Tal como Bolsonaro se elegeu aterrorizando o eleitorado com a visão de um novo mandato petista, Lula, que já se qualificou como “a alma mais honesta” do Brasil, conta com o pavor de um novo mandato bolsonarista para arrancar dele seus votos. Editorial do Estadão:
As
decisões judiciais favoráveis a Luiz Inácio Lula da Silva têm servido
ao seu partido não só para proclamar sua suposta inocência, mas
reinventar a sua imagem. Tripudiando da memória dos brasileiros, o PT
espera apagar seu passivo de incompetência, corrupção e negacionismo,
anunciando-se a solução para as agruras do presente, como se não fosse
um dos grandes responsáveis por muitas delas.
As
revisões judiciais revelam mais as falhas da Justiça que as virtudes de
Lula. Sua defesa contestou os vícios dos processos, não o seu mérito.
Nunca houve explicações convincentes para casos como os do sítio ou do
triplex. Se, com anos de atraso, a Suprema Corte declarou a suspeição do
juiz de primeira instância, anulando as acusações que agora prescrevem,
isso limpa a ficha eleitoral de Lula, mas sua ficha moral segue suja –
em dimensões que extrapolam o âmbito judicial.
Em
ininterrupta campanha eleitoral, o PT liberou recentemente uma peça de
propaganda comparando a gestão de Jair Bolsonaro à de Lula. Não é por
lapso de seus marqueteiros que as menções terminem em 2010. Assim como
Bolsonaro tenta se desvencilhar de sua responsabilidade pelo desastre
pandêmico, Lula tenta se desvencilhar da sua pelo desastre econômico que
foi a década perdida de 2010, talvez a de menor crescimento desde a
República Velha.
Após
a conciliação promissora, mesmo surpreendente, no primeiro mandato, com
a arquitetura econômica legada pelo governo FHC e a expansão de seus
programas sociais, a gestão Lula aproveitou o boom das commodities para
impulsionar o consumo, ampliar redes assistencialistas e injetar
esteroides nos “campeões nacionais”, negligenciando as condições para um
crescimento sustentável, como infraestrutura, produtividade e educação.
A
contabilidade criativa de Dilma Rousseff – o poste do qual Lula tenta
se desvencilhar – precipitou a economia no buraco do qual busca sair a
duras penas com mecanismos de saneamento fiscal como o teto de gastos
que Lula promete demolir. O negacionismo bolsonarista das ciências
médicas não é menos acintoso que o negacionismo lulopetista das ciências
econômicas.
Mas
o legado do PT não se limita à recessão: há o mensalão e o petrolão. O
partido, que há pouco acusava a Justiça de conspirar com as elites para
perseguir o “pai dos pobres”, agora louva a sua idoneidade. Mas se
“esquece” de que essa Justiça condenou seus correligionários por
roubalheira bilionária. Nunca houve explicação, muito menos retratação,
por tão volumosos malfeitos e tão celerados malfeitores. Ao contrário:
seguem consagrados como “guerreiros do povo brasileiro”.
É
fácil posar de moderado ante um delinquente político como Bolsonaro.
Mas, recentemente, aquele que se anuncia como a esperança da democracia
lamentou que o Brasil não tenha um partido com o mesmo “controle e poder
de comando” do regime totalitário chinês. Quando milhões de cubanos
foram às ruas, Lula acusou o bloqueio dos EUA – sem o qual Cuba seria
uma “Holanda” –, silenciando sobre a ditadura mais longeva e sangrenta
das Américas.
De
resto, também o bolsonarismo é de algum modo uma criatura lulopetista.
Em sua política belicosa do “nós contra eles”, tanto o PT acusou por
toda parte um fascismo imaginário que o fascismo real se materializou.
Ninguém duvida que a onda de votos que elegeu Bolsonaro foi motivada
muito menos pelo entusiasmo por seus inexistentes programas de governo
do que pela aversão a um quinto mandato petista. Seria irônico, não
fosse trágico, que agora a criatura sirva de álibi para ressuscitar seu
criador.
Não
se pode nem sequer dizer que, ante a ameaça Bolsonaro, o PT queira uma
anistia por sua incompetência, seus escândalos de corrupção, seu
vandalismo sobre a moralidade pública, porque anistia pressupõe o
reconhecimento de culpa. No caso do PT, como no inferno de Sartre, os
culpados são sempre os outros.
Tal
como Bolsonaro se elegeu aterrorizando o eleitorado com a visão de um
novo mandato petista, Lula, que já se qualificou como “a alma mais
honesta” do Brasil, conta com o pavor de um novo mandato bolsonarista
para arrancar dele seus votos. Em troca, promete repetir
milimetricamente o que os governos lulopetistas já fizeram e que
pavimentou o caminho para o desastre econômico, político e moral no qual
o País está metido.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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