sábado, 22 de junho de 2013

Atos são maior mobilização sem líder da história brasileira, dizem analistas


Na quinta, 1,25 milhão protestaram nas ruas em mais de 100 cidades.
Especialistas ouvidos pelo G1 buscam explicações para manifestações.

Do G1, em São Paulo e no Rio
Os protestos que se espalharam por quase todos os estados do Brasil na quinta-feira (20) representaram a mais ampla e numerosa mobilização popular do país sem liderança definida e, de acordo com dois sociólogos, uma historiadora, um filósofo, dois antropólogos, um advogado e um juiz ouvidos pelo G1, ainda não é possível dizer qual rumo tomarão.
Com mais de 1,25 milhão de pessoas tomando as ruas de mais de 100 cidades, com 300 mil apenas no Rio de Janeiro, os atos comemoraram a redução da tarifa do transporte coletivo em cidades importantes e reivindicaram outras melhorias para o país, como o combate à corrupção e à repressão policial, investimentos na saúde e na educação e a redução de gastos com os grandes eventos esportivos, Copa e Olimpíada.
PONTOS LEVANTADOS PELOS ANALISTAS
1- Protestos se destacam pela falta de liderança e pela mobilização pela internet
2- Motivação é insatisfação difusa: contra injustiças, corrupção, serviços ruins e falta de representatividade de partidos e instituições
3- Governos demoraram para reagir, em alguns casos por não entender a motivação
4- Imagem do Brasil mudou para o mundo
5- Tolerância à violência policial diminuiu
6- Pauta inicial era mais à esquerda e depois incluiu reinvidicações da direita
7- Não é possível prever efeitos a longo prazo
Para os especialistas, ainda é cedo para prever as consequências de longo prazo dos atos de quinta. Mas, segundo eles, um caráter inédito dessa mobilização popular é a insatisfação geral dos brasileiros com as instituições que os representam e com os partidos políticos que as comandam.
Segundo Márlon Reis, juiz de direito no Maranhão, cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o Brasil mudou nesta semana. "Já tem algo inédito que é a ida às ruas sem a liderança de instituições constituídas. Historicamente, foram os partidos que sempre conseguiram levar pessoas às ruas."
A antropóloga Yvonne Maggie, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colunista do G1, afirmou que "o Brasil se transformou em uma espécie de motim. É protesto, mas num estilo sem liderança, numa visão até romântica. As manifestações partem de grupos variados, com várias estratégias”.
As bandeiras e a participação individual, com rejeição a qualquer tipo de liderança, chamaram a atenção de Yvonne. “Era cada cartaz um post, cada post um indivíduo. Mas o que mais me impressionou foi a consciência de que todas as pessoas que estavam lá estão tendo a força do povo revoltado, eles não querem liderança.”
Segundo a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo (USP), em termos de quantidade de pessoas na rua aglomeradas, o movimento maior do Brasil ainda é o das Diretas Já, quando um comício reuniu um milhão de pessoas apenas no Anhangabaú, em São Paulo. Porém, ela afirma que o movimento atual é novo no sentido de como se organiza. "O chamado se faz pela internet e as pessoas aceitam o chamado pela internet e entram no movimento."
Enquanto governos calculavam prejuízos, manifestantes avaliavam os protestos e familiares enterravam os dois mortos dos atos de quinta, em Ribeirão Preto (SP) e Belém, novos protestos continuavam a eclodir nesta sexta-feira (21). Para Frederico Almeida, coordenador do curso de direito da FGV, pode-se falar em dois movimentos: o primeiro, motivado pelas tarifas, e um segundo momento, em que mais pessoas aderiram motivados por uma insatisfação geral, principalmente após a repressão da polícia. "O que estamos vendo hoje é uma mistura de algum resquício de um movimento pela tarifa, que em algumas cidades ainda não se resolveu, com um movimento de insatisfação geral."
Para Claudio Couto, sociólogo e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os episódios registrados nas ruas têm deixado analistas e a classe política confusos e perplexos, o que, na avaliação dele, fez com que a presidente Dilma Rousseff não viesse a público na quinta e deixasse seu pronunciamento apenas para esta sexta. "Está todo mundo muito perdido, imagino que ela também esteja. Daí decorre que ela precisa vir a público sabendo o que dizer. Se ela erra o tom do que diz pode gerar mais ruído ainda. Eu interpretaria esse silêncio de uma dificuldade de definir exatamente o que deve ser dito a partir de agora", disse Couto, na tarde desta sexta, antes de o pronunciamento de Dilma ir ao ar.
