sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Envolvidos em incêndio dão versões contraditórias em depoimentos


Jornal Nacional teve acesso a depoimentos de sócios da boate Kiss.
Incêndio em Santa Maria deixou ao menos 230 mortos no domingo.

Do G1 RS

O sócio da Boate Kiss, o vocalista e o produtor da banda Gurizada Fandangueira deram versões contraditórias nos depoimentos à polícia sobre o incêndio que destruiu a casa noturna em Santa Maria (RS). O Jornal Nacional  teve acesso ao depoimento das testemunhas. (veja ao lado)
Já prestaram depoimento à polícia jovens que estavam no local no momento do incêndio, músicos e sócios da boate, entre eles Elissandro Spohr, conhecido como Kiko, que foi ouvido no domingo (27). Ele afirmou que a banda tocava na boate uma vez por mês, mas nunca tinha feito esse show pirotécnico e nunca havia pedido consentimento para que se fizesse esse tipo de apresentação.
Ainda de acordo com o depoimento de Spohr, o teto da boate seria de gesso, com uma camada de lã de vidro acima. No palco, havia uma primeira camada de esponja para isolamento acústico.
O advogado Jader Marques, que defende Spohr, afirmou que não tinha certeza sobre o uso de espuma. "Pode sim ter acontecido que o Kiko, com orientação desse engenheiro, ter adicionado elementos como espuma, parede, madeira, gesso em outros locais fora do projeto do Ministério Público e sem o conhecimento do Ministério Público. Pode isso ter acontecido? Sim, pode, pode ter acontecido."
Spohr também afirma que a lotação da boate era de 1.000 pessoas e que acredita que no momento do incêndio havia entre 600 e 700 pessoas. Segundo os bombeiros, a capacidade da danceteria era de 691 pessoas.
Sobre as saídas de emergência, o depoimento é confuso. Segundo Spohr, havia saídas de emergências que desembocavam na porta principal.
O produtor da banda, Luciano Augusto Bonilha Leão, confirmou à polícia que era o responsável pela aquisição dos fogos de artifício e contradiz a informação de que a banda nunca tinha usado fogos. No depoimento consta que ele havia deixado preparado nas laterais do palco dois fogos gelados, que é uma espécie de fogo de artifício sem queima. O espetáculo teria começado por volta de 2h, com o acionamento desses materiais. Por volta de 2h45, por sensor, o produtor teria acionado outro tipo de fogo, também gelado, na mão de Marcelo.
De acordo com o depoimento, o produtor conta que percebeu fogo no teto três minutos depois. Ele declara ainda que não tinham autorização para o uso dos fogos e não sabiam que isso era necessário.
O vocalista da banda, Marcelo de Jesus dos Santos, foi preso junto com outras três pessoas na segunda-feira (28). No depoimento, ele afirma que não sabe qual foi a origem do incêndio, mas reforçou a versão de que os donos da boate sabiam do uso de fogos lá dentro.
De acordo com Marcelo, o percussionista da banda foi quem avisou que havia uma pequena bola de fogo no teto. O músico afirma ainda que recebeu um extintor de um segurança e que tirou o lacre do aparelho e, sem  seguida, percebeu que a válvula indicava que o extintor estava vazio. Ele teria tentado apertar o gatilho várias vezes, mas nada saía do extintor.
Ainda de acordo com o Marcelo, em um determinado momento do show, o produtor lhe colocou uma luva na mão esquerda, com uma vela de aniversário, de onde sai faísca. Segundo o vocalista, entre seu braço levantado com a vela e o teto há um distância de no mínimo dois metros, sendo que a chama da vela não chega a cinquenta centímetros. O vocalista marcelo afirmou que a banda faz esse procedimento em quase todos os shows e que já havia feito esse tipo de apresentação na própria Boate Kiss com autorização dos proprietários.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.
O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.
Responsabilidades
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.
A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".
A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.
O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 235 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio não funcionou.
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso para a rua.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido.
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas fatais tiveram asfixia mecânica.
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.
(Veja o que já se sabe e as perguntas a responder)

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