No complexo jogo geopolítico, Biden expõe uma fragilidade constrangedora diante da China e da Rússia. Ana Paula Henkel via Oeste:
Em meu artigo da semana passada,
compartilhei algumas notícias sobre as políticas internacionais do
presidente Joe Biden e fizemos juntos uma reflexão sobre o papel dos
Estados Unidos no tabuleiro geopolítico atual. Abordamos a crise
histórica na fronteira sul do país e a aparente fragilidade — não apenas
física — do 46º presidente da nação mais poderosa do mundo no trato das
questões sensíveis e importantes com países como o Irã. O tom para as
relações internacionais do novo governo democrata já foi dado, e a
orquestra, infelizmente, parece desafinada e sem maestro.
Não
é mais nenhum mistério, tampouco especulação, que a China investe voraz
e globalmente na estratégia de se tornar o país mais influente do
planeta. E, para isso, é preciso tirar o Tio Sam da sala. É tradição na
história norte-americana que os presidentes desenvolvam suas “doutrinas”
de política externa, projetadas para refletir os desafios enfrentados
pelas relações internacionais e para propor soluções no campo
geopolítico. A prática começou com a Doutrina Monroe, em 1823, e
continuou com o corolário Roosevelt, introduzido por Theodore Roosevelt
em 1904.
A
tradição no período pós-Segunda Guerra Mundial seguiu com a Doutrina
Truman, em 1947, sob a qual os EUA forneceram apoio aos governos da
Grécia e da Turquia como parte de uma estratégia da Guerra Fria para
manter ambas as nações fora da esfera de influência soviética. Logo
depois, a história foi marcada pelas doutrinas Eisenhower, Kennedy,
Johnson, Nixon e Carter. Todas definiram as abordagens de política
externa desses presidentes em momentos desafiadores da História.
Nos
anos 1980, a Doutrina Reagan foi uma estratégia implementada pela
administração do 40º presidente para reduzir a influência global da
União Soviética no final da Guerra Fria. Sob a Doutrina Reagan, os
Estados Unidos ajudaram explícita ou extraoficialmente guerrilhas
anticomunistas e movimentos de resistência contra governos marxistas na
África, na Ásia e na América Latina. Um dos objetivos era sinalizar que
qualquer inimigo da América e do Ocidente estaria correndo riscos.
Até
presidentes considerados fracos no campo da política externa tiveram
seus dias de um Tio Sam firme, que impunha respeito. Mesmo com a
catastrófica condução no caso dos reféns na embaixada de Teerã, evento
que se arrastou por mais de quatrocentos dias (não deixe de assistir ao
filme Argo, de 2012), a administração de Jimmy Carter chegou a prover
assistência militar secreta aos mujahidins do Afeganistão. Foi um
esforço para expulsar os soviéticos do país, ou pelo menos aumentar o
custo militar e político da ocupação da URSS na região.
E
foi em 2008 que a nação que muitos consideram racista — são apenas 13%
de negros numa população de 330 milhões de habitantes — elegeu um
presidente negro. E depois o reelegeu. Com dois mandatos na Casa Branca,
Barack Obama tinha tudo para deixar um legado de sucesso. Carismático,
com excelente oratória, imagem e discursos fortes, tinha aquele ar
presidenciável. O que poderia dar errado? Tudo. Eu poderia usar de certa
diplomacia para descrever quem foi Barack Obama para os EUA e o
Ocidente, mas terei de ser direta. Barack foi uma enganação.
Como
um dos presidentes mais inclinados para a esquerda no espectro
político-ideológico da História dos Estados Unidos, Barack Obama, com
suas políticas, deixaria exultante o mais ferrenho eleitor do Psol.
Foram políticas embaladas em retóricas fofas que ajudaram a enterrar o
antigo Partido Democrata de John F. Kennedy — medidas que trouxeram à
luz do dia o cataclismo da facção de Alexandria Ocasio-Cortez e sua
turma louca da extrema esquerda.
Barack,
o sonho de consumo de todo liberal falsificado no Brasil, não passa de
um engodo mundial. Como tal, seu legado foi a passagem do bastão das
políticas vazias e fracas para o seu vice, que agora é o homem mais
poderoso do mundo. Do alto da incômoda e bizarra fragilidade e
incompetência, Joe Biden segue firme na perigosa mensagem de fraqueza
perante players geopolíticos importantes e perigosos como Irã, China, e
mesmo uma enfraquecida Rússia.
Durante
a campanha presidencial do ano passado, foi comovente o esforço
conjunto das big techs e de veículos da velha imprensa para esconder os
escândalos que envolvem Hunter Biden, filho do então candidato — dossiês
com provas consistentes indicaram relações nada republicanas entre
Hunter e autoridades da Ucrânia e da China. Já não é mais nenhum
mistério que a família Biden possui laços com empresas chinesas —
leia-se ditadura chinesa — que vão bem além do que os norte-americanos
gostariam. Mas o problema não para por aí. Esses laços amarrando as mãos
do Tio Sam?
