Leonardo Morais/Hoje em Dia
Setor de atendimento da Polícia Federal em Valadares está sempre cheio
GOVERNADOR VALADARES - A crise econômica internacional e a melhoria na
qualidade de vida dos brasileiros não foram suficientes para frear o
sonho americano. Em Governador Valadares, cidade que primeiro exportou
emigrantes para o exterior, o êxodo continua alto, em especial para os
Estados Unidos, que desde a década de 60 continua sendo a principal rota
dos “brazucas”. Pelo menos 1.250 passaportes são emitidos por mês na
cidade.
A dona de casa Maria Aparecida Botelho, de 45 anos, buscou o documento
na quarta-feira. Ela morou nos EUA ilegalmente por mais de 15 anos e lá
deixou os três filhos, todos americanos. Disse que voltou para o Brasil
porque o marido foi deportado, em 2010. “Quero ir passear, visitar os
meninos”, afirmou. Já uma vendedora que pediu para não ser identificada
não esconde o desejo de ir e ficar. “Tenho uma irmã nos Estados Unidos.
Se der, fico por lá”.
Segundo a supervisora do Núcleo de Passaportes e Imigração da Polícia
Federal, Conceição Farias, a procura pelo documento é tanta que os
agendamentos estão esgotados até 16 de maio. A maioria diz que tem a
intenção de visitar parentes. No entanto, deixam escapar a intenção de
emigrar e se estabelecer fora do país. “Alguns pegam o passaporte e
suspiram alto: ‘Que bom seria se já viesse com o visto”, contou.
A pesquisadora Sueli Siqueira, especialista em migração internacional,
concorda. Segundo ela, embora o turismo também aconteça, a maioria quer o
passaporte e o visto para emigrar para o trabalho. E o fenômeno
migratório que começou na cidade e região na década de 60, ganhando
força em 1980, continua forte. Não existem números oficiais, mas
estima-se que cerca de 40 mil dos 260 mil valadarenses estejam no
exterior.
“São mais de 50 anos de fluxo migratório. Nesse período, famílias se
estabeleceram por lá mantendo relações aqui na cidade. Então esse
movimento de ir e vir vai continuar sempre”, observou Sueli.
Entre os motivadores para a continuidade do fluxo migratório de
brasileiros estariam ainda os mecanismos facilitadores para a obtenção
de vistos americanos e as redes sociais formadas ao longo dos anos por
familiares e amigos.
A rede é alimentada por pessoas que emigraram, se estabeleceram e recebem quem chega.
Sueli lembra que emigrar clandestinamente custava até US$ 9 mil (cerca
de R$ 21 mil) em Valadares, mas hoje tem gente mascarando informações
para obter documentos originais por R$ 1.250. Outra explicação seria a
chamada “cultura da emigração” que mantém viva a ideia de que fora tudo é
melhor e mais bonito, realidade que não é a mesma para todos. “É a
ideia de que a grama do vizinho é sempre mais verde. Mas lá trabalham
até 18 horas por dia, dormem e se alimentam mal e vivem com medo”,
disse.
O desejo de emigrar também é o mesmo: comprar casa, carro e melhorar a
vida da família. Como atualmente ganha-se menos no exterior, os que
continuam fora esperam a economia melhorar. E os que partem acreditam
que mesmo em crise, os países do chamado Primeiro Mundo têm mais a
oferecer. “Só que mesmo legalizado, vai se sentir sempre um estrangeiro.
Quando adoece, volta”, lembrou Sueli.
Ainda é grande a procura por visto
Segundo a pesquisadora Sueli Siqueira, mais que uma flexibilização com
relação aos brasileiros, o que mudou foi a economia do país. “Muitos
brasileiros agora têm dinheiro para ir comprar nos EUA, Europa ou
qualquer lugar. A dificuldade do visto faria com que fossem para outro
lugar”, explicou, lembrando que os brasileiros estão entre os que mais
compram nos EUA.
Ela não acredita em discriminação contra o valadarense para a obtenção
de visto. “Já tive acesso a dados estatísticos que apontaram o
contrário. O número de valadarenses com falta de documentação correta
para conseguir o visto é que era muito grande”, observou. Outro fator é a
grande incidência de pessoas da cidade que tentam o visto.
Sueli é professora na Universidade Vale do Rio Doce (Univale) e esteve
no Itamaraty no último dia 13 para falar sobre a emigração de
brasileiros. Em abril vai para Londres e Lisboa, ficando fora um mês,
participando de congressos e debates sobre o assunto.
As demandas dos emigrantes nos consulados, aspectos culturais das
relações nos casamentos entre brasileiros e estrangeiros, análises
comparativas do retorno dos EUA e Europa e a cultura da emigração dos
valadarenses estão na pauta.
Emigrar tornou-se uma questão cultural
Emigrar tornou-se uma questão tão cultural em Governador Valadares que
são emitidos cerca de 1.250 passaportes por mês na cidade. São, em
média, 60 por dia. Mas isso representa menos da metade dos 150 a 200 que
eram emitidos até 2007.
Mas essa redução, garante o titular da Polícia Federal na cidade,
delegado Cristiano Campidelli, não está ligada a uma suposta queda na
procura pelo documento, que por aqui também é usado como comprovante de
identidade: falta infraestrutura para atender a demanda.
“A emissão de passaportes na cidade poderia ser maior se tivéssemos
capacidade de atendimento, atualmente menor do que a necessidade”,
afirmou.
Mudança
As limitações surgiram depois que o setor de passaportes saiu da sede
da Polícia Federal no Distrito Industrial e mudou para a UAI, no Centro,
ano passado.
Além de limitações no sinal de internet, o atendimento passou a ser
oferecido em um turno em vez de dois, em três estações (cabines).
“Com mais uma estação teríamos condições de emitir, em média, de 1.500 a 1.600 passaportes por mês”, afirmou o delegado.
Segundo Campidelli, mesmo com as limitações Valadares é a cidade do
interior mineiro que mais emite passaportes, ganhando de municípios com
mais habitantes como Uberlândia, Montes Claros e Juiz de Fora. Perde
apenas para Belo Horizonte.
“O sonho americano continua vivo entre os valadarenses, mas é preciso
ter cuidado para que não se torne um pesadelo”, advertiu Campidelli.
Ilegais
O delegado lembra que apesar das facilidades para custear uma viagem
internacional e a flexibilização na emissão do visto, moradores de
Valadares e cidades do Leste de Minas ainda tentam emigrar ilegalmente
montando documentos ou fazendo a arriscada travessia pelo deserto do
México.
“Por mais que exista crise econômica, mesmo nos EUA, que continua sendo
a principal rota, emigrar é a pretensão de muitas pessoas desta cidade,
tornou-se uma questão cultural. Em quase todas as casas há pelo menos
um integrante no exterior”, lembrou Campidelli. Ele contou que por
muitas vezes, durante as operações, valadarenses abordados apresentam o
passaporte como documento de identidade.
E mesmo que não seja possível saber o destino dos que buscam o
documento – a informação não é necessária – a maioria tem mesmo a
intenção de emigrar. A segunda rota na preferência dos valadarenses e
moradores da região é a Europa, com destaque para Portugal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário