VERDADE SUFOCADA
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PENSAR & REPENSAROliveiros S. Ferreira********************************
Os últimos fatos nos permitem reflexões pouco agradáveis. No
Rio e em São Paulo, assistimos a greves que uma autoridade definiu como
“greves selvagens” - “wild cat strikes”, como eram chamadas nos EUA. A
greve selvagem é aquela feita não apenas contra o patrão, mas também
contra o sindicato da categoria, já que os trabalhadores que param o
trabalho não obedecem mais à direção sindical.
Selvagem ou
não, uma greve tem sempre um objetivo e um inimigo. Os grevistas
pretendem conseguir melhores salários e condições de trabalho.
Tornando-se um instrumento de luta da classe operária, o objetivo
(podemos dizer a necessidade) era sempre salário, e o inimigo era sempre
o mesmo - o patrão. Se a população viesse a sentir falta de algo que
pelos grevistas era produzido, isso não seria importante, seria problema
menor, pois a greve não duraria o suficiente para que os “civis” contra
eles se voltassem. As coisas mudaram de figura quando as greves
afetaram setores essenciais à vida da Cidade ou feriram os interesses do
Estado. Nesse último caso, um caráter insurrecional lhe poderia ser
atribuído. Sorel pensou na greve geral como “mito” para fazer a
revolução.
No Rio e em São Paulo, os prejudicados foram menos os patrões
do que a população. Em São Paulo (no Rio deve ter acontecido o mesmo),
os “civis” faltaram ao trabalho, dormiram na rua, arriscaram-se a tudo. O
prefeito Haddad, experimentando sabor amargo, teve reação emocional:
“Sabotagem!” “Guerrilha!”. Academicamente, tomemos suas palavras como
base de nossa reflexão.
Comentando a greve geral inglesa de 1926, Haya de la Torre fez
importante observação que serve aos estudiosos e às autoridades: o
significativo não é que três milhões de trabalhadores tenham parado,
mas, sim, três milhões de trabalhadores em greve tenham voltado ao
trabalho. Isso se chama organização!
Cansamos de ver na TV um Comandante fazer a tropa de assalto
acertar os relógios para que a operação seja coordenada. A tropa,
presume-se, terá sido treinada para obedecer e agir ordenadamente.
Vejamos, então, São Paulo. Os ônibus saem das garagens e, logo em
seguida, praticamente todos ao mesmo tempo, de maneira ordenada, param
nas ruas. Há, portanto, uma organização por trás de todo esse movimento
grevista, que pouco se incomoda com o sofrimento da população ou com sua
reação. A grande “parada” foi na 3ª feira. Na 4ª feira, os ônibus
começaram a voltar enquanto os representantes dos grevistas
parlamentavam com os representantes patronais, os da Prefeitura e os
dirigentes sindicais (esses, por quê?). A precisão com que os ônibus
pararam e depois voltaram a rodar sem que as reivindicações tivessem
sido atendidas permite supor que a “tropa” foi treinada a obedecer e a
fazer aquilo que todos sabiam dever ser feito. Ou a operação teria sido
uma desordem sem fim.
A observação do Prefeito sobre “guerrilha” permite essas
considerações pouco tranqüilizadoras. Inquietantes, sim, porque os fatos
levam à conclusão de que há uma organização não conhecida, talvez
ilegal, que pode parar a Cidade ou o País sem que haja qualquer reação.
Não houve reação e não haverá porque o Estado não está preparado para
esse tipo de perturbação da ordem, que deixa a população à mercê não se
sabe de quem. Sabemos qual o objetivo expresso: salário maior do que o
que foi conseguido pelo sindicato. Não sabemos, porém, quem é o inimigo
que se procura atingir com essa demonstração de força ─ que poderá
voltar a repetir-se em outra oportunidade qualquer ─ nem qual objetivo
principal ou acessório possa ter.
Não custa lembrar a História: logo depois da libertação, a CGT
francesa (PC) decretou greve geral para mudar a política de austeridade
imposta pela guerra e mudar o governo, se possível. Nada mais! O governo
mobilizou os grevistas e o movimento acabou ─ também porque o Exército
obedeceu e a população afetada pela greve concordou. Durante a guerra da
Coréia, uma greve paralisou as ferrovias. Truman aplicou a lei
Taft-Hardley, mobilizou os grevistas, e a greve acabou.
O Governo francês e Truman sabiam o que estava em jogo. Nós,
não! Sabemos apenas que há uma organização, informal que seja,
valendo-se das facilidades das redes sociais (hipótese pouco provável)
para ... para quê? Não se trata de derrubar o Governo nem de mudar a
política econômica. Muito menos desacreditar o governador do Estado.
Atingir Haddad e outros prefeitos, que não teriam condições (em tempos
normais) de fazer os patrões voltarem atrás, desmoralizando acordo feito
dentro da Lei e aumentando tarifas em tempo de eleição?
O difícil numa guerra (a “luta de classes” é, no fundo, uma
guerra) é conhecer os objetivos reais do inimigo e seus planos de
ataque. Sem conhecê-los, a derrota é praticamente inevitável.
Esta é a questão que Haddad trouxe à discussão quando exclamou
“Guerrilha!”: contra quem lutamos? Ou melhor, contra quem e contra que
se coloca a organização que programou e realizou a greve em São Paulo e
no Rio?
Ao comentar as manifestações de Junho passado e a ação dos
Black Blocs, deixei a mesma pergunta no ar, indo ao extremo de falar em
uma organização de um só homem, o Dr. Fu-Manchu. Exagero literário, sem
dúvida. Que não elimina a hipótese de que há uma organização capaz de
fazer tumulto na hora que lhe parecer conveniente.
Os espíritos que desejam paz a qualquer preço não a terão, mas
talvez gostassem muito de ter uma notícia, amanhã: “Por ato da
Presidente da República, é decretado o estado de emergência em todo o
país para garantir a realização da Copa, estando suspensas as garantias
constitucionais constantes do artigo 5 da Carta Magna”. Ou nisso talvez
estejam apostando os próprios agitadores, que desconhecemos e dos quais
ignoramos os objetivos.
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