Estudos e estatísticas comprovam: a legalização do cultivo da maconha para uso medicinal é apenas o primeiro passo para o caos que está logo ali adiante. Ana Paula Henkel via Oeste:
O
Projeto de Lei nº 399/2015, de autoria do deputado Fábio Mitidieri
(PSD-SE), viabiliza o plantio regulamentado da Cannabis sativa — a
maconha — e a comercialização de medicamentos que contenham extratos,
substratos ou partes da planta em sua formulação. O texto do projeto,
que já tramita há mais de seis anos na Câmara, propõe que o plantio da
maconha seja feito por empresas farmacêuticas e de pesquisa. Há quase
dois anos, em dezembro de 2019, a Anvisa regulamentou o uso medicinal da
planta, mas vetou seu cultivo no país.
O
CBD, ou canabidiol, é um dos princípios ativos da Cannabis sativa e
compõe até 40% dos extratos da planta, podendo ser usado como
medicamento para diversas doenças que variam de fibromialgia a epilepsia
severa. Em 2015, a Anvisa retirou o CBD da lista de substâncias
ilegais, passando-o para a de substâncias controladas, exigindo laudo
médico e receita para a importação e o uso. Sob o manto da “bondade” da
necessidade de produção de CBD para pessoas doentes, o projeto lei está
também de olho nas oportunidades para o agronegócio. Liberar a plantação
de maconha poderia gerar bilhões de reais. E milhões de problemas.
Envolvido
no debate sobre o assunto, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE)
recentemente declarou que é “lamentável que o lobby da maconha que atua
nos bastidores do Congresso Nacional venha a usar crianças com o mito de
maconha medicinal” para aprovar o PL 399/2015. Segundo Girão, as
crianças que têm problemas como epilepsia refratária e tratam a doença
com o CBD não são o principal foco do projeto. Cerca de 4 mil crianças
são beneficiadas com o canabidiol, e a demanda do óleo para esses
pacientes é perfeitamente suportada pela importação da medicação e pela
distribuição via SUS. Outros parlamentares, como a deputada Bia Kicis,
advertem que o verdadeiro interesse da proposta usa a blindagem da
imagem das crianças para comercializar a droga para uso recreativo.
Aqui
nos Estados Unidos, esse é “um trem que já partiu da estação”, como
dizem os mineiros. Devido ao federalismo norte-americano e à autonomia e
independência dos Estados para passarem suas legislações, experiências
sobre o tema já podem ser analisadas por números. Em alguns Estados, o
plantio e o uso destinam-se exclusivamente a propósitos medicinais; em
outros, é permitido também o uso recreativo. E são exatamente esses
“laboratórios de democracia” que podem nos mostrar — em números e
estatísticas, e não em discursos ideológicos glamorizados — as portas
que podem se abrir no Brasil. Para analisar o que está em jogo, vamos
atrás de quem entende do assunto.
O
norte-americano Kevin Sabet foi três vezes conselheiro do Gabinete de
Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca — e o único
especialista indicado para o cargo tanto por administração republicana
(George W. Bush) quanto por gestões democratas (Bill Clinton e Barack
Obama). Sabet, professor na Escola de Medicina da Universidade de Yale e
autor do livro Smoke Screen — O Que a Indústria da Maconha Não Quer Que
Você Saiba, alerta para os vários perigos de um projeto de lei como o
apresentado na Câmara brasileira. Kevin, com quem conversei há algumas
semanas, chama a atenção para o fato de que foi exatamente assim — sob o
manto da “maconha medicinal” — que alguns Estados norte-americanos
abriram a porta para a droga e hoje veem seu uso legalizado para
recreação. “Creio que nossa experiência com produtos farmacêuticos que
são, obviamente, legais, assim como álcool e tabaco, foi um desastre
total do ponto de vista dos custos e das políticas públicas. Nunca
regulamentamos essas drogas de forma responsável. Lobistas e empresas
com interesses especiais são os donos das regras quando se trata dessas
drogas. Queremos mesmo repetir a história? Agora é com a maconha, mas
realmente poderia ser qualquer substância. E estaremos falando sobre a
legalização de outras drogas se a maconha for nacionalmente aprovada. Em
termos dos objetivos das políticas de muitas dessas organizações, isso
não vai parar na maconha”, diz Kevin, assinalando sempre que a
“normalização do uso medicinal da Cannabis” é apenas o primeiro passo.
Há
dados impressionantes nas pesquisas do ex-conselheiro de democratas e
republicanos quando o assunto é drogas. Kevin Sabet é hoje presidente e
CEO do instituto Smart Approaches to Marijuana (SAM), organização que
desenvolve estudos e promove alianças e palestras nos EUA e no mundo
para difundir as reais consequências da liberação da maconha.
