A mera convicção de que esses policiais agiram de forma criminosa não pode justificar a fabricação e divulgação, mal intencionada ou não, de provas contra a Polícia. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Imaginem a seguinte situação:
Na
guerra de narrativas criada em torno da operação policial no
Jacarezinho, que resultou em 28 mortes, um grupo de ativistas publica
nas redes sociais um vídeo mostrando uma execução realizada por homens
vestidos de preto, que matam a tiros uma pessoa deitada no chão. O grupo
afirma que se trata de policiais cometendo um assassinato a
sangue-frio, dentro de uma residência, durante a ação no Jacarezinho. É
uma acusação grave.
Imediatamente,
o Supremo Tribunal da Internet, sem apurar nem questionar a veracidade
do vídeo, assume que se trata de uma prova irrefutável do comportamento
criminoso dos policiais envolvidos na operação. As redes sociais entram
em polvorosa e se mobilizam para realizar mais um julgamento sumário,
sem qualquer direito a defesa ou contraditório, no qual a Polícia é
evidentemente condenada.
Ato
contínuo, milhares de militantes do “ódio do bem” compartilham o vídeo e
a acusação, submetendo a instituição policial ao linchamento habitual,
com as seguintes legendas: “Cenas fortes! Policiais invadem casa e
executam homem no chão durante chacina no Jacarezinho”; “Execução
filmada no Jacarezinho. Terrível”; “Foi assim no Rio de Janeiro, no
Jacarezinho… Execução fria, sumária e assassina!”; “Sabemos quem está
por trás... Nada como desviar a atenção da CPI da Covid-19!”
No
dia seguinte, vejam só, descobre-se que o vídeo não tinha nada a ver
com a operação no Jacarezinho. O que as imagens mostram é a ação de
bandidos usando fardas falsas, em um crime cometido no sul do país, a
mais de 1.000 quilômetros de distância do Rio de Janeiro, gravado
sabe-se lá quando. Ou seja: quem divulgou o vídeo afirmando que se
tratava dos policiais no Jacarezinho cometeu um erro grave, talvez um
crime.
Mas
ninguém se retrata. Nenhuma das pessoas que lincharam a Polícia nas
redes sociais se manifesta. Normal. Para o Tribunal da Internet, fazer
acusações mentirosas de forma irresponsável e manchar a imagem alheia
com base em informações falsas é um ritual que já se tornou rotineiro e
moralmente aceitável. Tempos sombrios.
Pois bem, a situação acima aconteceu. Mas com agravantes estarrecedores.
Quem
afirmou que o vídeo - do qual foi extraída a imagem acima - era da
operação no Jacarezinho não foi um grupo de ativistas qualquer, mas o
Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária da UFRJ – Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
E
quem acolheu e corroborou o vídeo demonstrando “violência policial”
como verdadeiro não foi o Tribunal da Internet, mas o STF, o Supremo
Tribunal Federal, a instância máxima da Justiça no país. Foi justamente
por ter acolhido o vídeo que um ministro do Supremo enviou Ofícios à
Procuradoria Geral da República e ao Ministério Público, pedindo
providências com base em indícios de “execução arbitrária”.
(Sim
a execução foi arbitrária. Só que foi cometida por bandidos no sul do
país, e não por policiais no Rio de Janeiro. Mas este é só um detalhe
irrelevante.)
Como
no ritual do Tribunal da Internet, quando a mentira veio à tona ninguém
pediu desculpas. O Núcleo de Assessoria Jurídica que enviou ao Supremo o
vídeo falso sequer se sentiu constrangido. Em vez disso, limitou-se a
solicitar a exclusão do vídeo “anexado de forma equivocada”. Só faltou
colocar a culpa no estagiário.
Sim.
Envia-se um vídeo falso ao STF, que provoca uma ação de um ministro do
Supremo que põe em suspeição a instituição da Polícia, e quando a
falsidade do vídeo é divulgada quem enviou o vídeo se limita a pedir sua
exclusão. Quem vai responder pelas consequências da associação
mentirosa do vídeo aos policiais da operação? Ninguém. Vai ficar por
isso mesmo.
Por
sua vez, questionado pelo portal “O Antagonista”, o único até agora a
divulgar o episódio, o gabinete do ministro do STF respondeu, por meio
de sua assessoria de imprensa, que “caberá ao MP e à PGR avaliarem e
inclusive atestarem a veracidade do conteúdo”. Mas se o próprio Núcleo
que enviou o vídeo já reconheceu seu erro e a falsidade das imagens, o
STF ainda julga necessário que o MP e a PGR atestem a veracidade do
vídeo falso?
Já a assessoria da UFRJ não respondeu aos contatos do portal.
É
legítimo que se espere que uma operação que resultou em tantas mortes
seja investigada. Evidentemente, se forem encontradas provas de ação
criminosa de policiais, eles devem ser julgados e punidos – na esfera
legal.
Mas,
por óbvio, a mera convicção de que esses policiais agiram de forma
criminosa não pode justificar a fabricação e divulgação, mal
intencionada ou não, de provas contra a Polícia. Isso já seria absurdo
se envolvesse apenas militantes anônimos no Facebook e o Tribunal da
Internet. Quando acontece envolvendo o núcleo jurídico de uma
universidade federal e o Supremo Tribunal Federal, torna-se assustador.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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