A
China está envolvida até o pescoço com sistemáticos roubos de patentes e
direitos autorais dos EUA, viola descaradamente acordos comerciais,
manipula sua moeda, despeja produtos abaixo do custo nos mercados
mundiais. Mais: investe na guerra cibernética, expropria a tecnologia
ocidental e bloqueia informações precisas sobre as origens da covid-19.
Depois que o malcriado do Twitter se mudou da Casa Branca, nada,
absolutamente nenhum desses pontos, cruciais na atual Guerra Fria, foi
mencionado por autoridades do governo em reuniões ou coletivas de
imprensa.
A
conta para os chineses é simples: se a China distribui dinheiro, ela
acredita que é dona do destinatário. E não estamos falando apenas da
família Biden. Nos últimos cinco anos, a Universidade de Nova York
recebeu cerca de US$ 47 milhões em doações da China. O Departamento de
Educação dos Estados Unidos advertiu recentemente a Universidade de
Stanford por não ter declarado mais de US$ 64 milhões em doações de
fontes chinesas desde 2010. Não é surpresa que a China tenha enviado
recentemente um pesquisador visitante a Stanford, que acabou
identificado como agente dos militares chineses e preso pelas
autoridades federais por ter mentido em seu processo de visto e entrada
nos EUA.
A
China anda a passos largos para destruir de vez qualquer resquício de
democracia em Hong Kong, pode ter destruído a cultura do Tibete, e
comete atrocidades como colocar minorias muçulmanas em “campos de
reeducação” — na verdade, campos de concentração. Além disso, o país
discrimina sistematicamente os visitantes africanos. Cada vez que
norte-americanos preeminentes, como atletas, celebridades e atores
desmiolados, condenam os Estados Unidos por um suposto racismo, os
chineses racistas e genocidas apenas aplaudem. A China está em uma
corrida para alcançar a hegemonia global e precisa buscar uma opinião
mundial favorável até alcançar poder militar e econômico superior.
Há
duas semanas, em Anchorage, no Alasca, diplomatas chineses demoliram o
secretário de Estado, Antony Blinken, e o conselheiro de Segurança
Nacional Jake Sullivan numa reunião transmitida para todo o mundo. A
mídia fez o possível para minimizar a situação constrangedora, mas era
impossível ignorar o desrespeito demonstrado aos EUA. Desde que o
recém-eleito presidente John Kennedy foi humilhado, em 1961, na cúpula
de Viena pelo homem forte da União Soviética, Nikita Khrushchev, os
diplomatas norte-americanos não haviam sido maltratados por um governo
comunista.
Os
diplomatas chineses usaram as próprias declarações do Partido Democrata
sobre quão corrupto, racista e irremediavelmente perverso são os
Estados Unidos. A mensagem, incansavelmente repetida pela esquerda em
2020, de que os negros são rotineiramente caçados nas ruas, regularmente
mortos pelas forças policiais e que não têm direitos foi a deixa para a
bofetada chinesa. A pá de cal diplomática aconteceu depois que os
norte-americanos tentaram condenar a China por suas políticas econômicas
e abusos contra os direitos humanos, inclusive contra o grupo étnico
uigur. A China, com a calma de quem sabe quem está dando as cartas na
mesa, disse que os Estados Unidos não estão em posição de proferir
sermões. Ouch.
E,
como humilhação pouca é bobagem, numa recente entrevista ensaiada para o
canal de tevê norte-americano ABC, Joe Biden, demonstrando perturbadora
falta de conexão com o assunto em pauta, chamou o presidente russo
Vladimir Putin de “assassino” e “sem alma”. Uma coisa seria se houvesse
algum propósito por trás da declaração hostil de Biden, mas suas
palavras, ditas quase gaguejando, não pareciam vinculadas a nenhum
objetivo estratégico de política externa. Putin aproveitou ao máximo a
asneira dita pelo “para sempre vice de Obama”. Depois de algumas
reflexões filosóficas e sarcásticas sobre como Biden pode estar
projetando suas próprias incoerências no cargo, o russo disparou que os
Estados Unidos têm uma história sombria e, rapidamente, desafiou Biden
para um debate público ao vivo pela internet, completando: “E quanto
mais cedo for feito, melhor, mesmo que Biden precise de um pouco de
descanso e tempo para se preparar”.
Biden
até hoje, depois de três meses na Casa Branca, não encarou uma coletiva
de imprensa sem jornalistas previamente escolhidos com perguntadas
checadas. A eterna sombra de Obama não vai poder evitar a imprensa para
sempre. Em breve, ele terá de enfrentar reuniões improvisadas com
líderes estrangeiros. Estará preparado para a principal arena global
depois de um ano de bajulação da mídia?
A
Doutrina Biden coloca sangue na água. E os tubarões já perceberam isso.
Os norte-americanos e o mundo ainda sentirão falta do agente laranja na
Casa Branca e sua doutrina malcriada de impor respeito e paz por meio
da força.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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