Não existe nada de correto, de compreensível ou de legal na prisão de jornalista. J. R. Guzzo para o Estadão:
Há
no Brasil um escândalo mantido virtualmente em sigilo, como se fosse um
segredo de Estado, ou algum tema proibido pela censura: o jornalista Oswaldo Eustáquio, indiciado num inquérito ilegal no STF,
está preso há três meses e meio por crime de opinião, acusado de violar
a Lei de Segurança Nacional que sobreviveu ao regime militar. Não foi
preso em flagrante. Não cometeu nenhum crime descrito na lei como
“hediondo” e, portanto, inafiançável. Não tem direito a nenhuma das
múltiplas garantias que a lei brasileira oferece a qualquer acusado de
infração penal. Não tem acesso completo às informações do seu processo.
Não lhe foi dito até agora quais são, exatamente, as acusações que estão
sendo feitas contra ele. Não há data para a conclusão do inquérito, e
nenhuma obrigação por parte dos carcereiros de responder às perguntas
dos seus advogados. Não tem culpa formada. Não foi condenado por nenhum
dos 361 artigos do Código Penal. Mas está preso desde o dia 18 de
dezembro de 2020, por ordem e desejo do ministro Alexandre Moraes.
O
caso de Eustáquio é um escândalo porque não existe nada de correto, de
compreensível ou de legal em sua prisão. Se tivesse cometido um assalto a
mão armada, e caído no “juiz de garantias” certo, ele já estaria solto
há muito tempo; como é um jornalista de direita, falou mal do PSOL
e deixou bravo o ministro Moraes, está preso – hoje em “prisão
domiciliar”, com tornozeleira. O que o jornalista fez? Em junho do ano
passado, ele foi preso uma primeira vez, por ter “instigado uma parcela
da população” que “tem sido utilizada para impulsionar o extremismo do
discurso de polarização e antagonismo ao Congresso e ao STF”. Acredite
se quiser: é nesse português que estão escrevendo o inquérito.
“Impulsionar o extremismo do discurso”? Que raio de crime seria um
negócio desses na lei penal brasileira?
Eustáquio
ficou na cadeia um mês, e quando saiu recebeu a ordem de não se
comunicar com outros investigados no inquérito ilegal que Moraes vem
tocando há quase dois anos para apurar o incentivo a “pautas
antidemocráticas”; não chegar perto da Praça dos Três Poderes e não sair
de Brasília. Em dezembro, foi preso de novo, acusado de desacatar a
ordem do ministro por ter saído da capital. Entre as suas ações de
desacato, foi citada a gravação de um vídeo com o título “O laranjal de
Boulos: PSOL utiliza empresas fantasmas para lavar dinheiro na corrida
eleitoral em São Paulo”. Moraes considerou que “os fatos são
gravíssimos” e mandou o jornalista de volta ao xadrez; no fim de
janeiro, ele passou à prisão domiciliar, sem data para sair. Está
proibido de “acessar redes sociais”, receber visitas ou se comunicar com
os demais indiciados no inquérito.
A
desordem legal imposta ao Brasil pelo STF não é novidade.
Extraordinário, embora também não seja novo, é o silêncio de cemitério
com que o caso é tratado na mídia. Se um “morador de rua” for agredido
por um segurança qualquer, o mundo para – o assunto vai direto para a
primeira página e para o horário nobre. Mas o jornalista escreve “pautas
antidemocráticas”, segundo a linguagem oficial de hoje; pode ficar
preso pelo resto da vida que ninguém vai abrir a boca. O assunto não
está proibido apenas na imprensa. O mundo político brasileiro em peso,
as organizações de direitos humanos, a Ordem dos Advogados, as entidades
que representam jornalistas e o consórcio
democrático-equilibrado-intelectual-civilizado e de centro-esquerda
também faz de conta que não está acontecendo nada.
Todo
mundo tem o pleno direito de detestar o que Oswaldo Eustáquio diz. Mas
isso não lhe tira a cidadania, nem a proteção da lei.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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