Chegou a hora do jornalismo propositivo. Aquele que não se limita a mostrar os problemas, mas vai além: aponta alternativas e soluções. Carlos Alberto di Franco para o Estadão:
A
sociedade está cansada do clima de militância que tomou conta da agenda
pública. Sobra opinião e falta informação. Os leitores estão perdidos
num cipoal de afirmações categóricas e pouco fundamentadas, declarações
de “especialistas” e uma overdose de colunismo. Um denominador comum
marca o achismo que invadiu o espaço outrora destinado à informação
qualificada: radicalização e politização.
O
jornalismo reclama alguns valores essenciais: amor pela verdade, paixão
pela liberdade e uma imensa capacidade de sonhar e de inovar. Eles
resumem boa parte da nossa missão e do fascínio do nosso ofício. Hoje,
mais que nunca, numa sociedade polarizada e intolerante, precisam ser
resgatados e promovidos.
A
democracia reclama um jornalismo vigoroso e independente. Comprometido
com a verdade possível. O jornalismo de qualidade exige cobrir os fatos.
Não as nossas percepções subjetivas. Analisar e explicar a realidade.
Não as nossas preferências, as simpatias que absolvem ou as antipatias
que condenam. Isso faz toda a diferença e é serviço à sociedade.
As
redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular
para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação,
de construção da esfera pública, de mobilização da sociedade. Suscitam
debates, geram polêmicas (algumas com forte radicalização) e exercem
pressão. Mas as notícias que realmente importam, isto é, as que são
capazes de alterar os rumos de um país, são fruto não de boatos ou
meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas
resultam de um trabalho investigativo feito dentro de padrões de
qualidade, algo que deve estar na essência dos bons jornais.
Sem
jornais a democracia não funciona. O jornalismo não é antinada. Mas
também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso não
está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos.
Sua agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes:
liberdade, dignidade humana, respeito às minorias, promoção da
livre-iniciativa, abertura ao contraditório. O jornalismo sustenta a
democracia não com engajamentos espúrios, mas com a força informativa da
reportagem e com o farol de uma opinião firme, mas equilibrada e
magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da mídia.
Jornalismo
independente reclama liberdade. Não temos dono. Nosso compromisso é com
a verdade e com o leitor. Mas a reinvenção do jornalismo passa por uma
imensa capacidade de sonhar. É preciso vencer comportamentos
burocráticos, reconhecer a nossa crise e tratar de virar o jogo. O
fenômeno da desintermediação dos meios tradicionais, por exemplo, teve
precedentes que poderiam ter sido evitados, não fosse o distanciamento
da imprensa dos seus leitores, sua dificuldade de entender o alcance das
novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sua
falta de isenção informativa e certa dose de intolerância.
Os
leitores, com razão, manifestam cansaço com o tom sombrio das nossas
coberturas. É possível denunciar mazelas com um olhar propositivo.
Pensemos, por exemplo, na ignominiosa situação do saneamento básico. É
preciso reverter um quadro que agride a dignidade humana, envergonha o
Brasil e torna inviável o futuro de gerações. Não seria uma bela
bandeira, uma excelente causa a ser abraçada pela imprensa? Em vez de
ficarmos reféns do diz que diz, do blá-blá-blá inconsistente do teatro
político, das intrigas e da espuma que brota nos corredores de Brasília,
que não são rigorosamente notícia, mergulhemos de cabeça em pautas que,
de fato, ajudem a construir um País que não pode continuar olhando pelo
retrovisor.
Não
podemos viver de costas para a sociedade real. Isso não significa ficar
refém do pensamento da maioria. Mas o jornalismo, observador atento do
cotidiano, não pode desconhecer e, mais que isso, confrontar
permanentemente o sentir das suas audiências. A verdade, limpa e pura, é
que frequentemente a população tem valores diferentes dos nossos.
A
internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as
tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das
comunicações transformaram a política e mudaram o jornalismo. Queiramos
ou não. Precisamos fazer a autocrítica sobre o nosso modo de operar. Não
bastam medidas paliativas. É hora de dinamitar antigos processos e
modelos mentais. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa.
A
violência, a corrupção, a incompetência e a mentira estão aí. E devem
ser denunciadas. Não se trata, por óbvio, de esconder a realidade. Mas
também é preciso dar o outro lado, o lado do bem. Não devemos ocultar as
trevas. Mas temos o dever de mostrar as luzes que brilham no fim do
túnel. A boa notícia também é informação. A análise objetiva e profunda,
sem viés ideológico, é uma demanda dos leitores. E, além disso, é uma
resposta ética e editorial aos que pretendem tornar o jornalismo refém
da fácil cultura do negativismo.
Chegou
a hora do jornalismo propositivo. Aquele que não se limita a mostrar os
problemas, mas vai além: aponta alternativas e soluções.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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