MEDIÇÃO DE TERRA

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terça-feira, 11 de maio de 2021

Depoimento em primeira pessoa: Médico de MSF na Índia

 



Em meio a segunda onda de Covid-19 na Índia, Médicos Sem Fronteiras reiniciou suas atividades de emergência em Mumbai, no estado de Maharashtra. A precariedade do sistema de saneamento e a grande densidade populacional da cidade são desafios para o controle da pandemia. Diante de tantas dificuldades, Gautam Harigovind, coordenador-médico do projeto de COVID-19 de MSF, em Mumbai, faz um relato do que os médicos e pacientes estão enfrentando nas últimas semanas.

“Imagine um hospital com mil leitos, 28 enfermarias, além das áreas de emergência, pronto-socorro e triagem. Um hospital improvisado a partir de uma enorme tenda com hastes de metal. Entrar nele pela primeira vez foi uma experiência surreal, que eu nunca tinha vivido antes. O teto é muito alto, mas a ventilação não é tão boa. Ele atende a alguns padrões, mas realmente não é adequado ao clima de Mumbai, que, durante a manhã, é muito úmido. A unidade de saúde é terrivelmente quente, por isso, trabalhar com as roupas de proteção por seis horas é inimaginável. O calor é quase insuportável.

Estamos há três semanas com nosso projeto de emergência em Mumbai, recebendo cerca de 200 a 250 novos pacientes para internação todos os dias e, embora a situação em Mumbai continue muito grave, como equipe, tivemos uma semana mais positiva. Nos últimos quinze dias, notamos uma evolução no quadro dos nossos pacientes acima das nossas expectativas.

Quando comecei a trabalhar no centro de COVID-19 da cidade, em setembro do ano passado, estava um caos, com uma enorme quantidade de pessoas assustadas chegando todos os dias. Depois disso, as coisas se acalmaram e o atendimento aos pacientes ficou mais tranquilo.

Hoje, nosso maior desafio é o desgaste das equipes. As pessoas simplesmente não conseguem trabalhar neste ambiente por longos períodos de tempo. É exaustivo e os ciclos de desgaste são mais rápidos agora do que na primeira onda. Neste momento, após três dias de atendimento, você já está esgotado. Mesmo que o seu turno seja de apenas seis horas, pois essas são horas de atendimento à COVID-19. São horas marcadas pela falta de condições adequadas, pelo grande número de pacientes e pela falta de gerenciamento apropriado.

Também temos problemas para contratar mais pessoas que possam atender toda a demanda. Por exemplo, existem 28 enfermarias, cada uma deve ter duas enfermeiras presentes por turno, que são quatro ao longo do dia. É só fazer as contas e você pode entender que é difícil encontrar tantos profissionais de saúde.

Estamos focados no recrutamento e no treinamento de novos profissionais. Muitos dos enfermeiros do Ministério da Saúde são recém-formados, que foram empurrados para algo que ninguém esperava ou poderia imaginar. Eles estão tentando cumprir seu trabalho, mas são inexperientes e não sabem como gerenciar seu tempo ou suas atividades. As enfermeiras de MSF estão apoiando os profissionais de saúde locais com orientação e treinamento ao lado do leito do paciente.

A COVID-19 também me transformou como pessoa e como médico. Doentes estão morrendo, mas eu já me acostumei. Nós tivemos que nos adaptar a essa realidade e eu não tive tempo para refletir sobre ela. Eu costumava ser muito sensível ao paciente, mas agora estou com medo de construir relacionamentos com eles. No início, eu criava vínculos e, quando voltava para meu próximo turno, via a cama vazia. Isso partia o meu coração. Eu costumava chamar os doentes pelos seus nomes ou, pelo menos, como os meus pacientes. Agora eu me refiro a eles como “pacientes”. Foi assim que essa pandemia me transformou.

Para sobrevier a tudo isso, criamos maneiras intuitivas de tornar o trabalho mais fácil para nossa equipe. O time de MSF está repleto de pessoas muito fortes e essa é uma característica que procuro quando estou recrutando pessoas. Cada membro da nossa equipe é realmente forte, tanto em suas habilidades clínicas, quanto em sua personalidade. Atualmente, estamos encorajando o nosso pessoal a iniciar conversas com seus doentes sobre as possíveis consequências da COVID-19. O objetivo é ajudar os profissionais de saúde e os pacientes a entender o que pode acontecer, inclusive a possibilidade de morte. Tivemos resultados positivos com essa estratégia. Isso nos ajudou a aceitar os desfechos, não só porque tivemos essa conversa, mas porque o paciente pode, de alguma forma, estar preparado.

Todos devem falar o máximo que puderem sobre a situação na Índia. O que está acontecendo agora é uma atrocidade e, se ninguém estivesse falando sobre isso, simplesmente aconteceria. Na Índia, há muitas pessoas prontas para serem voluntárias da maneira que puderem e tantas outras desejam receber cuidados médicos, caso seja possível. As lacunas estão na infraestrutura.

No momento, as lacunas estão diminuindo. Estamos realmente trabalhando ao máximo para colocar as coisas no lugar antes que algo pior aconteça. Se não acontecer, ótimo. A COVID-19 é um contexto no qual eu amo estar errado!”

 

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