Vitórias dos manifestantes
Demanda inspiradora dos atos, a redução da tarifa do transporte público foi atendida após duas semanas de protestos e confrontos nas ruas por prefeitos e governadores de São Paulo, Rio de Janeiro e mais de dez cidades. A persistente pressão popular fez com que o discurso dos governantes mudasse. Fernando Haddad e Eduardo Paes, prefeitos de São Paulo e Rio, e Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral, governadores dos dois estados, que no início do mês descartavam qualquer revogação do reajuste, sob pretextos de que eles eram tecnicamente impossíveis, recuaram na noite de quarta-feira (19) e atenderam à demanda.
O engenheiro civil Lúcio Gregori, que foi secretário municipal de Transporte de São Paulo na gestão da ex-prefeita Luiza Erundina, a recapitulação das prefeituras mostra que não só a redução era possível. "Isso é tudo um pouco de catimba, como a gente chama no futebol", afirmou ele.
"Admitindo que todas as contas de cálculo tarifário estejam certas, então isso é questão de remanejamento de verbas, coisa corriqueira numa administração pública. A Prefeitura de São Paulo tem manobra orçamentária, pode remanejar até 15% da verba. Não pode tirar de coisas importantes, mas pode tirar, por exemplo, da verba publicitária. O que não precisa é ameaçar como se fosse uma punição."
Em meio às manifestações, outros governantes decidiram dar mais ouvido às demandas relacionadas ao transporte e a outras áreas sociais. Em Macapá e Belém, prefeitos aceitaram receber líderes dos protestos para falar sobre as tarifas. Na capital do Amapá, além da passagem congelada até 2014, o prefeito prometeu um estudo para implantar uma linha de ônibus 24 horas, implantação do bilhete único até o fim do ano, aumentar a frota de ônibus e construir três terminais.
Em São Paulo, nesta sexta-feira o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou o financiamento de R$ 2,3 bilhões para a expansão do metrô. No Paraná, o governador Beto Richa desautorizou o reajuste de 14,61% na conta de luz. No governo federal, o Ministério da Saúde encaminhou ao Congresso, em caráter de urgência, um projeto de lei que perdoa as dívidas tributárias das Santas Casas com a União.
Alagoas anunciou redução de IPVA para ônibus e ICMS sobre o combustível para que as empresas mantenham os preços.Em Campo Grande, a Câmara suspendeu o café da manhã reforçado polêmico que era oferecido aos vereadores. E, a exemplo da capital paulista, em Maringá (PR) deverá ser criada uma CPI do transporte coletivo. Apesar das manifestações, não houve mudanças em alguns estados como Bahia, Ceará, Roraima, Rondônia, Piauí e Maranhão.
Para Frederico Almeida, da FGV, a meta do Movimento Passe Livre (MPL) foi atingida porque o grupo desenvolveu uma pauta, constituiu um interlocutor e trabalhou para conseguir o que queria. Agora, as demais reivindicações são genéricas, superficiais e não há uma liderança definida para, por exemplo, definir a meta de quem é contra a corrupção e responder a essas pessoas. "Há dois riscos desse tipo de movimento mais difuso. Um é ele se esvaziar porque na verdade é uma conversa de muita gente falando ao mesmo tem sem um interlocutor definido. O segundo é isso se acirrar como uma incapacidade de diálogo das manifestações com o sistema político. Se de repente cria um descolamento total desse sistema com o povo que está na rua, a gente corre um risco de perder a nossa democracia.”
A violência da Polícia Militar
Os especialistas afirmam que parte da motivação das centenas de milhares de pessoas que decidiram aderir aos movimentos foram as imagens da força excessiva aplicada pela Polícia Militar de São Paulo para dispersar o ato do dia 13 de junho, que deixou dezenas de feridos, inclusive mais de dez jornalistas. Após esse protesto, as balas de borracha foram proibidas nas manifestações populares. Nas manifestações da última quinta, pelo menos oito cidades tiveram confrontos com a polícia que deixaram mais de 200 feridos. Nesta sexta, a postura policial virou alvo de escrutínio em cidades como Porto Alegre e Salvador.
"A polícia agiu massacrando manifestantes pacíficos e atuando de forma indiscriminada", avaliou Claudio Couto, da FGV. "Isso gerou uma reação que resultou na manifestação de segunda-feira que propiciou o engrossamento do movimento –o que, a princípio, foi uma grande vitória."
Professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), Marco Aurelio Santana afirma que a postura do Estado está sendo questionada, pela forma pouco preparada ou violenta como age.

"Temos de estar todos preocupados. Eles querem tirar pessoas da mobilização social, isso é um problema para todos porque é a liberdade que está em jogo. A manifestação tem sido um cartaz contra o aborto, outro pró-aborto. É preciso entender também que não há democracia sem essas instituições, se não pode haver uma crise de proporções nunca vistas. Esse grupo mistura torcidas organizadas, skinheads, verdadeiras milícias fascistas. Quando você tira um, você tira todo mundo. Nem a polícia pode agir desta forma.”

A nova geração de protestos
Ricardo Monteagudo, professor de filosofia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília, chamou a atenção para o papel da internet e das redes sociais nos protestos.
"Todo mundo foi pego de surpresa: os organizadores, os líderes políticos, a população em geral. A impressão que dá é que não conseguíamos mensurar certa insatisfação espalhada no ar e que emergiu de uma hora para outra.”
As múltiplas e individuais bandeiras também foram a novidade percebida pelo antropólogo inglês e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Peter Fry.
“O interessante é que cada um coloca suas próprias queixas naquilo que vê. É uma espécie de insatisfação generalizada, como muitos têm dito. Está tudo em cartazes amadores, escritos à mão”, diz.
“É uma explosão de insatisfação, sem liderança. Nunca vi neste país do futebol as pessoas abrirem mão da Copa a favor da educação e da saúde. As pessoas recusando pão e circo pelas coisas que acham mais importante”, explicou o antropólogo.
SOCIÓLOGO DIZ QUE MOBILIZAÇÃO E ATO DO RIO FORAM HISTÓRICOS

