Texto aprovado em 2009 não entrou em vigor no país por ação do Clarín.
Medida cautelar que expiraria no dia 7 de dezembro foi prorrogada.
O governo recorreu à Suprema Corte nesta sexta, e o impasse continuava.
O conglomerado espera que agora consiga ter sua causa devidamente julgada, num imbróglio que já teve juízes afastados e ameaças de impor a lei "a qualquer custo" - por parte do governo. Se não conseguir provar na Justiça que a lei é inconstitucional, o Clarín terá que se desfazer de boa parte de suas aquisições. O grupo tem, por exemplo, 237 licenças de TV por assinatura, quando o limite máximo estabelecido pela nova lei é de 24, e presta serviços desse tipo de TV a 58% da população, quando o máximo permitido de abrangência populacional é de 35%.
Mulher
passa em frente a cartazes a favor de greve geral contra medidas do
governo - com panfleto pró-Cristina Kirchner, em 20 de novembro (Foto:
Juan Mabromata/AFP)
A briga entre o governo e o Clarín ganhou proporções tão inesperadas, que ninguém na Argentina sabia, realmente, o que aconteceria no dia 7D - como o governo batizou a data que veneria a liminar.A ideia do governo, de acordo com Fraga, era "realizar uma mobilização popular em 10 de dezembro em apoio a aplicação do ofício da lei, mas as dúvidas sobre a capacidade de mobilizar fazem com que, possivelmente, seja suspensa, e se opte por festivais com cantores populares em diversas praças em apoio à postura do governo."
Na televisão, propagandas foram veiculadas de ambos os lados: o governo dizia em um vídeo de pouco mais de 4 minutos que o Clarín tem "uma verdadeira cadeia nacional ilegal" e que "se nega a apresentar um plano de adequação e se nega a cumprir com a lei", ignorando "os três poderes da democracia" (veja o vídeo, em espanhol).
Trechos
de vídeo de propaganda do governo argentino enfatiza a necessidade de
que seja cumprida a lei no 7D (Foto: Reprodução/YouTube)
Já o Clarín, com o slogan: "independente do governo, não de você",
exibia novos vídeos semanais relembrando a história do grupo e
criticando a lei de diversas maneiras. Um dos vídeos dizia que no 7 de
dezembro "não vai acontecer nada" nem de forma jurídica nem de forma
prática com os meios do grupo e questiona o que o governo busca com o
relato oficial: "Preparar o terreno para outra coisa? Terminar com o
Estado de direito na Argentina?" (veja o vídeo, em espanhol).Perseguição?
Há ainda acusações de que haveria uma "perseguição" do governo para que o Clarín se adeque à lei. Em declarações recentes, o presidente da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), entidade criada pela Lei de Meios para controlar e implantar a lei, afirmou que a empresa espanhola Telefônica não tem vínculo societário com o canal de televisão Telefe. Pela Lei de Meios, é proibido que acionistas de mais de 10% de empresas de serviços públicos tenham licenças de rádios, canais de TV ou cabo.
"Para a Afsca, o dono da licença é a Telefe, e esta empresa não tem vínculo com a Telefônica da Argentina. São duas empresas diferentes", disse Martín Sabbatella em entrevista ao jornal "Página12". Acontece que, segundo o jornal 'Clarín', em seu último informe anual, a própria Telefônica diz ser dona da Telefe.
Segundo o professor de ciência política da Universidade de Buenos Aires Martín D'Alessandro, a Lei de Meios teve e tem como objetivo central "desarmar economicamente" o Clarín. "Motivada pela briga com o Clarín, a Lei de Meios foi redigida de maneira apressada e aprovada rapidamente no Congresso, com muito pouca deliberação e com imperdoáveis irregularidades procedimentais. Apesar de introduzir algumas melhoras, não contempla os temas vinculados à internet e deixa a porta aberta para que o governo possa supervisionar os conteúdos de jornais e notícias em geral. No entanto, esses problemas passaram quase inadvertidos por um problema maior: a obsessão com o Clarín, que levou à parcialidade de sua aplicação."
Já outros analistas políticos, como o também argentino Matías Artese, avaliam que o problema é que o Clarín não quer seguir a lei. "O diário 'Clarín' não é o centro de nenhuma luta com o governo. Pelo contrário. Este meio massivo de informação é que faz uma afronta ao governo por não querer se adequar à lei. Isso se pode notar pela manipulação constante diária que exerce esse meio, que como qualquer empresa privada dentro do sistema capitalista, tem interesses lucrativos antes que éticos ou morais. O que demonstra, desde já, que na Argentina existe a mais plena liberdade de imprensa e de expressão."
Trecho
de vídeo em que o grupo Clarín diz que, apesar de o governo alardear a
data, não deve acontecer nada no dia 7 (Foto: Reprodução/YouTube)
Clarín x Kirchner: como tudo começouAs desavenças entre o governo e o grupo Clarín não começaram por causa da Lei de Meios. Segundo especialistas ouvidos pelo G1,
antes de 2008, o relacionamento do grupo com o governo de Néstor
Kirchner, ex-presidente e marido de Cristina morto em 2010, era cordial.
Há quem diga que o afastamento começou com a crise do campo em 2008,
quando o governo se indispôs com corporações agropecuárias por ter
proposto um aumento excessivo de impostos para exportações agrícolas - e
o Clarín teria feito, na opinião oficialista, uma cobertura que não
agradou o kirchnerismo."O modo de se posicionar dos grandes meios de comunicação, entre os quais o Clarín, se destaca por sua enorme capacidade informativa fez o governo, que até então não havia enfrentado o Clarín, a tomar consciência da necessidade de se reformar a lei de radiodifusão, sancionada na ditadura e modificada várias vezes para permitir a concentração monopólica", explica o sociólogo Matías Landau, autor de “Política e participação cidadã na Cidade Autônoma de Buenos Aires” (inédito em português).
Segundo ele, mesmo antes de o kirchnerismo ter a reforma da lei como objetivo, ocorreram, desde 2004, encontros de diversos setores da sociedade civil que desenvolveram um pré-projeto de lei. "Foi esse grupo que levou o projeto ao governo, que o tornou seu e o apresentou ao Congresso", disse Landau ao G1.
A derrota do kirchnerismo nas eleições legislativas de 2009 também parece ter sido colocada, pelo governo, na conta do Clarín. "Os Kirchner assumiram que o papel de meios em geral e do grupo Clarín em particular havia sido fundamental para sua derrota [nas eleições]", disse o pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, o argentino Gerardo Scherlis. Segundo ele, foi a partir daí que o governo apareceu com o discurso da democratização da informação. "Hoje está muito claro que não é a democratização da informação o que o governo busca, mas sim liquidar o principal grupo midiático independente do governo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário