Perito da Polícia Cientifica do Paraná catalogou mil tatuagens de presos.
Desenho está ligado ao delito cometido e estabelece hierarquia do crime.
É uma relação de poder, estipulada a partir da tatuagem, que cria uma hierarquia para saber quem manda e quem obedece, inclusive, fora da cadeia. “A coisa funciona assim: ninguém numa cadeia pode ser mais do que é. Ao contrário da nossa sociedade que a pessoa compra um carro zero e mora em uma meia-água. Se você modificar escondido essa tatuagem e eles descobrirem, é capaz de arranquem com bisturi, com gilete, com estilete, se não te matarem”, diz Werzbitzki.
Werzbitzik tem cerca de mil tatuagens catalogadas, incluindo variações. Este levantamento de uma década se transformou no livro “Linguagem de Cadeia”, que deve ser lançado em Curitiba março. Este trabalho tem como intuito auxiliar o departamento de inteligência da polícia.
“Para a inteligência da polícia é muito importante conhecer esta linguagem para se antecipar a um crime, porque esta linguagem nunca vai acabar. O que pode acontecer é modificar o significado, até para que a polícia não entenda. Mas, no final a gente descobre, sempre tem alguém que fala”, contou o perito.
Em
10 anos, Jorge Luíz Werzbitzki catalogou mil tatuagens de preso e vai
lançar um livro sobre o assunto (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)
Normalmente, conforme apontou Werzbitziki, quem está no topo desta
pirâmide é homicida, chefe de quadrilha ou traficante. “Geralmente é o
crime organizado quem manda e quem pertence ao crime organizado tem
homicídio nas costas, tráfico de drogas. Então, são pessoas ‘barra
pesada’, como eles dizem lá dentro”.
O preso que é cadeia, que tem a vida no crime, ele vai portar a tatuagem com orgulho "
Jorge Luíz Werzbitzki, perito
As tatuagens são feitas com tinta esferográfica, nanquim, tinta de parede, tinta a óleo, e até mesmo com a tinta de sacolas plásticas. “Eles derretem sacolas plásticas para tirar a tinta e com a mesma agulha todo mundo se pica. Inclusive, pode até disseminar doenças”, explicou. Ele disse ainda que normalmente os detentos utilizam agulhas de botão, molham na tinta e vão desenhando na pele do outro presidiário. “São milhares de picadas, deve ser uma dor muito grande. Para fixar essa tinta eu sei que eles dão chineladas no local também”.
Werzbitzki destacou que não é possível os agentes penitenciários controlarem toda a população carcerária a todo o momento. E são nessas ocasiões que, muitas vezes, as tatuagens são feitas. Especialmente nos criminosos condenados por estupro e pedofilia, que são crimes não tolerados na cadeia. De acordo com o perito, quem comete este tipo de delito não quer ser marcado, porém, eles são pegos a força. “Os presos também têm filhos, têm mulheres fora da cadeia. Então, é o tipo de crime que eles não aceitam”, complementou.
Uma das tatuagens que definem o crime de
estupro é a imagem da Nossa Senhora, em
tamanho grande nas costas
(Foto: Reprodução/ livro Linguagem de Cadeia)
Seis tipos de tatuagem podem identificar um estuprador: coração com uma
flecha, borboleta, a imagem da Nossa Senhora Aparecida – em tamanho
grande nas costas, sereia e São Sebastião tatuados na coxa e também
pontos azuis ou pretos. “Dois pontos na mão, um ponto no rosto ou vários
pontos no rosto ou ainda um ponto nas costas também é estupro”,
acrescentou o perito.estupro é a imagem da Nossa Senhora, em
tamanho grande nas costas
(Foto: Reprodução/ livro Linguagem de Cadeia)
Assim como estuprador e pedófilo, os traidores, aqueles que colaboram com a polícia, também são tatuados a força. Neste caso, eles são marcados no braço com o desenho de uma serpente ou uma serpente enrolada na faca. “Ele é um dedo-duro dentro do sistema carcerário, então, é um preso que precisa ser muito bem cuidado porque ele pode ser morto de uma hora para a outra. Então, por colaborar com a polícia, é lógico que está sempre correndo risco de morte”. Segundo dados da Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado do Paraná, em 2012, quatro presos foram mortos dentro do sistema carcerário do estado e outras quatro mortes foram consideradas suicídio.
Segundo Werzbitzki, aquele que tem a vida no mundo do crime porta com orgulho as tatuagens, até mesmo para se fixar na hierarquia. Já os que cometeram apenas um delito, são poupados. “Os presos que, na gíria deles, eles chamam de paraquedista, que cometeu um crime qualquer porque estava de cabeça quente, se arrependeu e quer cumprir a pena e tocar a vida dele apagando o passado, não se tatuam. Mas também não entram nem na pirâmide. Eles são rejeitados, eles não são do crime. Então, não têm voz dentro da cadeia. Para você ter voz dentro da cadeia, você tem que ter uma tatuagem”, disse.
O perito tem, entre variações, mil tatuagens
catalogadas (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)
O mundo do crime tem a própria linguagem, que vai além das tatuagens.
De acordo com o perito, os presos também se comunicam, por exemplo,
usando isqueiros. Se o isqueiro é acionado uma vez, corresponde à letra
“A”, duas, letra “B” e assim por diante. A mesma estratégia é usada ao
abanar camisetas nas janelas dos presídios.catalogadas (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)
Neste caso, para se comunicar com quem está fora da unidade prisional. Paralelo a isso, está a polícia que precisar ter conhecimento destas linguagens – que passam por constantes adaptações – para facilitar investigações e também para agir preventivamente.
Orientação
Werzbitzik já foi professor da Escola Superior de Polícia Civil do Estado do Paraná e enfatizou que os policiais são orientados a identificar essas tatuagens e também a diferenciá-las das feitas em estúdios. “Dá para diferenciar aquelas feitas em estúdio que são brilhantes e bonitas, das dos presos que normalmente são mal feitas e com o tempo até começam a desaparecer um pouco”.
A tatuagem de cinco pontos, no braço, indica que
a pessoa cometeu roubo
(Foto: Reprodução/ livro Linguagem de Cadeia)
O perito deseja que este estudo ultrapasse a área científica e chegue
até a população, para que as pessoas possam se precaver. Segundo ele, é
comum, por exemplo, assaltantes se aproximarem de empregadas domésticas,
com a desculpa de interesse para um relacionamento amoroso, para
conseguir informações sobre a casa e a rotina dos patrões.a pessoa cometeu roubo
(Foto: Reprodução/ livro Linguagem de Cadeia)
Os arrombadores costumam ter tatuados pássaros. Os criminosos que praticaram furto têm quatro pontos tatuados nas mãos ou no peito, já para os que praticam roubo, são cinco pontos. Os punguistas têm, normalmente, um ponto na mão. E vários pontos, em forma de cruz, indica que aquela pessoa já cometeu homicídio.
Werzbitzik fala do trabalho da Polícia Científica do Paraná com orgulho. “A Criminalística não é só um órgão para produzir a prova. Ela pode inocentar pessoas que estejam sendo acusadas injustamente. Por outro lado, ela também é um centro de pesquisa, por isso, que a gente faz esses trabalhos”, destacou o perito que está a poucos anos de aposentar.
Conheça outras tatuagens catalogadas pelo perito
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