O
Estadão não tente me deixar triste! Seus editoriais integram quase
sempre a parte legível, e com méritos, do jornalismo diário impresso. E
não é tanta coisa assim! Por isso, quando erra, é o caso de a gente
lamentar. E errou feio na edição desta sexta ao aderir a uma prática que
não é comum naquelas páginas: a “opinião nem-nem”. A “opinião nem-nem” é
uma das doenças do nosso jornalismo. O sujeito quer dizer o que pensa,
mas ou pretende que ninguém se zangue ou prefere que todos se zanguem
para que não o tomem como partidário disso ou daquilo. Ora, quando se
opina com receio do julgamento ou do público ou de milícias, então já
não se é mais livre. Na era da patrulha, se a gente não tomar cuidado,
tem de ouvir os movimentos sociais, as ONGs e os “progressistas” até
para decidir se toma um Chicabon ou um Eskibon…
O jornal
deu ontem uma boa pancada na PEC aloprada do deputado petista que
submete decisões do Supremo ao Congresso e até a plebiscito. Acusou seu
óbvio viés autoritário e invasão de competências. Mas aí cometeu o
pecado de criticar também o ministro Gilmar Mendes, que teria exorbitado
da competência do STF ao conceder liminar a mandado de segurança contra
o projeto que limita a criação de novos partidos e concede a Dilma
Rousseff quase o monopólio do tempo de TV em 2014.
Foi um mau passo. Ouso dizer que o editorialista não leu a liminar concedida por Mendes.
Em
primeiro lugar, o Supremo detém o controle de constitucionalidade de
atos do Legislativo quando estes disserem respeito, como é o caso, a
bens protegidos pela Constituição. Assim, não há usurpação nenhuma. O
ministro cita longuíssima jurisprudência para demonstrar que “é
também firme o posicionamento desta Corte no sentido do cabimento de
mandado de segurança para ‘coibir atos praticados no processo de
aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam
com o processo legislativo constitucional”.
Cumpre
considerar que o Legislativo não tem competência para cassar
prerrogativas constitucionais do Supremo, mas o Supremo pode, sim,
coibir atos do Parlamento incompatíveis com a Constituição. “Ah, mas
caberia uma liminar?” Ora, cabe quando se percebe que uma aberração está
sendo praticada a toque de caixa, em regime de urgência, como se a
celeridade corrigisse os vícios de origem.
Mendes
acatou preliminarmente a argumentação do impetrante, o senador Rodrigo
Rollemberg (PSB-DF), segundo quem estava havendo abuso de poder
legislativo, verificado a partir dos seguintes aspectos :
“(1) tramitação de projeto de lei casuisticamente forjado para prejudicar destinatários certos e definidos na presente legislatura; (2) esvaziamento do direito fundamental à livre criação de novos partidos e do pluralismo político, nos termos em que definido pelo STF na decisão proferida na ADI 4430; (3) esmagamento e sufocamento de novos movimentos políticos; (4) quebra do princípio da igualdade entre partidos, ainda que permitida certa gradação de tratamento diferenciado; (5) discriminação indevida pela criação de parlamentares de primeira e de segunda categorias; (6) excepcionalidade do caso.”
“(1) tramitação de projeto de lei casuisticamente forjado para prejudicar destinatários certos e definidos na presente legislatura; (2) esvaziamento do direito fundamental à livre criação de novos partidos e do pluralismo político, nos termos em que definido pelo STF na decisão proferida na ADI 4430; (3) esmagamento e sufocamento de novos movimentos políticos; (4) quebra do princípio da igualdade entre partidos, ainda que permitida certa gradação de tratamento diferenciado; (5) discriminação indevida pela criação de parlamentares de primeira e de segunda categorias; (6) excepcionalidade do caso.”
Assim, que
houvesse urgência em estancar o processo, isso é inequívoco. Mas nada
disso, ainda, evidencia duas questões de fundo, dois pilares nos quais
se sustenta a liminar.
Quando o
Supremo julgou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que buscava
impedir que o PSD, recém-criado, tivesse acesso a mais verbas do Fundo
Partidário e a mais tempo de TV (correspondentes aos parlamentares que
migraram para a sigla), OS MINISTROS DO SUPREMO DERAM UMA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO E, POR UM PLACAR DE NOVE A DOIS, decidiram em favor do PSD e contra os impetrantes da ação.
Ora, uma interpretação CONFORME A CONSTITUIÇÃO do Supremo é, para todos os efeitos de direito, CONSTITUIÇÃO!
Ou o texto mudou daquela data até hoje? Por isso, esse mesmo Supremo já
decidiu que uma interpretação dessa natureza não pode ser alterada por
legislação ordinária. SERIA COMO TENTAR MUDAR A CONSTITUIÇÃO COM UM PROJETO DE LEI.
Reproduzo mais um trecho da liminar de clareza indubitável (em azul):
A
proibição do “troca-troca” partidário não representou, por óbvio, a
asfixia da liberdade de criação de partidos políticos, garantida pelo
art. 17 da Constituição Federal, tampouco a vedação do acesso de novos
partidos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda
eleitoral no rádio e na televisão, in verbis:
“Art. 17. É
livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,
resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o
pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humanas e
observados os seguintes preceitos:
(…)
§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”.
(…)
§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”.
Justamente
nesse contexto, o STF, ao interpretar os dispositivos transcritos, em
Sessão Plenária realizada em 29.6.2012, julgou a ADI 4.430, de relatoria
do Ministro Dias Toffoli, e concedeu interpretação conforme a
Constituição ao inciso II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/97, para
assegurar aos partidos novos, criados após a realização das últimas
eleições gerais para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso
proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral
gratuita no rádio e na televisão, considerada a representação dos
deputados federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais
foram eleitos para a nova legenda no momento de sua criação.
Essa
interpretação foi observada pelo sistema político nas últimas eleições
municipais e, portanto, abarcou os atores políticos aos quais foi
aplicada até o momento. O PLC 14/2013 perece afrontar diretamente a
interpretação constitucional veiculada pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento da ADI 4.430, Rel. Min. Dias Toffoli, a qual resultou de
gradual evolução da jurisprudência da Corte, conforme demonstrado.
A
aprovação do projeto de lei em exame significará, assim, o tratamento
desigual de parlamentares e partidos políticos em uma mesma legislatura.
Essa interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência
democrática, afigurando-se casuística e direcionada a atores políticos
específicos.
Voltei
Estava ou não em curso uma odienta discriminação, o que caracteriza a urgência em estancar o processo? Mais: o Supremo concedeu ou não o tempo e os recursos do fundo ao PSD com base numa interpretação conforme a Constituição? Tem ou não o Supremo o controle de constitucionalidade dos atos do Legislativo? A gritaria contra a liminar é absolutamente improcedente. Pode-se até achar que o mandato pertence ao partido, não ao eleito. Mas então mudem a Constituição, e aí a gente volta a conversar.
Estava ou não em curso uma odienta discriminação, o que caracteriza a urgência em estancar o processo? Mais: o Supremo concedeu ou não o tempo e os recursos do fundo ao PSD com base numa interpretação conforme a Constituição? Tem ou não o Supremo o controle de constitucionalidade dos atos do Legislativo? A gritaria contra a liminar é absolutamente improcedente. Pode-se até achar que o mandato pertence ao partido, não ao eleito. Mas então mudem a Constituição, e aí a gente volta a conversar.
Erro
Assim, convido os críticos a ler a
liminar. É um erro gigantesco querer transformá-la em mera resposta à
emenda bolivariana do PT. Mendes suspendeu a tramitação do projeto com
base na Constituição e na jurisprudência do Supremo; os petistas fizeram
o seu projeto com base na experiência de neoditaduras
latino-americanas, todas ancoradas no Foro de São Paulo, que enxerga nos
respectivos Poderes Judiciários dos países do continente um entrave
àquilo que chama “revolução”.
Os
petistas estão querendo arrombar a porta do STF com a sua PEC; com a
liminar, Mendes apenas exercita os fundamentos do estado de direito.
Interessante, não é? Quando alguns larápios recorrem ao Supremo para não
ser obrigados a falar em CPI, nunca se viram petistas ou peemedebistas a
se queixar da interferência do Supremo em assuntos legislativos. Nem
poderiam. A lei garante que ninguém é obrigado a produzir prova contra
si mesmo.
É preciso
parar com essa bobagem de equiparar os dois atos, os dois documentos. O
destino da PEC petista é o lixo porque é uma agressão ao texto
constitucional. Já a liminar que suspendeu aquela estrovenga autoritária
— e que afronta a interpretação CONFORME A CONSTITUIÇÃO feita pelo
Supremo (o que quer dizer afronta à própria Constituição ) — apenas
resguarda direitos protegidos pela Carta Magna.
De resto, o
plenário do Supremo terá a chance de se manifestar. E, mais uma vez,
ficará entre a defesa da Constituição, preservando suas próprias
prerrogativas, e a desmoralização. Tomara que faça a coisa certa.
Convido o Estadão a considerar que a diferença existe entre a PEC do PT e
a liminar de Mendes é a que existe entre o estado de bagunça e o estado
de direito.
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