Ainda há quem acredite que o sindicato trabalha “no interesse do trabalhador” e outros slogans mofados e cheios de teias de aranha. Paulo Polzonoff para a Gazeta do Povo:
Acordo
e, logo cedo, ouço o recado em tom de ameaça da querida Alexa: hoje é o
último dia de mandar cartinha para o sindicato dos jornalistas. Do
contrário, terei um desconto de 5% do meu salário. Esse dinheiro será
usado, entre outras coisas, para financiar toda uma estrutura
burocrática para negociar com o sindicato patronal um aumento coletivo
que este ano foi de inacreditáveis 1,20% (sim, a vírgula está no lugar
certo).
O
comunicado/ultimato me chegou na semana passada. Eu achava que tudo era
muito simples, que bastava mandar um e-mail dizendo “Ó, Fulano, não tô a
fim de pagar pra sindicato filiado à CUT ficar defendendo político
ladrão e denegrindo a imagem da profissão que eu exerço com orgulho”.
Mas não. Meus colegas me dizem que é preciso enviar um formalíssimo
“Termo de Não Aceite da Taxa Assistencial”. O documento, me instruem,
deve ser preenchido, assinado, escaneado, transformado em PDF e enviado
para ninguém menos do que o Presidente do sindicato. Mas pelo menos não
precisa de autenticação nem firma reconhecida.
É
uma trabalheira danada – o que, evidentemente, não deve incomodar
sindicalista no bem-bom, mas que atrapalha um bocado quem trabalha de
verdade e não tem estabilidade no emprego para exercer atividade
sindical. Mas podia ser pior. Sei de catigurias cujo sindicato, ao menos
antes da pandemia, exigia cartinha de oposição escrita à mão e entregue
pessoalmente pelo funcionário, que tinha que pegar dois ônibus e
atravessar a cidade para não ter o famigerado desconto nos vencimentos.
E
ainda há quem acredite que o sindicato trabalha “no interesse do
trabalhador” e outros slogans mofados e cheios de teias de aranha.
Mas para que servem os sindicatos?
Sindicatos
– e o dos jornalistas não é exceção – são a manifestação mais
repugnante da ideia de que relações entre patrões e funcionários são
sempre conflituosas e que, por isso, precisam de intermediários
marxistamente esclarecidos que impedirão uma opressão ainda maior dos
oprimidos. Desde que eles paguem o antigo imposto sindical, agora
rebatizado de “taxa de assistência”.
Em
2017, essa estrutura mafiosa (e, antes que reclamem do palavreado,
explico que o negócio da máfia sempre foi oferecer proteção em troca de
uma contribuição, daí a analogia) sofreu um golpe que parecia mortal,
mas que infelizmente foi só um tiro de raspão. O deputado Paulo Martins
conseguiu, quase que por milagre, extinguir o infame imposto sindical
que tirava dinheiro do trabalhador produtivo e transferia para esses
grupelhos corporativistas que estão até agora tentando entender, sem
sucesso, como a lei da oferta e demanda afeta o mercado de trabalho.
E
para que mesmo servem os sindicatos hoje em dia? Não sei e duvido que
você saiba. Que categorias do funcionalismo público tenham sindicatos, e
sindicatos fortes, até entendo. Afinal, elas têm um poder de chantagem
enorme sobre o pobre cidadão pagador de impostos. Basta os professores
da rede pública ameaçarem uma greve (bu!) e logo aparece um político
para dizer que é preciso investir em educação e... toma aqui 10% de
aumento.
Na
iniciativa privada, porém, sindicato serve, no máximo, para organizar
um campeonatozinho de futebol e, talvez, um churrasco de
confraternização – ao qual só comparecem os alinhados ideológicos do
sindicato, porque ninguém aguenta ouvir petista repetindo aqueles
discursos pré-históricos de sempre.
Paulo
Martins merece elogios por sua tentativa de acabar com os sindicatos
sanguessugas brasileiros. Pena que ele tinha apenas uma bala na agulha.
Tivesse mais, poderia ter acabado também com a estabilidade de emprego
dado a sindicalistas – o que, na prática, se traduz num ano sabático
improdutivo para quem teve a brilhante ideia de legitimar a preguiça
entrando para a chapa com um cargo qualquer no soviete.
Preciso fazer alguma coisa
Bom.
Interrompi o trabalho aqui para mandar o tal “termo de não aceite”.
Mandei pedindo aquele aviso de recebimento automático. Mas o Outlook
acaba de me informar que “A entrega para estes destinatários ou grupos
foi concluída, mas o servidor de destino não enviou uma notificação de
entrega”. Sentindo o sangue na garganta qual João do Santo Cristo, dei
uma de Tina (personagem de esquerda que anda irritando demais a
esquerda) e gritei para o apartamento vazio: “Preciso tomar uma
atitude!”
E
foi assim que, depois de meia dúzia de mensagens trocadas, nasceu a
“Chapa Apocalypse Syndycal Now” para concorrer nas próximas eleições da
guilda. Nossa plataforma é enxuta, mas boa. Diria até que excelente. Mas
se você insiste em considerá-la extraordinária, assim seja. A primeira
proposta, ou melhor, promessa é a de acabar com a taxa de assistência. A
segunda, exigir que os sindicalistas estejam devidamente empregados e
trabalhando. A terceira é a desfiliação da CUT e a proibição de qualquer
relação entre sindicato e partidos políticos. E a quarta é minha
renúncia, porque eu tenho mais o que fazer.
A
chapa não tem nenhuma chance de vitória, mas por alguns minutos me
deixo levar pelo sonho de ver implodir essa herança fascistóide. Saio do
transe para voltar a trabalhar. Agora é esperar que minha cartinha seja
devidamente lida e aceita pelo supremo líder sindical, o Presidente,
que minha “má-vontade” seja respeitada e que a taxa assistencial não
seja mesmo cobrada. E, mais tarde, rever aquele filme muito bom do Elia
Kazan com Marlon Brando. Aquele.
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