Por Sérgio Paulo Muniz Costa * - 06/01/14 - Diário do Comércio O tema da canalhice na politica brasileira tem sido bem explorado, do humorismo à indignação. Mas a molecagem, aquele outro defeito moral que povoa nosso cotidiano não ocupa o mesmo espaço na crônica política. Em casa, na vizinhança de rua, sabemos bem o que é a molecagem, coisa de meninos e meninas que fazem suas artes e saem de fininho, como se nada tivessem com pequenas malvadezas e prejuízos comuns nos lares com infância. Sem querer apelar para qualquer síntese simplista, não é absurdo dizer que, ao longo de nossa educação, é a responsabilização pelas nossas molecagens que evita que nos transformemos em canalhas. O problema no Brasil de agora é que a canalhice e a molecagem se tornaram cívicas e, se não estão institucionalizadas, certamente elas são nítidas no cinismo comum àqueles que corrompem, prevaricam e desgovernam, conseguindo sempre eximir-se. Adotando uma clivagem ideológica, esse mal cívico é praticado tanto por por canalhas de direita como por moleques de esquerda que se comprazem secretamente desses seus "atributos" em que consumam o poder que desfrutam. Em suma, orgulham-se disso, não se sentindo obrigados a qualquer satisfação. E pior, arrogantes, atribuem qualquer crítica ao moralismo, pejorativamente, como se fosse possível dar por encerrada a busca entre o certo e o errado. O ano de 2014, eleitoral, promete ser pródigo. Ilicitudes, imoralidades e agressões serão perpetradas, contra o público e o privado, ao abrigo da não responsabilização, via de regra praticada mediante a transferência ou transfiguração de sujeitos, causas e objetos. Fatos e acontecimentos serão descaradamente invertidos, omitidos e distorcidos. E profissionais cuidarão disso. Mas essa prática, que se tornou comum no panorama político brasileiro, tem uma origem não tão distante. Faz vinte anos que, pela primeira vez na História do Brasil, inauguramos um regime politico sem golpe de Estado. E se isso aconteceu foi por que muito da convicção liberal que inspira a atual República fundada em 1985 esteve presente, na situação e oposição, no regime anterior, assumidamente autoritário, mas inequivocamente reformista. Nada disso é levado em conta hoje em dia. O termo usado nos comunicados dos grupos armados radicais dos anos 60 e 70 conquistou hoje o inconsciente da sociedade. Jamais se escreveu tanto sobre ditadura no País, seja de que regime fora, entre outros autoritários e o realmente ditatorial que vigorou entre 1937 e 1945. Basta fazer um levantamento nas edições dos jornais do país desde 1985 para constatar que o uso da expressão registrou um incremento correspondente ao empoderamento da esquerda revolucionária, exponencial nos últimos dez anos no Brasil. Político, portanto. Inventar a ditadura foi a única opção que restou a uma esquerda que não soube se reinventar. E como se tem visto nas comissões da "verdade" e no jornalismo chapa branca que as promove, é fácil reinventar continuamente a ditadura para não perder o poder. Convém sempre lembrar que as coisas não aconteceram assim nas sociedades mais desenvolvidas. As transformações sociais nos Estados Unidos e Europa desde o pós-Segunda Guerra Mundial foram fruto da expansão da educação, conhecimento e produtividade, e não de qualquer engenharia social. Foram essas transformações e não a alienação dos grupos terroristas e dos intelectuais engajados, que vicejaram lá tanto como aqui, que deram rumo às sociedades. Mesmo antes do colapso do comunismo, a esquerda que contava já se desmarxizava, colocando-se, programaticamente, no espectro politico. Não foi o que ocorreu por aqui. Fomos duplamente colonizados, ou melhor, recolonizados. Primeiramente pela esquerda intelectual parisiense que deitou raízes no pensamento brasileiro, e depois pela ideologia de gênero e de raça da Califórnia, um produto tardio da primeira, que encontrou no Brasil o campo ideal para aplicação de sua arte da desconstrução social e histórica. O irônico é que quanto mais nos atrasamos, mais antiamericanos nos tornamos – e agora, também, antieuropeus. O principal uso para a invenção da ditadura é politico. A vitimização que começou como chantagem virou coerção, e vem silenciando qualquer linha de pensamento para o enfrentamento das questões nacionais que não seja a marxista, ou revolucionária. Contribui para isso o menosprezo que a elite brasileira demonstra pelo conhecimento, acostumada a enxergá-lo somente como um subproduto acessório à sua riqueza e poder. Também a falta de um discurso dos liberais sobre a nação deixa-os vulneráveis à pecha de não patrióticos, que a esquerda nacionalisteira soube tão bem lhes impingir. Falha também quem se opõe ao projeto de poder da esquerda revolucionária insistindo em apenas rebatê-la, sem colocar ideias próprias e factíveis, colocando-se assim, de antemão, numa posição de inferioridade. Nesse sentido, são simplesmente patéticos os protestos de lideranças setoriais e politicas escandalizadas com os descalabros em curso, mas que não se empenham em qualquer processo de reflexão e debate sério sobre os rumos do País, deixando o campo livre para grupos articulados no poder central promoverem o desgoverno que se assiste. Não sabemos se prevalecerão os canalhas e moleques, não os miúdos, mas os graúdos. Isso está além de qualquer previsão ou vontade individual. Entretanto, para mudar as coisas no Brasil, um bom começo seria reconhecer que eles existem, têm poder, andam juntos e se reinventam. * Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador |
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