Os portugueses estão indignados e com razão. Sentem-se enganados e traídos pela Justiça - e com razão. Mas o pior de tudo é que contra a Justiça nem vale a pena manifestarmo-nos. (comentário do blog: lá como cá). Artigo de Raquel Abecasis para o Observador:
Basta,
senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque
roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o
roubar muito é grandeza, o roubar com pouco poder faz os piratas, o
roubar com muito, os Alexandres.
Pe. António Vieira in “Sermão do Bom Ladrão”
Conclusão:
a história que abalou nos últimos dias a nossa democracia não é nova. A
roubar não sejas pobre e terás sucesso. Pelo menos em Portugal, é uma
receita que há séculos dá bom resultado.
Aqui chegados, que conclusão tirar? O juiz Ivo decidiu, está decidido, a Justiça está acima do escrutínio do povo.
Não
sou doutora em Direito, como aliás a maioria do povo português. A nossa
relação com a Justiça é mais ou menos como a relação que temos com a
Medicina. Estamos doentes, vamos ao médico e esperamos que ele saiba o
que está a fazer. Confiamos totalmente e entregamo-nos na mão de médicos
e juízes esperando estar em boas mãos.
O
que ciclicamente nos acontece é que, ao contrário da Saúde, no que
respeita à Justiça, já sabemos os nomes e as manias de cada um. Sabemos
que é o Carlos ou é o Ivo e, conforme a sorte, a decisão está tomada.
Será que isto é saudável? Será que isto é Justiça?
Outra
curiosidade da administração da nossa Justiça é a forma como se
aproveitam os acórdãos para ajustar contas com inimigos e dizer piadas
sobre os processos em análise. Ignorando que do outro lado estão vítimas
e lesados dos atos praticados.
No
caso em apreço, falamos de um país em bancarrota, com as suas maiores
empresas destruídas, centenas de pessoas desempregadas e arruinadas.
Independentemente da valia jurídica dos argumentos do juiz Ivo, foi isto
que ele ignorou olimpicamente quando, na sexta-feira, teve a sua tarde
de glória em direto para todo o país. Ficará para a história o
sorrisinho idiota quando leu aquela passagem em que dizia que Sócrates
não cometeu fraude fiscal, porque se declarasse ao fisco as avultadas
quantias que recebeu em numerário, estaria a autodenunciar-se. Se o
dinheiro não era lícito, naturalmente que não era para declarar ao
fisco! Será que é este o conceito que o juiz Ivo tem do que é fazer
Justiça?
Entretanto,
e como se fosse coisa pouca, o juiz Ivo admite que houve 58 milhões de
euros a passear de mão em mão, como “as pombinhas da Catrina”. Neste
caso, as pombinhas chamam-se Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique
Granadeiro, José Sócrates, Carlos Santos Silva. Mas como não havia prova
direta ou os casos prescreveram, esqueçam-se os 58 milhões e o
Ministério Público é incompetente por tê-lo referido na acusação.
Fantasia foi a palavra que o país reteve. E quantas fantasias não podia
ter cada um de nós com 58 milhões de euros no bolso?
Os
Portugueses estão indignados e com razão. Sentem-se enganados e traídos
pela Justiça e com razão. Mas o pior de tudo é que contra a Justiça nem
vale a pena manifestarmo-nos. Diz-se que a Justiça é cega e eu
acrescentaria que também é surda e muitas vezes, como agora, parece
mentecapta.
Não
sei se o juiz Ivo está a festejar algures o seu extraordinário acórdão,
nem se tem noção das consequências dos seus atos, se não pelo conteúdo,
pelo menos pela forma. Perante o que se passou e porque estamos ainda
em tempo pascal, recordo uma frase de Jesus a caminho do calvário: “Não
chorem por mim, chorem antes por vocês e pelos vossos filhos.”
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário