segunda-feira, 28 de abril de 2014

Mãe diz que não consegue matricular menina com alergia na rede pública


Secretaria de Educação teme que professor não possa socorrer a garota.
Médica garante que alergia não impede criança de estudar, em Catalão, GO.

Luísa Gomes Do G1 GO

Maria Júlia tem alergia alimentar e foi impedida de frequentar escola em Catalão, Goiás (Foto: Arquivo pessoal)Aos 4 anos, Maria Júlia sofre com alergia alimentar
(Foto: Arquivo pessoal)
A família de Maria Júlia Ferreira dos Santos, de 4 anos, trava uma batalha para que a criança consiga uma vaga em uma unidade de ensino de Catalão, no sul de Goiás. Segundo a mãe da garota, Claudia Ferreira, 42, a menina não pôde ser matriculada nas unidades públicas porque sofre de alergia alimentar múltipla.
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Enquanto a mãe e a médica que acompanha a criança desde o nascimento afirmam que a doença não deve impedi-la de frequentar a escola, a Secretaria Municipal de Educação afirma que, mesmo disponibilizando professor de apoio para acompanhar a criança, ele não teria conhecimentos técnicos para aplicar corretamente a medicação necessária.
Sem a vaga nas escolas públicas, a família buscou ajuda em uma escola particular de Catalão. Segundo a mãe, a unidade de ensino aceitou a criança e ofereceu uma bolsa de estudos parcial para Maria Júlia. O primeiro dia de aula dela aconteceu na última quarta-feira (23).
Porém, para a mãe de Maria Júlia, a conquista da vaga não apagou o sentimento que teve ao ter a matrícula nas instituições públicas negada. “Me senti discriminada, como se eu fosse a última criatura da terra, como se minha filha não tivesse direito a nada e ninguém fosse lutar por ela. Senti como se eu fosse culpada da Maria Júlia ter nascido com problema”, lamenta Claudia.
Reação
Segundo a médica que acompanha Maria Júlia, a especialista em alergia Juliana Lima Ribeiro, se a criança ingerir algum alimento a que tem alergia, ela pode ter problemas como falta de ar e desmaio.
“A gente não pode achar que nunca pode acontecer algo mais grave porque a reação alérgica é imprevisível. Os professores ficam com medo, mas a recomendação é que a criança seja observada para não comer algo que não pode, mas isso não significa que eles não possam recebê-la. Maria Júlia não só pode como merece estudar, merece educação”, afirma.
A médica explica ainda que a criança carrega o tempo todo uma espécie de caneta com um medicamento que deve ser injetado no caso dela ingerir um alimento e sofrer uma reação. Segundo Juliana Ribeiro, caso necessário, a aplicação poderia ser feita por professores da unidade de ensino.
Me senti discriminada, como se eu fosse culpada da Maria Júlia ter nascido com problema"
Claudia Ferreira,
Mãe de Maria Júlia
O G1 entrou em contato com a Secretaria de Educação de Catalão, que afirma ter recebido o requerimento da mãe e analisou uma unidade de ensino em que a criança pudesse ser matriculada. Foi oferecida uma vaga em uma unidade que possui, no mesmo espaço da escola, um posto de saúde, o que garantiria que ela teria atendimento caso sofresse alguma reação. Porém, de acordo com a secretaria, a mãe recusou a vaga por causa da localização da escola.
Já segundo a mãe, a diretora da unidade afirmou a ela que o posto de saúde deve sair do local em breve e que, assim, a escola não poderia se responsabilizar pela menina.
Ainda segundo a Secretaria, o promotor da Infância e Juventude de Catalão, Fábio Santesso Bonnas, também recomendou à mãe que “priorizasse o tratamento da criança, que após constatar uma melhora, inclusive com medicação preventiva, retornasse à unidade de ensino para efetivar a matrícula”.
A Rede Municipal de Educação de Catalão afirma, em nota, que possui professores de apoio à disposição de aproximadamente 140 alunos com intolerância a produtos como lactose e açúcar. “Porém, nunca antes foi nos apresentado um caso com peculiaridade como o que foi apresentado pela mãe da Maria Julia e, principalmente, com a necessidade de um profissional de educação assumir a responsabilidade de ministrar um medicamento que se aplicado incorretamente poderá causar sérios danos a saúde da criança”, diz o comunicado.
Lutas
Segundo a família, Mara Júlia enfrenta verdadeiras batalhas desde o nascimento e teve de ser operada no segundo dia de vida. “Quando nasceu, a médica disse que ela tinha uma obstrução intestinal grave e tinha que ser internada em Goiânia. A Maria Júlia acabou tendo que ser operada com 46 horas de vida”, lembra a mãe.
Ela se lembra que a cirurgia correu bem, a criança foi para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas acabou tendo uma pneumonia que virou uma infecção generalizada. Maria Júlia permaneceu em tratamento em um hospital na capital por 45 dias até retornar a Catalão. Meses depois, voltou a ter problemas de saúde, com graves diarreias.
Maria Júlia Ferreira dos Santos, de 4 anos, tem alergia alimentar, em Catalão Goiás (Foto: Arquivo Pessoal)Maria Júlia brinca de colorir em casa
(Foto: Arquivo Pessoal)
“Ela nasceu com 3,1 kg. Aos 2 meses e 13 dias, ela pesava 2,5 kg. Aí, começou o sofrimento, a peregrinação de um médico para outro, viajando constantemente de Catalão para Goiânia e Uberlândia (MG)”, conta a mãe.
Com consultas e exames que chegavam a custar R$ 200 cada, veio o diagnóstico de que Maria Júlia sofre com alergia alimentar múltipla. Por isso, por um período de cerca de um ano a criança teve de ser alimentada com um leite especial que, segundo a família, custa em média R$ 600 a lata. “Ela tomava mais ou menos 15 latas dessas em um mês”, relata Claudia.
Os pais conseguiram que, por um período, o gasto com o leite fosse custeado pelo governo. Mas, enquanto a mãe teve de abandonar o trabalho para se dedicar à criança, o pai, por sua vez, precisou conseguir outro emprego para sustentar a família.
Esperança
Aos poucos, uma nova alimentação foi sendo apresentada à criança, e hoje ela já consegue se alimentar de outros tipos de alimentos. “São coisas especiais, marcas específicas. Tudo é restrito. Ela não come balinha, chocolate. Eu não posso sair com ela e lanchar na rua, por exemplo. Esses dias ela tomou um suco e quase morreu porque provavelmente o liquidificador usado estava com resto de outro líquido”.
De acordo com a médica, 90% das crianças com a doença melhoram até o 4 anos de idade.  “Ela ainda não melhorou, mas uma vez ao ano a gente testa os alimentos sob supervisão médica e a qualquer momento ela pode ter a melhora”, diz a especialista.
Ela explica que o problema maior é que Maria Júlia tem alergia a vários alimentos. "Na maioria das crianças, a alergia é a um alimento só. Por isso, a gente restringe a alimentação fora de casa”, esclarece. Porém, a médica ressalta que essa restrição não deve impedir a menina de frequentar a escola. “A mãe não está pedindo que escola dê uma alimentação especial. Ela mesma manda a comida. Eles só precisam observar para ela não comer algo que não pode", afirma.

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