Em artigo
publicado no jornal O Globo, Nelson Paes Leme recorda Raimundo Faoro
para analisar a renovação do patrimonialismo brasileiro, hoje encarnado
no lulopetismo e seus pelegos, que "saqueiam o Erário de forma torpe,
solerte e desavergonhada":
Raymundo
Faoro, em seu antológico “Os donos do poder”, faz um diagnóstico
certeiro e preciso da origem do patrimonialismo brasileiro: a Casa de
Aviz portuguesa no Século XIV. Os reis de Portugal se consideravam
proprietários do país e da nação. Essa cultura atravessou mares e
séculos e se enraizou com toda a força no Brasil e na nossa concepção de
Estado soberano. Hoje já não há a Casa de Aviz. Outros são os tempos e
outros são os donos do poder. A Petrobras que o diga.
O Estado
brasileiro sempre foi um paquiderme a serviço desses “donos” eventuais
do poder. Inicialmente foram os próprios reis portugueses, depois os
imperadores, depois os militares positivistas da República Velha. Depois
o ditador Vargas em duas etapas, sendo que na última já dividiu parte
do poder (inclusive a Petrobras) com um peleguismo ainda incipiente e
amadorista. Nada parecido com o atual, altamente sofisticado e
requintado. São pelegos muitas vezes com PhD e que andam acompanhados,
em jatinhos executivos, de poderosos empreiteiros e subempreiteiros de
gigantescas obras públicas. Alguns com mandato popular nas câmaras,
assembleias legislativas e até no Congresso Nacional. Pelegos que tomam
vinhos caríssimos de safras de colecionador, mas não arredam pé de um
sindicalismo em decadência porque alinhado a um socialismo que já não
existe. Um socialismo que foi atropelado pela revolução
científico-tecnológica e pela deterioração da vida planetária, de todas
as espécies viventes a exigir rever as prioridades no campo do social e
da própria economia de mercado.
Com a
ditadura militar que tomou conta do Brasil de 1964 a 1984, esses líderes
sindicais de outrora se organizaram com mestres acadêmicos, também
sindicalistas públicos em estado de pureza ideológica, egressos das
universidades estatais, na resistência democrática, e fundaram um
partido político, com o placet dos militares, especialmente do general
Golbery do Couto e Silva, pretenso ideólogo do regime militar.
Estratificou-se assim uma tecnoburocracia de oposição à tecnoburocracia
militar no governo e que passou a dominar o aparelho partidário do
Partido dos Trabalhadores, desfraldando a bandeira do vestalismo na
política e do igualitarismo no social.
Esse
partido, aparentemente ingênuo e idealista, forjado ainda nos ideais
distributivistas da pré-Guerra Fria e do trotskismo revolucionário do
princípio do século passado tinha, no entanto, um projeto histórico de
poder idêntico ao dos reis de Portugal, dos imperadores, dos militares
positivistas, dos ditadores e dos militares golpistas: tomar conta do
aparelho do Estado e tornar-se dono da República e de sua economia
altamente estatizada e burocratizada. O próprio Faoro já vaticinara:
“Sobre as classes sociais que se digladiam, debaixo do jogo político,
vela uma camada político-social, o conhecido e tenaz estamento
burocrático nas suas expansões e nos seus longos dedos.” Esses longos
dedos hoje pertencem a esses novos donos do país.
Ascenderam
ao poder. Locupletaram-se nas companhias e bancos estatais,
reinventando o “presidencialismo de coalizão” com o pior do fisiologismo
herdado da ditadura militar. E aí estão. Não há força que os remova.
Saqueiam o Erário de forma torpe, solerte e desavergonhada. E nenhuma
força do restante da sociedade civil lhes contrapõe qualquer
resistência. Até quando irão corroendo o tecido republicano, ninguém
sabe. Seu combustível é a ignorância, a indigência cultural e a miséria
humana.
As
próximas eleições gerais que se avizinham serão decisivas para o futuro
desses novos “donos do poder” e sua percepção atrasada e ultrapassada de
Estado. Mas, seja qual for seu resultado, esta República se esgotou. É
ingente um novo pacto que inaugure a próxima, em que o poder seja
realmente partilhado com o soberano: o restante do povo brasileiro que a
tudo assiste perplexo e desorientado. Uma imensa tarefa de reconstrução
do Estado brasileiro é o que se espera, mas ainda não se percebe no
discurso dos candidatos.
blog orlando tambosi
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