Como tudo o que acontece na América Latina é visto à luz da eleição presidencial no Brasil, o caso equatoriano oferece exemplos interessantes. Vilma Gryzinski:
Não existe um Guillermo Lasso, o banqueiro que foi eleito presidente do Equador, no Brasil.
Pelo menos um prontinho, já tendo concorrido a duas eleições presidenciais, o que o tornou um nome conhecido.
Mas
a sua vitória contundente diante do candidato da esquerda bolivariana,
que já tinha marcadas as festas da vitória, encerra algumas lições para
quem quer aprender com a experiência dos outros.
Lasso
é tão de direita que pertence à Opus Dei, a organização católica
pintada, com exagero, como um bicho papão, mas que certamente tira notas
máximas em conservadorismo.
Realizou-se
profissionalmente no mundo das finanças, o que não costuma ser muito
positivo para quem disputa eleições num país pobre como o Equador – ou
até em países mais ricos, onde banqueiros não são vistos exatamente como
um modelo de popularidade.
Não
deixou, em nenhum minuto, de bater em Rafael Correa, o ex-presidente
que, tendo sido condenado por corrupção, não sai do conforto protetor da
Bélgica, país natal de sua mulher, e colocou seu próprio poste, o
economista Andrés Arauz, para representá-lo.
Arauz foi, de longe, o mais votado no primeiro turno, com quase 33%. Lasso passou raspando, com pouco mais de 19% dos votos.
Pela
lógica, Arauz seria mais um sinal de ressurreição do eixo bolivariano,
com Alberto Fernández na Argentina e Luis Arce na Bolívia, depois de
experiências muito diferentes, mas igualmente fracassadas, de governos
mais à direita.
Mas
Lasso entrou na briga disposto a se arriscar. Ou até passar por
ridículo, como no vídeo em que aparece de tênis vermelhos e muleta
(lesionou um tendão numa romaria), participando do desafio do Tik Tok ao
som de Bad, de Michael Jackson. Bombou.
“Ele
mudou completamente de estratégia”, disse ao Financial Times a analista
política Johanna Adrango. “Em vez de atacar Correa e Arauz, tentou
passar uma imagem de inclusão e fez gestos em direção de setores da
sociedade que normalmente não votariam nele”.
Lasso
foi um candidato civilizado, defendendo bandeiras que normalmente são
de esquerda, como promover um país “onde toda mulher se sinta protegida,
respeitada, cuidada, e onde membros da comunidade LGBTI sintam proteção
e respeito para que nunca mais sejam estigmatizados, discriminados, e
tenham as mesmas oportunidades de desenvolvimento profissional e
acadêmico que qualquer outro equatoriano”.
Sobre
um tema espinhoso como o aborto, disse que tem sua posição, obviamente
contra, mas está disposto a ouvir todos os equatorianos.
Como
o toque populista não pode faltar na América Latina, prometeu
empréstimos com juros a 1% e aumento progressivo do salário mínimo até
chegar a 500 dólares – o Equador é dolarizado desde o ano 2000 e nem um
esquerdista como Correa se arriscou a mexer nesse arranjo único, produto
de uma época de hiperinflação descontrolada.
Sobre
a pandemia, que tem sido pesada no Equador, usou o método Joe Biden,
prometendo vacinar nove dos 17 milhões de equatorianos em cem dias. Vai
visitar pessoalmente as farmacêuticas produtoras de vacina para negociar
a compra dos lotes.
Ganhar
eleição é uma coisa, governar é outra. Tal como está o quadro agora,
será literalmente impossível para o presidente eleito fazer qualquer
coisa que envolva o Congresso – ou seja, praticamente tudo. Seu partido
tem doze deputados na Assembleia Nacional, contra 50 do correísmo.
Já que decidiu encarar o rojão, Guillermo Lasso deve ter várias ideias sobre o que fazer numa posição tão precária.
Os
eleitores votaram, primordialmente, contra o projeto correísta, que
contava se reinstalar no poder com o desgaste de Lenín Moreno, o
presidente eleito com o apoio de Correa e, quase imediatamente, rompido
com ele.
O
modelo um candidato de esquerda e um de direita no segundo turno de uma
eleição presidencial está se repetindo no Peru, com o sindicalista
Pedro Castillo e Keiko Fujimori, a herdeira do pai a quem prometeu
indultar.
Com uma diferença importante: os Fujimori nem de longe podem ser acusados de pertencer à direita civilizada.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário