Além dos grosseiros zumbis bolsonaristas, existem também os negacionistas chiques, como bolsas Prada. Luiz Felipe Pondé para a FSP:
Estamos acostumados a pensar em negacionistas grosseiros tais quais os zumbis bolsonaristas. Gente que defende cloroquina. Mas também existem negacionistas chiques, como bolsas Prada.
Esses
negacionistas com credenciais citam diplomas e termos técnicos e o
senso comum acredita neles. Cada dia se especula mais diante da
ignorância crassa acerca da peste. Diante das câmeras, se diz qualquer
coisa pra manter a bola quicando. Mas a verdade é que não sabemos muito
mais sobre ela do que se sabia sobre a gripe espanhola em termos epidemiológicos ou sanitários. Esse negacionista nega a sua ignorância, no entanto.
Aliás,
o mundo era mais sexy antigamente. Pegar a gripe espanhola tinha um quê
de sensual. Imagine se disséssemos “peguei a gripe chinesa” em vez de
“peguei a Covid-19”.
Hoje,
contudo, quero refletir sobre o negacionismo com marca de luxo. Os
negacionistas chiques não são tão óbvios quanto os zumbis. Darei dois
exemplos. Seguramente, se você lê jornais, tem um negacionista de luxo
ao lado, ou ainda no seu próprio espelho.
Ambos
são fenômenos que circulam entre pessoas de classe média pra cima, com
razoáveis condições financeiras, um repertório de viagens ao exterior
invejável, acesso a informação de qualidade, digamos, e até hábito de leitura
acima da média miserável do país. Assim como existem zumbis
bolsonaristas que têm apartamento em Miami, existem negacionistas
chiques que mantêm apartamento em Lisboa.
O
primeiro exemplo são os negacionistas alternativos. Gente que toma
cúrcuma pra fortalecer o organismo contra o coronavírus. Gente que acha
que os efeitos da vacina da Pfizer podem
ser comparados a casos como a da talidomida, que levou uma geração dos
anos 1950 e 1960 a ter membros encurtados e órgãos com má-formação ao
ser receitado como um remédio para enjoo a mulheres grávidas.
Antivacina
em geral, mas com passaporte francês. Aliás, a França, país chique por
excelência, apresenta um número significativo de indivíduos contra
vacinas por causa da disseminação da cultura de medicina alternativa em
meio aos croissants.
Membros
dessa tribo podem jantar com você —depois da peste— e você nem
perceberá. Aliás, eles existem desde antes da peste, no que demonstram
ser mais chiques do que os novos negacionistas zumbis bolsonaristas.
Um negacionista de classe
lê nas suas bolhas das redes “artigos que provam” que vacinas são ruins
para a saúde e acredita numa coisa vaga chamada natureza.
Para
eles, a vacina antipólio, infelizmente uma exigência das escolas, não é
a responsável pela queda de pólio entre as crianças, mas sim hábitos
alimentares “mais naturais”.
Esses
idiotas com branding não lembram que câncer é tão natural quanto
cúrcuma. Imagino o drama de quem é contra testes em animais pra tomar as
vacinas contra Covid. Coitadinhos, não?
O
segundo caso é mais delicado e profundo. Esse tipo de negacionista não
tem a mínima ideia de que ele é um negacionista, no caso, das ciências
sociais. Dessa tribo podem fazer parte médicos, cientistas, jornalistas,
e até mesmo a Mulher Maravilha.
Pestes
são entidade sociológicas, além de médicas. Mas muitos médicos, talvez a
maior parte, mesmo se especialistas na sua área, bombaram em ciências
sociais. E epidemiologia e saúde pública são áreas da medicina com uma
face voltada para as ciências biológicas e outra para as sociais.
Quer
saber como você identifica um deles? Muito fácil: basta ver alguém
berrando por um lockdown radical no Brasil, e você estará diante de um
negacionista com credenciais múltiplas. Suspeito mesmo que a palavra lockdown, para muitos, dispare uma sensação de orgasmo. O lockdown é o fetiche da esquerda, assim como a cloroquina é o da direita.
O
lockdown radical é impossível no Brasil por razões sociológicas,
econômicas, políticas e históricas. O Estado não tem braços pra impor
algo assim. Nem dinheiro pra pagar a conta. Um brasileiro que morre de
fome não pode pagar multas em euros. O negacionista chique aqui, mesmo
com títulos científicos, legisla do seu laptop para um país que não
existe.
Isso não dá razão a Bolsonaro,
apenas impõe limites sociais às políticas de contenção epidemiológica. É
uma tragédia, mas nem por isso é menos científica do ponto de vista das
ciências sociais.
E os jornalistas, já desgastados com essa efeméride de uma peste que não passa, berram: “queremos lockdown!”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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