quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Mitomanias e democracia



Ari Cunha - Visto, Lido e Ouvido
Autor: Ari Cunha
Correio Braziliense - 30/01/2014
 
 Há controvérsias na afirmativa de que os mais sagazes, bem-sucedidos e criativos mentem melhor. Se eles são tão espertos, por que não conseguem lidar com as consequências da verdade?
Aí, sim! Haja inteligência! Estudos na Universidade de Utrecht, na Holanda, revelam que a insegurança emocional favorece as pessoas a diferenciar mentiras e verdades.
Esse é o problema do Brasil. Todos têm a receita. Daí, quando se mostra que o governo se utiliza de inverdades ou omissões para justificar ou desmenttir episódios comprovados, a audiência vê, ouve e não retém a informação. A briga é ferrenha. O caso é tão interessante que vamos tentar mostrar alguns eventos ocorridos que não despertaram maior atenção dos seguros emocionalmente.
 Um deles foi o caso Lina Vieira, funcionária de carreira da Receita Federal. Apesar de o técnico de informática Demetrius Felinto dizer que havia uma cópia do circuito interno de tevê do Palácio do Planalto, essa cópia desapareceu como que por encanto. Apesar de todas as anotações de descrições de Lina Vieira, ela foi desmentida pelo Planalto. O caso foi tão assombroso que, sentindo o peso da corda, o motorista terceirizado que atendeu Lina Vieira pediu demissão.

Outro caso foi o tráfico de influência na Casa Civil protagonizado por Erenice Guerra. Em 11 de setembro de 2010, estourou a bomba. Quase uma guerra. A MTA estaria sendo favorecida com negociações com os Correios. Dessa vez, a Justiça não ficou satisfeita com a fragilidade das provas. O inquérito foi arquivado no Tribunal Regional Federal pelo juiz da 10ª Vara Federal Vallisney de Souza Oliveira, que afirmou não haver prova contra Erenice. Em algum momento dessa história alguém mentiu.

Planilha, dossiê ou banco de dados são os nomes dados à busca de irregularidades no cartão corporativo usado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Ruth Cardoso. Passados três anos de investigação, o juiz Marcos Vinícius Bastos, da 12ª Vara Federal de Brasília, acatou os argumentos do Ministério Público Federal, que afirmava que na planilha de gastos dos tucanos com cartões corporativos não havia informações sigilosas. Alguém mentiu novamente.

No caso da reserva em Portugal contra a passagem imprevista, alguém está mentindo.
 E assim vamos nós brasileiros, passivamente, assistindo da arquibancada a mentiras daqui e de lá. O grande problema é que, para se tornar crível, a inverdade exige uma corrente de mentiras. Se vem do governo, pode adquirir dimensão de Estado e consequentemente atingir o cidadão emocionalmente inseguro, fazendo-o refletir melhor sobre o próprio país. Malabarismos financeiros, prestações de contas, lucros, inflação, ajudas externas, maquiagens em relatórios.

Haja insegurança emocional para desconfiar de tudo.

Omitir com a verdade também é arma que perde a bala em pouco tempo. Daí o perigo com personalidades enigmáticas que oscilam entre o que são realmente e o que querem parecer aos olhos dos outros.

Deram o nome de Comissão da Verdade para apurar os fatos da ditadura. Em 50 anos vão criar a Comissão da Mentira para apurar os fatos da democracia.

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