quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Pelo menos 5 boates funcionam sob júdice em Porto Alegre, diz prefeitura


Bar Opinião opera 'por decisão judicial', segundo listagem.
Outros 46 estão regularizados e 24, em processo de regularização.

Jessica Mello Do G1 RS

Reunião da prefeitura com secretarias sobre bares e restaurantes (Foto: Ricardo Giusti/PMPA)Reunião da prefeitura com secretarias sobre bares
e restaurantes (Foto: Ricardo Giusti/PMPA)
A prefeitura de Porto Alegre divulgou, no final da tarde desta quarta-feira (30), uma lista com a situação de todas as casas noturnas da capital do Rio Grande do Sul quanto a sua regularização municipal. Dos 76 estabelecimentos que funcionam na cidade, cinco estão trabalhando sob júdice. São eles Cabaret Voltaire (Cabaret Independência), Café Quintino (Café Moinhos), Sttutgart, Cabo Horn (Divina Comedia) e Strike 410. Já o Bar Opinião funciona "por decisão judicial", segundo a listagem. Outros 46 estão regularizados e 24 ainda passam por processo de regularização.
Nesta terça-feira (29), a prefeitura iniciou uma força-tarefa para uma fiscalização mais intensa das casas noturnas de Porto Alegre. Inicialmente, foram visitadas as boates Nega Frida, na Cidade Baixa, e Casa Blanca, no Centro. Nesta quarta, foi realizada uma reunião do prefeito José Fortunati com diversos secretários para analisar as normas de segurança e de funcionamento exigidas para esses locais.
Em contato com o G1, proprietários e advogados das boates esclareceram suas situações. Segundo os responsáveis, não há nenhum problema com relação aos Planos de Prevenção e Proteção contra Incêndio e com os alvarás de funcionamento.
No Café Moinhos, houve uma mudança na legislação municipal que instituiu a chamada "casa noturna". Com isso, segundo o proprietário Darcinei Rodrigues, o estabelecimento deixou de estar regular, pois, "mesmo estando apto a trabalhar, não possuía um alvará específico com a palavra 'casa noturna'". Dessa forma, foi solicitada a liminar, aprovada pelo juíz responsável, que autoriza o local a funcionar.
Na Stuttgart, o que existe é uma demora no procedimento para obtenção do alvará. Conforme o advogado Carlos Freitas, a casa realiza todos as medidas solicitadas pela prefeitura há cerca de uma década, mas mudanças em legislações acabam atrasando o processo, já que é preciso adequar-se a novas normas. Ainda segundo o advogado, cada vistoria solicitada demora de seis a sete meses para ocorrer. Há dois meses foi solicitada uma nova, que ainda não ocorreu.
No Strike 410, estabelecimento do mesmo dono da Stuttgart, o que existiu foi uma rejeição do projeto acústico pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) há cerca de um ano. Conforme o advogado Carlos Freitas, a casa iniciou o projeto de adaptação e reforma da casa, bloqueando, inclusive, um setor do andar superior para evitar o vazamento de som, mas a prefeitura interditou o local antes da renovação do novo projeto. Com isso, entraram na Justiça com um pedido de liminar, já que o processo estava em andamento, o que foi aceito pelo juiz responsável pelo caso.
Força-tarefa da Smic fará fiscalização de casas noturnas de Porto Alegre (Foto: Leonardo Ferreira/RBS TV)Força-tarefa da Smic fará fiscalização de casas noturnas de Porto Alegre (Foto: Leonardo Ferreira/RBS TV)
No Divina Comédia o que também existe é uma demora no procedimento para obtenção do alvará. Segundo o proprietário Marcelo Corrêa, a casa está com o processo tramitando há três anos e, no momento, aguarda o Habite-se junto à Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov), já tendo Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio e Estudo de Viabilidade Urbanística. A liminar foi adquirida na justiça há cerca de um ano e meio como forma de "precaução", de acordo com o proprietário, para que a boate possa funcionar enquanto o processo segue tramitando.
No Cabaret Independência, o que existe é uma ausência de licença ambiental, que já tramita na justiça há quatro anos. Conforme o Relações Públicas e Produtor Executivo da casa, Felipe Martil, em 2008, foram estabelecidos novos itens de fiscalização ambiental e, desde então, existe o processo para que o Cabaret consiga a licença. Em 2012, a Smic e a Smov entenderam que a boate deveria ser fechada por essa falta e os responsáveis pelo estabelecimento entraram com um pedido de liminar para o funcionamento, concedido pelo juíz do caso, ainda segundo Martil.
Já o Opinião divulgou uma nota oficial esclarecendo que não existe uma liminar na justiça (o que foi inicialmente divulgado). O que tramita é uma sentença de primeiro grau referente a uma obra de expansão dos banheiros da casa, de 1998. Na época, o que teria provocado o impasse foi uma mudança no plano diretor de Porto Alegre. A nota ainda afirma que "hoje não há nenhuma pendência que possa afetar o normal funcionamento da casa", tendo todos os alvarás de funcionamento e documentações regularizadas junto aos órgãos responsáveis.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 235 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:
- O vocalista da banda Gurizada Fandangueira segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos no palco durante apresentações do grupo musical.
- A banda comprou um modelo de sinalizador proibido para ambientes fechados.
- Pelo menos um extintor de incêndio não funcionou ao ser manipulado pelo segurança.
- Havia mais público do que a capacidade de 691 lugares apontada pelos Bombeiros.
- A boate tinha apenas um acesso, para entrada e saída, sem saídas de emergência.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido desde 10 de agosto de 2012.
- Mais de 180 corpos de frequentadores foram retirados dos banheiros da casa noturna.
- Cerca de 90% das vítimas fatais tiveram como causa da morte asfixia mecânica.
- Os equipamentos de gravação de imagens estavam em uma empresa de manutenção.
(Veja o que já se sabe e as perguntas a responder)
Prisões
Quatro pessoa foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.
O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.
Responsabilidades
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.
A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".
A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.
O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.

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