Uma
das muitas pesquisas de Sabet apresenta dados alarmantes de lugares em
que a droga em poucos anos passou de uso medicinal — adquirida apenas
com receita médica — para recreacional. Eis alguns dos resultados em
Estados como Colorado e Washington:
*taxas crescentes de uso de maconha por menores;
*aumento das taxas de prisão de menores, especialmente crianças negras e hispânicas;
*taxas mais altas de mortes no trânsito por direção sob efeito da substância;
mais intoxicações relacionadas à maconha e mais hospitalizações;
*crescimento do mercado negro, que agora, no Colorado, chega até a envolver um cartel mexicano.
Desde
que o Colorado e o Estado de Washington legalizaram a maconha, o uso
regular da droga entre crianças de 12 a 17 anos está acima da média
nacional e avança mais rápido do que a média nacional. Além disso, o
Colorado agora lidera o país entre os jovens de 12 a 17 anos em:
*uso de maconha no ano passado;
*uso de maconha no último mês;
*porcentagem de indivíduos que experimentam maconha pela primeira vez.
O
Colorado, o primeiro Estado a legalizar a droga para uso recreacional,
em 2012 — antes era permitido apenas o emprego medicinal —, hoje é o
campeão no uso de maconha por menores. Outro problema envolvendo menores
está na taxa de suicídio entre adolescentes. A maconha, junto com
opioides, está agora diretamente relacionada a essa trágica estatística.
Os crimes relacionados a drogas e narcóticos em Denver, a capital do
Estado, aumentaram cerca de 11% ao ano desde a legalização da droga.
Enquanto ainda não está claro se a legalização causou esse aumento, os
números contradizem as promessas de quem defende que a medida seria
capaz de reduzir as taxas de criminalidade.
Entre
os jovens, as tendências sugerem que a legalização da maconha esteja
associada a maior incidência de infrações escolares no ensino médio.
Mais do que nunca jovens em liberdade condicional apresentam testagem
positiva para maconha. Em apenas três anos, a taxa do uso da droga
aumentou de 28% para 39% entre — pasmem! — crianças de 10 a 14 anos.
Impacto nas comunidades negras e latinas
Uma
investigação de 2016 feita pelo jornal Denver Post, e adicionada à
pesquisa do instituto de Sabet, revelou que uma parcela desproporcional
do mercado da maconha no Colorado está localizada em comunidades de
baixa renda. Um dos bairros periféricos de Denver tem, por exemplo, um
negócio da droga para cada 47 residentes. Em Baltimore, no Estado de
Maryland, um estudo da Universidade Johns Hopkins constatou que negros
que vivem em enclaves raciais são oito vezes mais propensos a ter lojas
de bebidas alcoólicas do que aqueles que moram em bairros racialmente
integrados. No Colorado, ironicamente, mais hispânicos e negros menores
de idade estão sendo presos por crimes relacionados à maconha. Em 2012,
após a legalização do uso recreativo, o aumento foi de 29%. Não ficou
nisso. Em 2014, já tinha chegado aos 58%. Ao mesmo tempo, o número de
brancos abaixo de 18 anos presos pelos mesmos crimes caiu para 8%.
Outro
ponto da vasta pesquisa trata da condução de veículos sob efeito de
maconha. Esse tem sido um problema sério e crescente nos Estados onde a
droga é legalizada. Muitos defensores da legalização sugeriram que o uso
de maconha poderia reduzir o consumo de álcool. Aconteceu o contrário.
No Colorado, o consumo de álcool per capita aumentou. Desde 2012,
estudos indicam que a maconha frequentemente estimula o uso de álcool.
Além disso, estão em desenvolvimento cervejas e vinhos com maconha.
A atividade no mercado negro desde a legalização
A
utopia dos militantes da legalização de drogas sobre um suposto aumento
de receita tributária e redução do crime não se materializou. De acordo
com o estudo do instituto SAM, a receita gerada com o imposto sobre o
consumo da droga compreende uma minúscula fração do orçamento do
Colorado, menos de 1%. Distritos escolares do Estado nunca viram um
único dólar dos impostos estaduais sobre a maconha. No Estado de
Washington, metade do dinheiro prometido para políticas de prevenção e
melhoria de escolas foi desviada para o fundo geral estadual.
Nas
florestas do norte da Califórnia, as operações policiais continuam a
descobrir fazendas de plantações ilegais. Aqui no sul do Estado,
centenas de serviços de entrega ilegal de maconha, alguns deles
registrados até como igrejas, atendem a um fluxo constante de clientes. A
Califórnia legalizou a maconha para uso recreacional em 2016, quando,
por meio da Proposição 64 (Marijuana Act), estabeleceu impostos e
autorizou o cultivo, a venda, a posse e o consumo de Cannabis para
adultos acima de 21 anos para fins não médicos.
