Sorriso produz 9% de toda a soja do estado, segundo o Imea.
Agropecuária sofre, mas preço mantém produto rentável no estado.
Produtor Valdecir de Rossi (esq.) e o irmão na lavoura em Sorriso (Foto: Arquivo pessoal)
Empresária do setor imobiliário, Neiva Dalla Valle fechou, na semana passada, a venda de um imóvel no valor de R$ 1,2 milhão. Em troca do bem, o comprador comprometeu-se em dar de entrada 10 mil sacas de soja e dividir pouco mais de 22 mil sacas entre os anos de 2013 e 2014.O negócio fechado por Neiva não é incomum. Há pelo menos duas décadas, a soja tornou-se moeda de troca no comércio de Sorriso, município que mais produz o grão em Mato Grosso, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). Com sacas de soja é possível comprar imóveis, veículos, materiais para construção ou até mesmo insumos necessários para o plantio da próxima safra.
Sorriso se beneficia de uma cultura que mantém bom desempenho financeiro mesmo em meio à retração da agricultura brasileira no primeiro trimestre deste ano – segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (1º), a agropecuária teve queda de 7,3% nos primeiros três meses do ano, na comparação com o último trimestre de 2011.
Segundo o Ministério da Agricultura, no entanto, a receita das exportações do complexo soja somaram US$ 4,83 bilhões nos primeiros três meses do ano, uma alta de 52,6% frente ao mesmo período de 2011. Apesar da expectativa de queda de 11,4% na safra deste ano, o preço da saca teve forte alta: no final de 2011, a saca de 60 quilos da soja de Sorriso era vendida, em média, por cerca de R$ 37. Ao final de março, já estava em R$ 45, movimentando a ecoomia da região, onde o PIB per capita chegava a quase R$ 39 mil em 2009 (último dado disponível).
Negociação
Além de programar o pagamento das parcelas dos bens com base na colheita da safra, usando os grãos ou o dinheiro obtido com a venda da produção, os agricultores também têm a opção negociar a compra de imóveis e veículos em troca do grão através de empresas credenciadas que pagam antecipadamente pela produção.
"Estou há 20 anos fazendo negócios na região, principalmente em cidades que giram em torno da agricultura. Para o agricultor, usar a soja se torna uma vantagem, pois ele sabe como é a moeda dele. Sabe o custo que é para plantar", destacou Neiva.
Empresária Neiva Valle, de Sorriso
(Foto: Arquivo pessoal)
Na imobiliária, explica Neiva, 70% de todos os imóveis comercializados têm o pagamento feito com a oleaginosa. "O produtor sabe quantas sacas podem ser separadas para se comprar bens. É por isso que a cidade cresce e cada vez mais rapidamente", observa.(Foto: Arquivo pessoal)
O empresário Plínio Edimar Ficagna, responsável por uma revenda de veículos, também aceita pagamentos em soja. Por mês, são vendidos de 20 a 25 automóveis. Deste total, de 15% a 20% são fechados usando a soja. Mas o representante lembra que existem critérios a ser fixados antes das vendas para garantir a segurança no pós-venda. "Hoje, 90% da nossa economia são baseados na agricultura e todo negócio é feito desta maneira", diz.
Soja garante patrimônio
Valdecir de Rossi e Laércio Pedro Lenz também são exemplos de produtores que a partir da agricultura construíram suas vidas no município, ao lado da família. Ambos resolveram, com as respectivas famílias, trocar o Sul do Brasil por Mato Grosso há cerca de 30 anos.
O sustento da família de Rossi vem do cultivo de soja, milho e feijão em cima de 9 mil hectares. O produtor também já efetuou negócios com a soja como moeda. No ano passado, adquiriu um imóvel na cidade. "Na época que fechei foi um bom negócio. Hoje falta uma só parcela para quitar", lembra Rossi.
