A boa doutrina de processo penal ensina que não se decreta a nulidade quando não há prejuízo. Artigo de Tahméa Danelon para a Gazeta do Povo:
No
dia 8 de março desse ano, o ministro Edson Fachin anulou quatro
processos do ex-presidente Lula. Para ele, a 13ª Vara de Curitiba não
seria competente para julgar esses casos, mas sim a Justiça do Distrito
Federal (DF), pois Curitiba cuidaria apenas dos casos de desvios na
Petrobras e, de acordo com o Ministério Público Federal, o ex-presidente
também estaria envolvido em outros crimes de corrupção em diversas
estatais.
Esse
entendimento foi firmado pela 2ª Turma do STF, a qual ao longo da
operação, remeteu processos da Lava Jato para outros estados, como o
caso “Eletronuclear”, que migrou para o Rio de Janeiro. Contudo, esse
entendimento sobre as remessas dos processos para outras cidades não me
parece o mais adequado, pois os crimes foram cometidos pela mesma
organização criminosa; integrada pelos mesmos políticos; empreiteiras; e
operadores financeiros.
O
ministro Fachin aplicou o entendimento da 2ª Turma, e remeteu os quatro
processos do ex-presidente Lula para o DF, local onde o réu exercia o
cargo de presidente da República na época dos atos criminosos. Além
disso, também anulou os processos e as decisões judiciais que receberam
as denúncias (que determinaram a abertura das ações criminais contra o
ex-presidente).
E
quais seriam as consequências dessa decisão? Em primeiro lugar, todos
os valores que foram devolvidos aos cofres públicos pelos réus
colaboradores voltariam para os seus bolsos, sendo essas quantias
bilionárias. Além disso, diversos crimes cometidos pelo ex-presidente
Lula irão prescrever (caducar), pois quando o criminoso tem mais de 70
anos, o prazo de prescrição é reduzido pela metade, resultando na
impossibilidade de ser processado, condenado e preso.
Esta
decisão do ministro Fachin — que foi acolhida pelo pleno do STF — não
apresenta sólida base jurídica, pois a alegada incompetência territorial
do Juízo da 13ª Vara seria relativa e, juridicamente falando,
incompetência relativa não anula, necessariamente, um processo.
A
boa doutrina de processo penal ensina que não se decreta a nulidade
quando não há prejuízo, e como bem pontuado pelo ministro Luiz Fux em
seu voto sobre essas anulações, não houve qualquer prejuízo à defesa de
Lula, pois além de ter apresentado uma centena de peças processuais e
recursos, ofereceu petições inclusive em cortes internacionais.
Essa
decisão de anulação dos processos criou um perigoso precedente, pois já
repercutiu em outros casos, como na ação penal do ex-presidente Michel
Temer. Em 20 de abril último, o ministro Alexandre de Moraes anulou uma
ação que tramitava no Rio de Janeiro — 7ª Vara Federal — sob argumento
que os crimes estavam relacionados com o “quadrilhão do MDB”, processo
que caminhava perante o Distrito Federal.
E
no início de maio desse ano, a Justiça do DF absolveu os envolvidos
nessa alegada organização criminosa, sendo eles Temer; Eduardo Cunha;
Geddel Vieira Lima; e outros dez réus, como Rodrigo da Rocha Loures,
Eliseu Padilha e Moreira Franco. De acordo com a denúncia da PGR, os
desvios e atos de corrupção envolviam a Petrobras; Furnas; Caixa
Econômica; Ministério da Integração Nacional e Câmara dos Deputados.
Nesse
mesmo dia 20 de abril, a 2ª Turma do STF também anulou o processo de
Guido Mantega, que respondia pelos crimes de corrupção referentes à
aprovação de medidas provisórias que beneficiariam o grupo Odebrecht, e,
em troca, receberia R$ 50 milhões. A anulação ocorreu pelos mesmos
argumentos: o processo não deveria ter tramitado em Curitiba, mas sim no
DF.
Contudo,
não foram apontados quais os efetivos e reais prejuízos causados à
defesa dos réus, sendo descartado o trabalho de centenas de operadores
do Direito que se dedicaram por muitas horas a esses casos, sendo eles
policiais federais, delegados, peritos, procuradores, oficiais de
Justiça, secretários, auditores da Receita Federal e Controladoria-Geral
da União, estagiários, analistas, técnicos processuais, juízes e
desembargadores.
Mais
de 7 anos de trabalho, produtividade, e resultados efetivos foram
desconsiderados, sem contar todo o dinheiro público empregado nessas
operações; e as anulações ocorreram sem que houvesse a demonstração real
de qualquer prejuízo à defesa desses réus; sem identificação de
hipotética violação aos sagrados princípios do contraditório e da ampla
defesa.
Os
igualmente importantes Princípios da Eficiência e da Razoável Duração
do Processo não foram respeitados; o código processual penal não foi
observado; o processo justo e correto foi desprezado; e a Justiça
tornou-se diminuta. Essas anulações demonstram que, infelizmente, o
Brasil continua sendo o país da impunidade e da corrupção endêmica e
sistêmica, onde poderosos não são alcançados pela Justiça Brasileira, e
nos raros casos em que são presos e processados, alguns anos depois não
são absolvidos, mas têm seus processos anulados; rasgados e enterrados.
Procuradora
da República (MPF) desde dezembro de 1999, ex-coordenadora do Núcleo de
Combate à Corrupção em São Paulo/SP; ex-integrante da Lava Jato/SP;
mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie e especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal
pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMPSP);
professora de Direito Processual Penal e palestrante.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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