Os
policiais dizem que o mercado ilegal e sem licença ainda está
prosperando e em algumas áreas até se expandiu. Thomas Allman, xerife do
condado de Mendocino, é categórico: “Há muito dinheiro a ser ganho no
mercado negro”. Ele informa também que recentes operações apreenderam
mais de US$ 5 milhões em óleo de Cannabis — sim, o CBD, cultivado
ilegalmente para venda no mercado negro. “A legalização certamente não
tirou os policiais do trabalho”, disse Allman.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Até
o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, já declarou que os
cultivos ilegais são um problema, e que tropas da Guarda Nacional estão
em constantes operações na fronteira com o México para desativar
fazendas ilegais. O Estado tem um mercado ilegal em crescimento que
canibaliza a receita de empresas licenciadas. Algumas delas são forçadas
a fechar as portas. Empresários do setor, que passaram décadas evitando
a lei, agora estão recorrendo a ela para exigir a instauração de
processos contra empresas de maconha não licenciadas. Ah, a ironia.
O
fato é que a indústria da Cannabis explodiu com supervisão mínima.
Agora, muitas empresas que vendem a droga estão relutantes em passar
pelo processo complicado e caro para obter as licenças que se tornaram
obrigatórias. A licença até vem, mas junto com uma das maiores mordidas
fiscais dos Estados Unidos.
O
comércio ilícito foi fortalecido também pela crescente popularidade do
vaping, balas com infusão de maconha, chocolates, bolos e outros
produtos derivados. Os cartuchos para vaping são muito mais fáceis de
carregar e esconder do que sacos de maconha crua. Os incentivos
monetários do tráfico também permanecem poderosos: o preço dos produtos
de maconha em lugares como Illinois, Nova York ou Connecticut é
normalmente muitas vezes mais alto do que na Califórnia, o que faz com
que aumentem exponencialmente as vendas ilícitas a partir do Estado.
De
volta ao Colorado, a legalização da maconha parece ter mesmo aberto a
porta para as operações dos cartéis mexicanos. A Procuradoria-Geral do
Estado observou que a legalização ajudou a alimentar o negócio dos
cartéis, que agora trocam drogas como heroína por maconha. Houve também
aumento do tráfico de pessoas — imigrantes ilegais que vêm do México
para atuar nas operações criminosas.
Imagino
que se você for um libertário, mesmo depois de todos os estudos e
estatísticas dos malefícios da droga e do perigo do manto “medicinal”,
aqui é o ponto em que você diz: “Mas onde estão a liberdade e a
responsabilidade individual que vocês conservadores e liberais pregam?”.
Bem, as estatísticas não param.
Outra
consequência séria da legalização da maconha é o aumento da combinação
“intoxicação/chamadas de emergência/pronto-socorro/uso hospitalar”. As
chamadas para o controle de intoxicação e emergência no Estado de
Washington cresceram 68% a partir de 2012 (pré-legalização) em apenas
três anos. No Colorado, durante o mesmo período, o número foi de 109%.
Ainda mais preocupante, as ligações no Colorado relacionadas a crianças
até 8 anos de idade elevaram-se nada menos que 200%. Da mesma forma, no
Colorado, hospitalizações relacionadas à maconha cresceram mais de 70%
desde a legalização.
Agora
imagine um país como o nosso Brasil, onde a saúde nunca saiu da UTI,
nem mesmo antes da pandemia, poderia suportar — com dinheiro público —
um cenário desses?
Peço
desculpas por tantos números e estatísticas, poderíamos estar falando
de algo mais profundo e filosófico, discutindo algum livro ou filme com
mensagens relevantes. No entanto, me assusta a velocidade empregada na
normalização e na banalização de assuntos que merecem o mínimo de
discernimento e honestidade.
Não
estou disposta a colocar nossas famílias em mais projetos com imensa
capacidade de destruição, principalmente, da capacidade intelectual e do
futuro de nossos filhos. Não estou disposta à “socialização de tudo”,
como pregam hoje em dia, em que o pensamento de manada e os balaios
coletivistas demandam que entreguemos nossos filhos aos cuidados de
professores, “especialistas”, ativistas e militantes ideológicos sem o
menor questionamento. Ou os jacobinos aparecem para cobrar a conta.
O
caminho mais fácil, da espiral do silêncio ou mesmo do comodismo de não
“ir contra a maré”, não pode ser mais uma opção. Fatos são coisas
teimosas. E é com eles, como armas pesadas, que precisamos ir para essa
guerra.
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