Enquanto isso, Laércio Lenz, que planta 900 hectares com a soja, conta que há poucos anos precisou comprar uma nova área para cultivo de grãos. Dividiu o pagamento de 170 hectares em 400 sacas de soja por hectare em seis parcelas. "Já comprei até caminhão. Em alguns casos, o produtor compra também o pacote de insumos para a próxima safra", concluiu Lenz.
SorrisoSorriso e outras três cidades de Mato Grosso são responsáveis por 28,6% de toda a produção de soja no estado. Somente Sorriso, que tem sua economia totalmente voltada ao agronegócio, detém 9% da produção estadual de soja e na última safra colocou no mercado 1,94 milhão de toneladas, indicou o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária.
Sorriso (Foto: Leandro J. Nascimento/G1)
“Esta é uma forma de garantir o preço e, com a soja, é possível comprar terrenos, motos, casas, carros, máquinas”, disse ao G1 o presidente da Associação Comercial e Empresarial (Aces), Hilton Polesello. Tanto agricultores quanto empresários do município que frequentemente costumam realizar operações desta natureza garantem ser esta uma modalidade segura, apesar das oscilações de preço da commodity.O município tem 26 anos de emancipação política, mas como destaca Nelson Piccoli, produtor rural da cidade, há pelo menos 15 ganhou força a relação estabelecida com base na soja. Ele também já recorreu à prática e tem na agricultura a fonte de renda para sustento da família. Em 1989, quando se mudou para Sorriso, Piccoli lembra que não havia certezas quanto ao futuro da cultura na cidade.
"Na época, não se tinha certeza se a soja iria vingar. Foi de 15 anos para cá que a cultura se consolidou. Eu mesmo não tinha em mente que em pouco tempo estaria tão feliz como estou", conta o empresário , ao lembrar o patrimônio que construiu nestes anos residindo no interior do estado.
Influenciados pela hegemonia da soja, Piccoli e outros produtores rurais decidiram formar uma cooperativa. Juntos plantam 22,4 mil hectares de soja e com o produto conseguiram adquirir os materiais necessários para construir um espaço para armazenar a produção de grãos. A capacidade chega a 1,6 milhão de toneladas de saca. "A obra começou em 2006 e a estrutura necessária já temos. Usamos 80% da soja [produzida] para o pagamento", afirmou.
Campo de soja após colheita, em Sorriso
(Foto: Leandro J. Nascimento/G1)
População cresceNos últimos 10 anos a população de Sorriso cresceu 86% e superou a marca de 66 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sétimo município mais populoso de Mato Grosso, o fortalecimento da economia local atraiu mais empresas e também um número maior de moradores.(Foto: Leandro J. Nascimento/G1)
Empresas do ramo agropecuário também se instalaram na cidade e lá passaram a comprar a matéria-prima utilizada na alimentação de aves, suínos e peixes, barateando os custos de produção, explica Zilton Mariano, secretário de Indústria, Comércio e Turismo. “Hoje temos frigoríficos de suínos, peixes e frango. Quanto mais o agronegócio cresce, melhor fica para a cidade”, afirma.
Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas, diz que Sorriso cresceu a partir do agronegócio, a exemplo de outras do Brasil como Piracicaba, Uberlândia, Uberaba, Londrina, Maringá e muitas outras.
"A agricultura e pecuária exigem uma série de serviços de estrutura, logística, comunicação entre as cidades, insumos e equipamentos. Puxa a demanda por um processo industrial. Sem dúvida influencia o crescimento”, explica o especialista.
A influência do agronegócio na economia local também fez Sorriso alcançar o terceiro melhor índice Firjan de Mato Grosso, atrás de Lucas do Rio Verde e Primavera do Leste, municípios que também se destacam na produção de grãos. O indicador é da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro e leva em consideração indicadores como a qualidade de vida, renda, emprego, saúde e educação. O estudo divulgado ano passado mostrou que em Sorriso chega a 0,84 o índice.
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