O sindicalista de extrema-esquerda Pedro Castillo é o mais cotado a ganhar eleição presidencial, mas Keiko Fujimori também é de fazer chorar. Vilma Gryzinski:
O partido do candidato Pedro Castillo não esconde o jogo. Diz o primeiro capítulo de seu programa de governo:
“Peru
Livre é uma organização de esquerda socialista que reafirma sua
corrente ideológica, política e programática. Para ser de esquerda, é
necessário abraçar a teoria marxista e, à sua luz, interpretar todos os
fenômenos que ocorrem na sociedade mundial, continental e nacional”.
Tem
mais, tem muito mais. Tanto que Castillo, professor primário que tem
como logotipo um lápis gigante, achou melhor moderar o discurso e o
programa partidário, que propõem fazer de imediato tudo o que Hugo
Chávez levou dez anos para implantar, com os conhecidos e catastróficos
resultados.
Numa
espécie de Carta aos Peruanos divulgada no fim de semana, ele garantiu
que a convocação de uma Assembleia Constituinte, como consta do
programa, “será dentro do marco jurídico vigente” e se comprometeu a
respeitar os tratados internacionais e os direitos das minorias.
Quem
quiser acreditar, acredite. A moderação na reta final para a eleição do
dia 6 de junho soa notavelmente parecida com os históricos compromissos
dos bolcheviques – e o termo não é usado em vão.
“O
candidato Castillo foi muito mais transparente e honesto do que, na sua
época, foram Castro em Cuba ou Chávez na Venezuela”, disse um conhecido
ex-ministro, Luís Gonzales Posada, antecipando a “destruição total” do
país.
“Vão
condenar à absoluta pobreza, à miséria, o povo peruano, esse povo que
hoje o apoia com sua votação e pode consagrá-lo presidente”.
Entre
as manifestações de honestidade constam a dissolução do Congresso e a
convocação da Assembleia Constituinte – que ele agora promete ser dentro
das regras do jogo -, a possível dissolução do Supremo Tribunal, a
expropriação de empresas e, obviamente, a intervenção na imprensa e na
televisão.
“Os
meios de comunicação são poderosos instrumentos de domínio, de
hegemonia cultural, assim a direita tem a capacidade de fazer os pobres
acreditarem que o que a beneficia também beneficia a eles”, diz o
programa assinado por Vladimir Cerrón, neurologista formado em Cuba,
ex-governador afastado por abuso de poder, que é o mentor de Castillo.
Ambos
dedicam especial atenção aos programas da “televisão lixo”, como os
reality shows. Big Brother, nunca mais, na visão deles. A prometida lei
da mídia vai ensinar os meios de comunicação a “não confundir liberdade
de imprensa com impunidade – todo mundo sabe exatamente o que isso
significa.
A
nacionalização das empresas privadas tem na mira, especialmente “os
setores de mineração, gás, petróleo, hidroenergéticos, comunicações,
entre outros”.
Nada
surpreendentemente, a cada ponto que Castillo sobe, mais tremem
mercados de commodities vitais como o cobre, do qual o Peru é o segundo
maior produtor mundial. E a cada ponto que desce, os mercados se animam.
Aí
está o outro grande problema: a alternativa ao professor primário que
quer instaurar o modelo marxista e a “economia popular de mercado” para
ontem, é Keiko Fujimori.
O
sobrenome já diz praticamente tudo; populismo autoritário de direita
que seu pai, Alberto Fujimori, levou a níveis quase indescritíveis de
abusos, pelos quais cumpre pena de prisão até hoje, aos 82 anos.
Se
muitos brasileiros se desesperam diante da possibilidade de não ter a
quem escolher na eleição presidencial do ano que vem, o Peru pelo menos
serve de consolo.
É possível falar em voto útil, ou no mal menor, diante das opções colocadas aos peruanos?
Mario
Vargas Llosa, um antifujimorista histórico, tendo chegado a se
candidatar a presidente em 1990, num rompante quixotesco, contra o
próprio Alberto Fujimori – foi massacrado, obviamente -, fez a sua
escolha.
“Os
peruanos deveriam votar em Keiko Fujimori porque ela representa o mal
menor e, se estiver no poder, existem mais probabilidades de salvar
nossa democracia”.
“Um
governo de Castillo seria uma catástrofe”, escreveu o Nobel de
Literatura, lembrando que o modelo de Socialismo do século XXI proposto
abertamente pelo Peru Livre “obrigou cinco milhões de venezuelanos a
emigrar aos países vizinhos para não morrer de fome”.
“Querer
acabar com a mineração, que é a riqueza dos Andes peruanos, é uma
temeridade sem precedentes, filha da pura ignorância, que sufocaria uma
das fontes básicas do desenvolvimento nacional”, disse Vargas Llosa.
É
preciso coragem moral, ou até imprudência, para tapar o nariz e apoiar
Keiko Fujimori como mal menor. Existe aí o raciocínio implícito de que
governos autoritários de direita têm mais probabilidade de acabar do que
os de esquerda.
O
próprio fim patético de Alberto Fujimori, que renunciou por fax no
Japão, onde estava de visita, quando seu governo derreteu e os partidos
políticos se reorganizam para convocar o Congresso dissolvido na época
do autogolpe, é uma das provas da tese.
A Venezuela, obviamente, é a outra.
Um
lembrete para recordar que, num país como o Peru, onde tantas vezes
parece imperar o surrealismo mágico na política, o aparentemente
impossível acontece: Fujimori tinha boas relações com Hugo Chávez e sua
eminência parda, Vladimiro Montesinos, fugiu para a Venezuela quando a
casa caiu (depois, acabou extraditado).
A
exaustão com os políticos tradicionais – quatro presidentes varridos do
mapa pela conexão Odebrecht – é um dos motivos para a ascensão de Pedro
Castillo, fora a óbvia simpatia despertada entre as camadas mais pobres
por um professor de escola rural que faz campanha a cavalo e usa
chapelão de camponês.
O
ambiente pré-eleitoral está cada vez mais incandescente. O empresário
Rafael López Arriaga, que foi candidato a presidente e agora apoia
Keiko, fez um comício inflamado no qual bradou “morte ao comunismo,
morte a Cerrón e a Castillo” – uma patacoada que pode funcionar contra
sua candidata.
Deu
a chance a Castillo, que já prometeu fixar um prazo de 72 horas para os
“estrangeiros exploradores” saírem do Peru, de parecer equilibrado.
“Cruzar a linha onde um político pede a morte de outro político por
pensar diferente nos leva a recordar momentos terríveis de nossa
história”, tuitou.
Para
não perder a onda da “moderação”, Keiko disse que apoia o Juramento
pela Democracia, um documento proposto por entidades civis que pede o
respeito pelo equilíbrio entre os poderes e o compromisso de manter os
principais órgãos do Judiciário e o Banco Central.
Pesquisas mais recentes davam 41% dos votos a Castillo e 36% a Keiko Fujimori. Pobre Peru.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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