Indicado de Donald Trump para secretário de Saúde abraça bandeiras anticientíficas tanto da direita como da esquerda
Por Natalia Pasternak
O presidente eleito Donald Trump cumpriu promessa de campanha e anunciou que vai nomear Robert Kennedy Junior (RFK Jr.) como secretário (ministro) de Saúde, com liberdade para tocar o terror e “restaurar a saúde dos EUA”. Conhecido por suas posições abertamente antivacinas, RFK Jr não se limita a isso. Promete entrar em guerra com a agência regulatória de medicamentos e alimentos (FDA), por sua “supressão agressiva de psicodélicos, peptídeos, células tronco, leite cru, terapia hiperbárica, compostos quelantes, ivermectina, hidroxicloroquina, vitaminas, comida ‘limpa’ (provavelmente quer dizer orgânica), luz solar, exercício físico, nutracêuticos e qualquer coisa que não possa ser patenteada pela indústria farmacêutica”, proclamou o futuro secretário em sua conta na rede X.
Prometeu também banir pesticidas, que afirma serem disruptores endócrinos e, portanto, causadores de disforia de gênero em crianças. Falou contra os ultraprocessados, defende alimentação natural e medicina alternativa. Em diversos aspectos, podia ser, no Brasil, ídolo tanto do Conselho Federal de Medicina quanto do MST.
É curioso notar que RFK Jr não tem pseudociência favorita. Abraça todas. Como pesquisadora e autora de livros e artigos científicos sobre pseudociência, já escrevi muito, inclusive nesta coluna, sobre como não existe ideologia política totalmente contra ou a favor da ciência. Cada uma tem, de acordo com a conveniência e os modismos do momento, suas pseudociências de estimação. A própria pauta antivacinas, hoje prevalente à direita, já foi uma pauta forte da esquerda “New Age” dos anos 1970.
Se você se identifica com alguma ideologia política, , existe uma chance nada desprezível de que certas pautas propostas por RFK Jr. sejam também da sua tribo. Para a direita bolsonarista, a apologia antivacinas e o apoio a medicamentos como ivermectina e hidroxicloroquina podem ser atraentes. Para a esquerda “natureba”, banir pesticidas e alimentos ultraprocessados é ideia aplaudida de maneira igualmente acrítica e amalucada.
A ideia de que pesticidas são disruptores endócrinos não é uma alegação exclusiva de RFK Jr. A esquerda já promove esta pauta há muito tempo. Apenas os efeitos alegados são diferentes: para a direita paranoica, os pesticidas estão transformando as criancinhas em transexuais; para a esquerda, causam câncer e problemas de fertilidade. Cada lado, enfim, projeta seus fantasmas no mesmo bode expiatório.
Pesticidas precisam ser bem regulamentados e, principalmente, duramente fiscalizados na sua aplicação. Mas pesticidas não são todos iguais, e precisam ser avaliados caso a caso. O mesmo para ultraprocessados. Não dá para equiparar o dano – já comprovado – causado por alimentos entupidos de sódio e açúcar com um pacote de pão integral rico em fibras, ou um pote de iogurte grego. Banir tudo é tão irresponsável e anticientífico quanto liberar tudo.
Nenhuma das pautas defendida por RFK Jr encontra respaldo científico. Mas muitas encontram respaldo ideológico à esquerda e à direita.
O que talvez impeça RFK Jr de assumir o cargo (ele precisa ser confirmado pelo Senado) é justamente sua consistência. Ele é um pseudocientista ecumênico. Atacado à esquerda pelas barbaridades que diz sobre vacinas e sexualidade, também assusta a indústria farmacêutica, com seu discurso amalucado de curas naturais para tudo e desmonte da FDA: ironicamente, a saúde dos americanos pode acabar sendo salva pelo lobby parlamentar da Big Pharma. Enquanto isso, alas radicais da esquerda e da direita no mundo todo continuam apaixonadas por suas pseudociências de estimação, sem se importar nem um pouco com as evidências inconvenientes.
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