O tamanho do desafio é explicitado com a
multiplicidade de polos de desenvolvimento, que chegam a 120 em toda a
cidade.
A aprovação do Plano Diretor, descreveu a prefeita em exercício, envolveu 114 audiências públicas e a participação in loco
de 25 mil cidadãos, além das contribuições online e em documentos. Um
dos avanços foi a criação dos “conselhos de subprefeituras, conselhos
setoriais e conselho da cidade”. Um dos pontos críticos da gestão,
contrabalança, é o fato de nenhuma prefeitura conseguir fazer nada
sozinha. “É preciso a integração dos esforços entre os municípios
vizinhos, o estado e o governo federal, senão as coisas não andam ou
ficam desconectadas.” A capital paulista, embora administrada pelo mesmo
partido da presidenta da República, ainda não conseguiu avançar na
renegociação da dívida da cidade, na adaptação dos critérios do Minha
Casa Minha Vida ou mesmo na articulação conjunta necessária para atender
às promessas feitas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
A falta de alinhamento entre as diversas
instâncias de poder, atesta Raquel Rolnik, urbanista e professora da
USP, ameaça a vida nas grandes cidades: o descasamento de agendas entre
os diversos atores que causam impacto nas cidades. Raquel listou algumas
metrópoles que superaram a fragmentação político-administrativa com a
transformação da visão de território. “Enquanto Tóquio e Frankfurt são
administradas como Estados, nosso pacto federativo é subdesenvolvido e
baseado em interesses privados, políticos ou de parcelas do território.”
A urbanista defendeu maior autonomia
financeira para as cidades. Segundo ela, a taxação do patrimônio por
meio do IPTU é um instrumento legítimo e acusou a mídia e os grandes
grupos imobiliários de boicotarem as iniciativas para a recuperação dos
valores. Dessa forma, uma cidade como São Paulo fica à mercê de doações
voluntárias da União. “O governo federal oferece, no entanto, uma
máquina de construção de casas, canos, vias, não uma estrutura de
financiamento. Ou seja, a política é para objetos inauguráveis, e não
para uma urbanidade integrada.”
A atual Lei de
Licitações também foi criticada. Haroldo Pinheiro, presidente do
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, apontou a legislação como
um dos principais empecilhos à planificação das ações urbanas. “Desde
1993, a Lei de Licitações excluiu o planejamento como condição para
projetos de construção, admitindo-se apenas o projeto básico para se
licitar.” Em nome da agilidade, o regime diferenciado de contratação
agrava ainda mais a situação, pois “entrega ao empreiteiro a
responsabilidade pelo projeto”. Desse modo, afirmou Pinheiro, o Estado
abre mão da responsabilidade pelo planejamento das cidades e repassa à
iniciativa privada, que tem o lucro como prioridade.
Esse tipo de PPP recebeu muitas críticas
dos participantes da principal mesa-redonda realizada pela manhã. Raquel
a descreveu como “extremamente perigosa”. “As PPPs representam a
privatização total do espaço urbano.”
O modelo de consulta pública
baseada em audiências e em representantes eleitos também oferece
obstáculo para a gestão pública, pelo fato de nem sempre conseguir
captar os anseios da sociedade. Encontrar maneiras de compreender as
demandas de movimentos policêntricos e sem um foco claramente
identificável, a exemplo das manifestações de junho do ano passado, é um
desafio próprio do século XXI e deve ser tratado como tal. Assim
observou Patricia Ellen da Silva, sócia-diretora da McKinsey América
Latina. Durante sua exposição, a consultora procurou demonstrar que
tecnologias podem ser excelentes aliadas para a formulação de políticas
públicas em grandes centros urbanos. Segundo Patricia Ellen, há 95
milhões de brasileiros conectados em redes sociais e 76 milhões apenas
no Facebook. Os usuários são de todas as classes sociais. Desse total,
34% publicam dados sobre organizações de todos os perfis e influenciam o
fluxo de informações nas redes.
O engajamento digital muda o comportamento e a expectativa
dos cidadãos, que passam a exigir mais honestidade e transparência das
organizações públicas e privadas. As mídias sociais foram as
protagonistas das manifestações de junho, ao atingir mais de 1,8 milhão
de mensagens por dia naquele mês, com 75% de mensagens positivas ou
neutras sobre os atos. “Ali perdemos uma chance incrível de entender o
que estava acontecendo e abrir diálogo de forma construtiva”, opina a
consultora. Sem propor qualquer tipo de monitoramento ou controle
individualizado, a especialista vê os avanços da mobilidade digital como
um instrumento valioso para o planejamento urbano. “Não quero saber o
que um determinado indivíduo está fazendo, mas quais os grandes fluxos
de pessoas e o que estão apontando como dilemas.” De acordo com ela, os
dados estão disponíveis a partir do acompanhamento anônimo dos
celulares, entre outras ferramentas.
A tecnologia poderia ajudar a monitorar em tempo real,
descreve a diretora da McKinsey, casos de dengue e direcionar a ação
pública de forma mais eficaz no território. “Isso já é realidade em
outros temas, como em APPs que monitoram trânsito ou bares e
restaurantes”, compara. Algumas prefeituras têm avançado na relação com a
sociedade, diz, entre elas a do Recife, onde um grupo de jovens
empreendedores criou a rede social Colab, que permite a cidadãos
conectados apontarem problemas na cidade, avaliarem serviços públicos e
proporem soluções. A tecnologia pode de fato conectar a sociedade ao
poder público. Hoje, quatro prefeituras adotaram essa fórmula como canal
oficial com a população: Curitiba e Foz do Iguaçu, no Paraná,
Rondonópolis, em Mato Grosso, e Teresina, no Piauí. Em junho, a solução
venceu o prêmio internacional AppMyCity como “melhor aplicativo urbano
do mundo”. O diferencial do Colab é que ele promove o diálogo, ativa a
inteligência coletiva das cidades.
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