Ataques entre civis, todos com nacionalidade israelense, são a triste novidade de mais um capítulo do confronto-chave do Oriente Médio. Vilma Gryzinski:
Vista
de longe, a atual conflagração entre Israel e o Hamas parece um game:
foguetes disparados pelos islamistas radicais que controlam Gaza, em
quantidade sem precedentes, cruzam os céus procurando atingir
indiscriminadamente alvos civis.
Com
a mesma regularidade, os mísseis do Iron Dome, a Cúpula de Ferro,
sistema de defesa antiaérea desenvolvido por Israel com dinheiro
americano, são disparados verticalmente e explodem os foguetes inimigos
quando já estão em trajetória descendente.
É
preciso ter nervos de aço para não se desesperar com as interceptações
proteladas e extraordinariamente bem sucedidas: têm 90% de acerto. Os
10% de erro são responsáveis por um número triste, mas muito baixo, de
vítimas em terra. Até hoje, foram nove, incluindo um menininho de seis
anos.
A
resposta israelense também é conhecida: aviões fazem bombardeios de
alta precisão, tendo em mira infraestrutura e líderes do Hamas. Ontem, o
QG do serviço de inteligência da organização foi simplesmente demolido,
com dezenas de agentes dentro. De ontem para hoje, decorreu “a noite
das mil bombas”, tal a intensidade dos ataques aéreos,
Quando
o alvo está em prédios civis onde os radicais operam intencionalmente,
usando sua própria população como escudo, os moradores são avisados uma
hora antes para que deixem os locais. Mesmo assim, há sempre vítimas
inocentes. Na atual fase, entre os 118 mortos, foram dezessete crianças.
Tudo
isso já foi visto antes, inclusive o potencial agravamento do conflito,
com um ataque israelense por terra, o que elevaria o nível da
confrontação ao de uma guerra plena, travada, como as anteriores, nas
ruas e vielas de uma cidade de alta densidade populacional.
O
game changer, o fator que nunca tinha acontecido antes, pelo menos
desde a guerra da independência de Israel em 1948, são os protestos e
agressões entre judeus e árabes em cidades mistas onde tradicionalmente
conviviam.
Para
entender melhor a situação, vale lembrar que existem quatro categorias
de palestinos: os da Faixa de Gaza, um não-estado onde o Hamas funciona
como autoridade administrativa e, obviamente, bélica; os que moram na
Cisjordânia, ocupada na guerra defensiva vencida por Israel em 1968, e
têm diferentes graus de autonomia, sob o governo da Autoridade
Palestina; os moradores de Jerusalém Oriental, com status diferente e
direitos parciais, incluindo acesso aos benefícios sociais dos
israelenses, e, por fim, os árabes que não saíram nem foram expulsos de
Israel em 1948.
Estes
são cidadãos plenos, com os mesmos direitos que os israelenses judeus.
Às vezes são chamados de “árabes de 48″, em referência ao ano da criação
de Israel – que deveria ter sido acompanhada de um estado para os
palestinos, opção que foi rejeitada por eles e os países árabes, que
partiram para a guerra.
São
1,8 milhão de pessoas, numa população total de nove milhões. Moram em
cidadezinhas exclusivamente árabes ou nos centros maiores, onde convivem
com a população judia.
Foi
nesses lugares que começaram os conflitos que podem ganhar contornos de
uma guerra civil. Moradores árabes saíram pelas ruas de Lod, perto de
Telavive, atacando vizinhos judeus indiscriminadamente. Queimaram
carros, arrebentaram lojas e tentaram incendiar cinco sinagogas, uma
violência sinistra que evoca o terrível passado das agressões contra
judeus em países europeus, resumidos pela palavra pogrom.
Houve
contra-ataques do mesmo quilate, de moradores judeus contra árabes, e a
polícia não estava conseguindo controlar o barril de pólvora movido a
convocações incendiárias via WhatsApp.
Os
confrontos entre civis se estenderam a outras cidades mistas, como
Acre, lendário bastião de resistência da época dos cavaleiros
templários. O diretor aposentado do programa espacial Israelense, Avir
Har-Even, de 84 anos, ficou gravemente ferido no incêndio de um hotel.
Ver
sinagogas atacadas em pleno território israelense tem um terrível poder
simbólico e provocou uma resposta pesada do presidente Reuven Rivlin,
que tem funções mais cerimoniais e sempre faz gestos inclusivos em
direção dos cidadãos árabes.
“As
cenas dos pogroms em Lod e os distúrbios ao redor do país produzidos
por uma malta árabe sedenta de sangue, ferindo pessoas, danificando
propriedades e até atacando um espaço judaico sacrossanto são
imperdoáveis”, disse Rivlin.
O
Hamas já deu sinais de que está disposto a aceitar uma trégua. Em
circunstâncias normais, Israel levaria vários dias para suspender
hostilidades, aproveitando para detonar o maior número possível de
baterias de foguetes e comandantes militares – sabendo perfeitamente bem
que os estoques de ambos serão repostos ou até intensificados, como
prova o número recorde de foguetes na atual confrontação.
Nas
circunstâncias anormais do momento, com a trágica novidade dos ataques
intercomunitários, pode ser do interesse de Israel abreviar a campanha
em Gaza para retomar mais rapidamente o controle interno.
Conflitos
entre palestinos da Cisjordânia e moradores judeus dos assentamentos em
territórios ocupados são frequentes, mas o choque entre cidadãos
israelenses das duas etnias introduz um elemento perturbador, de
potencial altamente incendiário.
Tudo
no conflito em torno da terra tão santa e tão complicada forma um caso
extremamente especial, sem paralelos em outros lugares, desde a
reconstituição de Israel depois de dois mil anos da dissolução até o
genocídio na Europa que engrossou o movimento sionista, passando pela
ambiguidade da situação nacional dos palestinos até que construíssem uma
identidade comum, a celebração da violência e a ascensão do islamismo
radical. Estes elementos conflitantes tornam extremamente complexa,
embora não impossível, uma solução que atenda ao menos em parte as
demandas dos dois lados.
O
filme que todo mundo já viu em outros países é o túnel escuro e cruel
dos conflitos étnicos entre dois grupos que se odeiam e resolvem se
destruir mutuamente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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