O ato que reuniu cerca de 300 mil pessoas na noite de quinta-feira (20), no Centro do Rio, vai ficar na história da cidade, segundo o sociólogo Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Primeiro por agregar participantes de todas as idades, raças, classes, credos e ideologias. Depois por ter conquistado uma de suas principais reivindicações. Mas, segundo o sociólogo, principalmente por demonstrar o peso que as redes sociais têm para o mundo tudo, inclusive o Rio de Janeiro.
“O Rio já foi palco de outras grandes mobilizações, como a promovida pelos royalties do petróleo. Mas esta foi de iniciativa dos jovens e não teve a participação de sindicatos, partidos políticos ou organismos de classe. E mostrou uma força muito grande, mesmo. O movimento, que teve como principal bandeira a redução das tarifas de ônibus, conquistou seu objetivo explícito.” Cano se disse impressionado com o grau de mobilização e organização obtido pelo ato. E destacou a tendência mundial de utilização das redes sociais para expressar a vontade da população.
“Antes era imprescindível a participação de partidos políticos, organismos como sindicatos, para atingir e atrair tantas pessoas. As pessoas sozinhas não tinham uma capacidade assim tão grande, não tinham essa organização. As redes sociais mudaram essa percepção e causaram um impacto nas pessoas. Elas agora percebem que têm como expressar suas opiniões, seus desejos, suas reivindicações. Elas têm o direito de se colocar diante dos fatos”, analisou Cano, dizendo que essa é uma tendência mundial, que começou no Egito e se alastrou por vários cantos do mundo.
Para o sociólogo, as depredações e violência são praticadas por grupos radicais, que querem colocar o movimento sob suspeição.
"São pessoas que escondem o rosto e aproveitam a multidão para cometer atos criminosos, coisas que não teriam coragem de fazer se estivessem sozinhas. São pessoas que querem desacreditar o movimento, que querem desmobilizar a opinião pública, que com atos lamentáveis deixam a população com medo, o que faz com que elas coloquem os objetivos do grupo sob suspeita", lamentou o sociólogo.
Marco Aurelio Santana, também da UFRJ, afirma, porém, que é preciso também repensar os limites de um movimento com muitas bandeiras, contraditórias, algumas que se anulam entre si.
"Minha preocupação hoje é com um foco de que há reação compreensível com o desgaste dos partidos, dos sindicatos, até clichê, quase óbvio. Minha preocupação é que esse sentimento tenha se tornado tão claro para grupos para se espancar filiados a alguns partidos."
A reação dos políticos
O protesto em Brasília reuniu cerca de 60 mil pessoas na quinta-feira e passou pelo Palácio do Planalto atrás da presidente Dilma Rousseff.
A mandatária, porém, deixou o local e sua única atitude pública foi convocar uma reunião com ministros para a manhã desta sexta-feira (21). Após o encontro, ela não deu declarações, mesmo após pedidos da população e dos parlamentares, e marcou um pronunciamento para a noite.
Para Claudio Couto, da FGV, "ela certamente não está ainda conseguindo saber o que dizer".
Além de Dilma, chefes do Executivo de diversas cidades e estados também tentam se adaptar ao novo tom de voz da população. Direta ou indiretamente ligadas aos protestos, alguns projetos de lei e decisões avançaram ou foram adiadas de acordo com as reivindicações das ruas. Uma das decisões do Congresso foi adiar a votação da PEC 37, antes agendada para a semana que vem. A proposta retira poder de investigação criminal do Ministério Público e é conhecida como "PEC da Impunidade". O projeto que flexibilizaria a Lei da Ficha Limpa também saiu da pauta.
Para o juiz Márlon Reis, essas duas decisões são efeito imediato dos movimentos, que também devem servir para que a reforma política seja fortalecida.
“Isso deve implicar em outras mudanças porque, se os líderes institucionais forem sábios, em vez de levar suas bandeiras pra dentro desses movimentos, de tentar encontrar interlocutores para se negociar, eles vão ter que ouvir o que estão dizendo. A postura dos líderes tem que ser de humildade. Essas vozes todas traduzem expressões do que pensa a maioria da sociedade”, afirma.
Segundo ele, esses movimentos são resultado do aumento da exclusão, de uma falência no sistema eleitoral e de representação.
“Os primeiros atos que ocuparam prédios públicos foram voltados ao parlamento, assembleias, Congresso Nacional. É muito simbólico isso. Gostaríamos de estar representados. E essa contínua falta de sermos ouvidos só aumenta a indignação”, afirma.
“Isso veio se acumulando. Teve a escolha do Feliciano, escândalos, CPI do Cachoeira que foi arquivada com um relatório lacônico. É uma tática de varrer lixo para debaixo do tapete. E tudo isso na verdade, é o contrário, isso vai gerando uma energia contida, que uma hora explode.”
Para Frederico Almeida, professor da FGV, os partidos e o sistema político precisam  se reinventar. "Eles têm que abrir canais para receber essas demandas e dar encaminhamento a elas. Cabe ao sistema político identificar essas pautas e promover uma agenda, uma discussão aberta. Agora é o momento que o sistema político tem que reagir. E tá demorando pra reagir.”
A visão do Brasil no mundo
A proporção que os protestos tomaram, e a violência com que eles foram reprimidos nos primeiros dias, também chamaram a atenção da imprensa internacional. Acostumado nos últimos tempos a figurar nos jornais do exterior com notícias da Copa das Confederações e dos preparativos para a Copa do Mundo e a Olimpíada de 2016, o Brasil entrou na lista de países com revoltas populares expressivas e ganhou protestos de apoio em dezenas de cidades estrangeiras.
Antropólogo inglês e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Peter Fry afirma que os protestos mudaram a visão que o mundo tem sobre as dificuldades que se enfrentam no país.
"Toda a propaganda do Brasil lá fora era no sentido oposto, de que tudo estava melhor e bem por aqui. Acho que deve ter mudado. Devem estar se perguntando como o Brasil vai se justificar."
Segundo ele, o resto do mundo deve ter ficado perplexo com os acontecimentos das últimas semanas. sobretudo porque o futebol também foi mencionado pelos cartazes.
"Acho que a frase que pede padrão Fifa para o país é genial, é genial pedir isso para educação e saúde. Porque tudo o que a Fifa pediu, o país começou a fazer. Mostra que é uma questão de vontade, que se quer pode fazer."
Para Maria Aparecida de Aquino, professora da USP, a repercussão internacional foi a altura do movimento.
"Ela demonstrou o que é que o movimento tem de importante para a realidade nacional. Eles reagiram muito claramente dizendo ‘é um movimento significativo, as pessoas precisam estar atentas’. A reação internacional mostrou mais que a reação interna esse sentido de urgência que o movimento dá."
* Com reportagem de Alba Valéria Mendonça, Ana Carolina Moreno, André Schröder, Giovana Sanchez, Rosanne D'Agostino e Simone Cunha, do G1 em São Paulo

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