Por
uma questão no mínimo de amor-próprio, se não for por nenhum outro
motivo, a imprensa brasileira deveria mandar para o diabo as agências
que, segundo a descrição que fazem de si mesmas, têm a finalidade de
verificar se as notícias são falsas — fake, como se diz hoje — ou
verdadeiras. Por qual razão lógica, quando se pensa cinco minutos no
assunto, um órgão de imprensa precisaria recorrer a um serviço externo,
ainda que associado a ele de alguma forma, para não publicar mentiras —
um trabalho que ele próprio tem a obrigação óbvia de fazer? Um jornal,
uma emissora de tevê ou uma estação de rádio têm de garantir ao seu
público a correção das notícias que publicam. Um fabricante de margarina
garante na embalagem a qualidade do seu produto; faz isso por conta e
responsabilidade próprias, e não pede a ninguém que dê a garantia em seu
lugar. Por que a mídia acha que não precisa fazer a mesma coisa?
Veículos
de imprensa que respeitam a si mesmos sempre cuidaram de apurar por sua
própria conta, sem a ajuda e sem a autorização de ninguém, tudo aquilo
que publicam em suas páginas ou emissões. Até algum tempo atrás,
empregavam nesse trabalho os seus próprios recursos financeiros, as suas
energias e o talento dos seus profissionais. Quem “certificava” que uma
notícia era correta, e não falsa, era o veículo que a publicava, pois
isso fazia parte dos seus deveres essenciais junto aos leitores,
telespectadores e ouvintes. Um dos pontos de honra mais elementares para
um jornal, tevê ou rádio era, justamente, a sua própria palavra: “Pode
acreditar no que você lê, vê ou ouve aqui”, dizia a mídia, “porque nós
temos um nome a defender e garantimos que tudo o que é impresso ou vai
ao ar corresponde exatamente aos fatos. Se for falso, não sai; se
estiver circulando por aí, e for mentira, nós vamos dizer que é
mentira.” Nós — e não uma agência criada meia hora atrás, sem sócios
responsáveis, sem história, sem público, sem deveres legais e sem
nenhuma responsabilidade quanto à reputação de quem trabalha numa
redação.
Se
você não consegue assegurar aos próprios leitores ou audiência a
veracidade do que diz, e precisa de alguém de fora para fazer isso em
seu lugar, então você está no negócio errado; não tem condições de
cumprir com a sua obrigação mais fundamental junto ao público e, por
causa disso, torna-se uma fraude. Ao deixarem que uma agência de “fake
news” decida o que é falso ou verdadeiro no noticiário, os veículos não
apenas abandonam o seu dever de apurar — tarefa, aliás, que é plenamente
paga pelo público consumidor. Por um lado, aceitam passivamente
submeter-se ao uso de uma palavra do inglês para dizer algo que sempre
foi possível dizer no português mais básico. Por outro, estão abrindo
mão, cada vez mais, do seu patrimônio mais vital — a liberdade de
expressão. De fato é isso, liberdade de expressão, que está realmente no
centro dessa história toda.
Já
seria muito ruim para a mídia se as agências fossem neutras em suas
sentenças sobre a veracidade das notícias — mas não há nada de neutro,
nem de objetivo, nem de sincero, nem de bem-intencionado, na ação de
nenhuma das organizações que estão operando na área. Ao contrário: sua
atividade real é abertamente política. Têm propósitos definidos; nenhuma
delas tem qualquer coisa a ver com a verdade dos fatos, como se
comprova nos exemplos apresentados na reportagem de capa desta edição.
Nesses comitês de “verificação” de notícias, uma publicação
(“conteúdo”, como dizem) não é denunciada por ser falsa. É denunciada
para prejudicar o veículo ou o jornalista que a pôs em circulação — e os
vigilantes querem fazer isso em relação a qualquer informação que não
aprovem ou da qual não gostem. Não se faz “checagem” de fato nenhum; o
que as agências realmente checam são as atitudes políticas de quem
publicou a notícia. Na prática, são sistematicamente denunciadas todas
as matérias que as agências consideram de “direita”.
Quais?
Há de tudo. Estão entre elas qualquer coisa positiva que possa ser dita
sobre o governo, fotos que revelam a real extensão das queimadas na
Amazônia ou informações sobre mortos pela covid. A cloroquina está entre
os temas proibidos; tem de dizer que é ruim, obrigatoriamente, senão a
agência diz que é fake. Também não se pode dizer que um governador de
Estado deu a si próprio, por decreto, o direito de expropriar
propriedade privada, “móvel ou imóvel”, em nome do “combate à pandemia”.
É “falso”, de um modo geral, tudo o que se diga vagamente a favor de
Donald Trump, ou vagamente contra a OMS. Também não se pode dizer nada
contra a prisão ilegal de um deputado federal pelo STF, o inquérito
também ilegal deste mesmo STF sobre as “ameaças à democracia” e a
vereadora Marielle Franco. Já deu para entender, não é mesmo?
Ao
aceitarem essa submissão, os veículos sacrificam sua liberdade em troca
do “politicamente correto” — um universo sem fim que engloba todos os
mandamentos existentes ou futuros sobre racismo, feminismo, machismo
(“masculinidade tóxica”, no dialeto corrente), transgêneros,
transexuais, eliminação do feminino e do masculino na língua portuguesa,
igualdade, “distanciamento social”, agricultura familiar,
“agrotóxicos”, produtos orgânicos, incêndios no Pantanal, Jair
Bolsonaro, piadas de papagaio e mais um milhão de coisas. Quando cede a
isso tudo, a imprensa colabora com o totalitarismo. Acha que está
militando no “campo progressista”. Está apenas servindo à queima geral
das liberdades.
Mais
especificamente, no caso das agências de “checagem”, a mídia está
entregando a sua alma a um aglomerado de empresas estrangeiras — as
chamadas “big techs”, as corporações gigantes que controlam a
comunicação eletrônica no mundo inteiro, influem cada vez mais na
remuneração da mídia e censuram abertamente todo e qualquer conteúdo que
está ao alcance das suas operações. Facebook, Google, Apple e Amazon
são as forças por trás de diversas das entidades que decidem o que é
fake news no Brasil; ao ceder a elas, a imprensa está se deixando
governar por potências acima da sua própria compreensão. As big techs
não ditam os editoriais da imprensa ou as notícias do horário nobre. Não
precisam disso para mandar e ganhar dinheiro. Mas a cada vez que um
veículo permite que o seu noticiário se submeta aos birôs de
certificação da verdade, está colaborando com a mão invisível de
empresas que não têm o mais remoto interesse pela integridade da mídia
brasileira, e menos ainda pela boa informação do público que a sustenta.
Quanto
esse desastre vem da malícia, da ignorância ou da inépcia dos órgãos de
imprensa, ou de boas intenções mal executadas, é coisa que ainda vai
ser esclarecida no futuro. Por ora, o que parece certo é que o avanço
das agências de fake news deve muito, ou quase tudo, à enorme
resistência à atividade de pensar que se tornou uma das grandes marcas
da mídia brasileira de hoje. Eis aí uma verdadeira má notícia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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