| 29 Março 2014
Mídia sem Máscara
Mídia sem Máscara
A Rússia está se mobilizando abertamente para a guerra.
Nossos experts jamais entenderam a União Soviética ou a China vermelha; tampouco entendem a Federação Russa hoje.
A Índia em 1962 nos oferece um distante paralelo com os dias de hoje. Pense na Crimeia atual como se fosse o Tibete em 1959. Um conflito surgiu após a invasão e anexação de um território. A posição do agressor está em ambos os casos sujeita à subversão ativa, e mesmo assim a escalada militar do agressor não é levada a sério. A ação do agressor não tem uma resposta à altura. Um conflito militar se segue e o agressor derrota e pune a interferência da democracia.
A recentemente revelada análise “ultrassecreta” do Departamento de Defesa indiano acerca do ataque militar chinês à Índia em 1962 começa de maneira apropriada, com uma citação de Sun Tzu sobre a necessidade de conhecer a si mesmo e ao inimigo. A análise descreve os sinais preliminares de um avanço chinês rumo à Índia e fala da “ação agressiva chinesa em Longju na Agência Fronteiriça do Nordeste da Índia (NEFA) em agosto de 1959 e em Kongala na região de Ladakh em outubro de 1959”. Os generais indianos reconheceram que “esses dois incidentes mostraram a instauração do poder chinês no Tibete...” Verdade seja dita, a Índia estava dando ajuda e conforto ao povo tibetano oprimido. A China não poderia tolerar essa situação por muito tempo e estava determinada a ensinar uma lição à Índia.
No começo, os generais indianos imaginaram que estavam sendo ameaçados por um simples regimento chinês próximo de Ladakh. Um tempo depois, da ameaça em Ladakh “estimou-se que se tratava de pouco mais que uma divisão blindada..." A análise indiana afirmou que “o montante chinês [...] era [na verdade] três vezes maior [...] do que se estimou em 1959, pois nós fomos negligenciados por conta da falta de apoio logístico”. Os relatórios indianos de inteligência mostraram que o poder chinês foi crescendo continuamente de 1959 até 1962. O lado indiano fracassou na tentativa de se preparar a despeito da visível preparação chinesa. Em 2 de novembro de 1961, menos de um ano antes do ataque chinês, o primeiro-ministro indiano agendou uma reunião para discutir a situação. Presente nesse encontro estavam o ministro da Defesa, o secretário de Relações Exteriores, o chefe das Forças Armadas e o diretor da Agência de Inteligência (DAI). De acordo com a análise, “Parece que a opinião sustentada pelo DAI é que “os chineses não reagirão aos nossos estabelecimentos de novos postos e que eles PARECEM NÃO ESTAR DISPOSTOS A USAR A FORÇA CONTRA QUALQUER UM DOS NOSSOS POSTOS MESMO SE ESTIVESSEM EM CONDIÇÕES PARA TAL” (em caixa alta para dar ênfase).
A avaliação do diretor da Agência de Inteligência indiana foi “contrária à apreciação da inteligência militar, conforme se viu na CONCLUSÃO da Análise Anual da Inteligência do quartel-general do Exército – China-Tibet, 1959-1969 (Anexo 9); que indicava claramente que os chineses resistiriam usando a força contra qualquer tentativa de tomar territórios já tomados por eles”. Os indianos estavam determinados a reforçar suas fronteiras e prevenir uma nova tomada de terra pelos chineses. Eles até vislumbraram uma pressão para empurrar os entrepostos de volta para o território chinês. Nas palavras do relatório, “A política [indiana] tinha virtualmente a intenção de estabelecer postos e dominar as posições chinesas nas áreas ocupadas de Ladakh. Isso, por sinal, poderia significar nosso eventual domínio da rodovia Aksai Chin. Com efeito, o Quartel General do Exército manifestou tal posicionamento em uma carta onde estava dito que ‘No cumprimento de ordens recentes do governo, foi proposto que se estabelecesse certos postos em Aksai Chin e em outras partes de Ladakh...’”
Como aconteceu, o primeiro-ministro Nehru da Índia foi alertado do perigo de um conflito militar, mas se recusou a aumentar os gastos militares e não viu qualquer razão para se preparar para a guerra. Por outro lado, os chineses estavam desdenhosos da fraqueza indiana. Como pôde os indianos se atreverem a enviar agentes ao Tibete com o propósito de subverter o governo comunista? Eles por acaso imaginavam que suas próprias fronteiras estavam seguras contra a China? Nehru acreditou que a China não se arriscaria a atacar. Além do mais, um conflito de fronteiras poderia levar a uma assistência russa ou americana. Evidentemente, os chineses não queriam Nehru se alinhando com Moscou! (Ou queriam?) O pobre primeiro-ministro indiano não entendeu os chineses – e certamente não entendeu os russos. Não é surpresa, portanto, que em outubro de 1962 o Exército Indiano sofreu uma derrota pelas mãos do Exército da Libertação Popular chinês.
Naqueles dias, o governo chinês era dirigido pelo psicopata que atendia pelo nome de Mao Tsé-Tung. Ele é conhecido por ter causado mais assassinatos políticos que qualquer outra pessoa na história. Apesar de devermos aplaudir a tentativa de aproximação indiana para com os chineses na situação do Tibete, não podemos assumir a suposição de que a retidão é suficiente. Podia-se desejar que a Índia tivesse prevalecido contra a China na região. Mas pergunte a si mesmo: de que vale a justa indignação afinal de contas? Com efeito, não se pode parar o exército alheio sem ter o seu próprio. No final das contas, o maior e mais bem equipado exército vence. Em 1939 e 1940 o mundo teve uma demonstração desse princípio; em outras palavras: a fraca retidão é pior que a estupidez. Dar ultimatos a um ditador sem ter força militar suficiente é criminalmente irresponsável em razão da sua própria capacidade. O que imagina um estadista? As recompensas pela fraqueza militar são bem conhecidas, assim como as recompensas pela vulnerabilidade econômica, dependência energética e endividamento financeiro.
Lamento negar a existência de um Papai Noel político ou de um Coelhinho da Páscoa da não-agressão. Os Aliados ganharam a Segunda Guerra Mundial somente porque eles finalmente criaram forças militares superiores o suficiente para parar alemães e japoneses. Os EUA e a OTAN, após décadas de enfraquecimento, estão agindo com a Rússia da mesma maneira que os indianos agiram no Tibete. Eles estão pressionando a Rússia e subvertendo a posição russa na Ucrânia sem dar importância suficiente ao fato de que a Rússia tem as forças nucleares mais modernas do planeta e que a Europa é dependente do gás natural russo. Isto é dizer que estamos ameaçando a Rússia com uma arma descarregada – e isso é perigoso, pois a arma russa está carregada. Conforme mostra o exemplo da Índia em 1962, aqueles que mexem com guerra sem estar seriamente preparados rumarão à derrota. Em termos práticos, deveríamos ter bombardeiros no ar assim como a Rússia tem os dela. Deveríamos estar em paridade com cada divisão deles. Mas não podemos fazer isso, pois acreditamos no “dividendo da paz” que nós gastamos. Além disso, temos políticos conservadores como Newt Gingrich que disse a famosa frase “Eu sou um falcão. Mas eu sou um falcão ordinário”.
Considere as preocupações com a fraqueza do Pentágono expressas pela Coreia do Sul como um exemplo do que estamos falando (veja a manchete do dia 21 de março do Washington Times intitulada “Coreia do Sul mostra preocupação com o corte de gastos no Pentágono”). Se o novo programa de reabastecimento aéreo da Força Aérea custa mais de US$ 1 bilhão, de onde virá o dinheiro quando todo ele estiver indo para o Obamacare? Enquanto isso, o Exército americano está em vias de se tornar o menor desde a Segunda Guerra Mundial. É dessa vibrante força militar que a Europa está dependendo durante uma crise? É essa Força Aérea que ajudará o Japão vencer a China?
A situação ucraniana é digna de nota por uma razão: Primeiro e mais importante, a Rússia está se mobilizando abertamente para a guerra. A Rússia tem bombardeiros carregados com bombas nucleares que fazem rotina de patrulha no Ártico. Algumas semanas atrás os russos ligaram seus radares que funcionam com antenas em série (veja O pica-pau russo retorna). Ambos os movimentos demonstram um sinal pré-Terceira Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, Moscou está posicionando tropas em suas fronteiras ocidentais. Até agora a OTAN enviou um número simbólico de tropas e aeronaves para postos avançados, enquanto a América sequer colocou bombardeiros em alerta e muito menos os colocou para voar carregando bombas nucleares. Nenhum equivalente do pica-pau russo foi ativado do lado americano.
Devemos considerar que uma mobilização desse tipo (a que está acontecendo na Rússia) é vista pelos russos como um teste para ver se estamos dispostos a encarar os desdobramentos. Até o momento nossa reação tem sido fraca e, portanto, encorajadora para o lado agressor. Os generais do alto escalão russo dirão com grande felicidade ao presidente Putin: “Os americanos estão dormindo. Podemos fazer o que quisermos, e eles não farão nada”. Depois então a Rússia mandará suas forças para o Caribe (conforme anunciado). Eles conquistarão toda a vantagem pré-guerra possível sem uma única penalidade. Esse processo poderá perdurar por meses, ou até anos. Apenas quando nos movimentarmos para interromper o processo – como o governo indiano fez em 1962 com a China – é que a Rússia será forçada a atacar. Nesse evento eles dirão que nós fomos os agressores que se mobilizaram contra eles (uma vez que eles haviam se mobilizado “pacificamente”).
Em verdade não nos conhecemos e nem conhecemos os nossos inimigos. Nenhum testemunho faz melhor jus a esse fato do que a recusa do establishment midiático em prestar atenção ao documentário O colapso do comunismo: A história nunca antes contada de Robert Buchar. Nossos experts jamais entenderam a União Soviética ou a China vermelha; tampouco entendem a Federação Russa hoje. Não se pode fazer oposição aos líderes russos com uma simples indignação justificada. Pessoas cuja ideologia consiste na crença da própria honra não se conhecem e não podem conhecer os outros. Lamentavelmente, a arriscada diplomacia militar é um negócio perigoso àqueles que não possuem conhecimento no assunto.
Em notas não publicadas que têm relação com meu livro Origins of the Fourth World War, eu escrevi um diálogo imaginário entre o futuro ditador militar da América (que não será mais E.U.A.) e um “interlocutor” jornalístico e anônimo. À certa altura o jornalista fica chocado ao descobrir que o ditador não acredita em “direitos humanos”. O ditador responde: “Você fala como se esse direito existisse seriamente, (no máximo ele é) como um cachorrinho filhote. Se eu atacar seu filhotinho ele poderia gritar, mas não acredito que ele iria morder. Sua reivindicação de direitos só é boa quando seus dentes são afiados, mas acho que ele afinal não tem dentes”.
Nossa crença nos direitos nos corrompeu. Agora damos como automática a vitória da liberdade. Tomamos também como certo que os ditadores e “bandidos” sempre perderão. A democracia está fadada à vitória. No entanto, os filhotinhos desdentados não estão aptos a ser livres por causa da ausência de um pré-requisito da natureza. E isso não é algum tipo de falha na natureza, mas sim como Deus fez o mundo. Se alguém achar isso perverso, imagine um mundo onde o filhotinho de cachorro tem domínio sobre tudo – um mundo onde o fraco governa o forte e os direitos servem como um cheque em branco que supera todas habilidades; em suma, um mundo onde o cordeiro devora o leão, onde tudo é decidido por cordeiros em pele de cordeiro e quanto mais desprezivelmente fraco você for, mais honorável você será.
Caro leitor, peço desculpas. Você deve me perdoar, pois esqueci que sob a ideologia dominante a qual estamos vivendo, nós optamos por viver em um mundo exatamente assim. É um mundo de inveja em que um narcisista oco é elevado por meio de um slogan tão absurdo, que nós devemos dizer a ele o mesmo que Nietzsche disse de Wagner: “Ele não é um grande homem. Ele é um ator”. Eis o ardiloso fenômeno que descreve com exatidão nossa classe governante. Eis o verdadeiro colapso do Ocidente – a causa dos nossos infortúnios financeiros, educacionais, políticos e morais. A estupidez se tornou sublime, a sabedoria vilanizada e o futuro simplesmente não existe mais. Conforme previu Søren Kierkegaard quase dois séculos atrás,
“Nenhum homem em particular (...) poderá deter a abstração da nivelação, pois ela é algo negativamente superior e a era dos heróis já passou. Nenhuma sociedade ou associação poderá deter a abstração da nivelação, pois no próprio contexto de uma associação já se encontra o serviço ao processo de nivelação. Nem mesmo a individualidade nacional estará em condições de detê-la, pois a abstração da nivelação remonta à mais alta negatividade: a humanidade pura e imaculada.”
[The Present Age, Harper Torchbooks, p.55] (N.T.: Para esta tradução foi usada uma versão diferente à do articulista: La época presente, Minima Trotta, p. 66)
http://jrnyquist.com/
Tradução: Leonildo Trombela Junior
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