Tem-se a impressão de que os ministros vivem inebriados com o poder e seduzidos pela vaidade. Artigo de Carlos Alberto Di Franco para o Estadão:
O
noticiário cotidiano, pautado pela crescente polarização da sociedade
brasileira, não tem dado o devido destaque a alguns fatos de extrema
gravidade. Ficamos, todos, imersos no show político de Brasília e não
vamos fundo no registro e na análise de acontecimentos que, aos poucos,
vão minando os pilares da democracia brasileira. Refiro-me,
especificamente, aos sucessivos e preocupantes desvios do Supremo
Tribunal Federal (STF).
O
último deles mostrou que a Corte já não se dá ao trabalho de guardar as
aparências. Tudo é feito às claras, com arrogância daqueles que se
consideram estar acima de tudo. Uma decisão do STF tomada por meio do
plenário virtual, sem transmissão pela TV Justiça, enterrou qualquer
possibilidade de investigação contra um de seus ministros, Dias Toffoli.
Como se sabe, o ministro Edson Fachin já havia negado liminarmente
autorização para a Polícia Federal investigar a denúncia, feita pelo
ex-governador Sérgio Cabral, de que Toffoli teria vendido sentenças
quando era presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Pois bem, o
plenário da Corte decidiu anular a delação toda, que Fachin, ele mesmo,
havia homologado no início de 2020. O pedido de anulação veio da
Procuradoria-Geral da República (PGR), que não participou do acordo de
colaboração premiada.
Toffoli
negou as acusações e a argumentação da PGR foi aceita por sete
ministros e rejeitada por quatro. Não vou discutir aqui os malabarismos
processuais e técnicos que embasaram as alegações da PGR. Destaco, com
indignação e em caixa alta, o verdadeiro escândalo que, a meu ver, não
recebeu o destaque devido: o de um magistrado que não se declara
suspeito e vota em causa própria. Como salientou editorial do jornal
Gazeta do Povo, “ao votar em um julgamento cujo resultado lhe
interessava diretamente, Toffoli diz ao Brasil que os ministros do
Supremo realmente consideram estar acima de tudo”.
Diz
o artigo 252 do Código de Processo Penal que “o juiz não poderá exercer
jurisdição no processo em que (...) IV – ele próprio ou seu cônjuge ou
parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro
grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito” – e era
clamoroso o interesse de Dias Toffoli no sepultamento da delação de
Cabral.
O
ministro Marco Aurélio Mello criticou o colega em entrevista ao portal
UOL: “No lugar dele (Toffoli), teria me declarado impedido (...). Julgar
em causa própria é a pior coisa para o juiz. Eu esperava que ele saísse
do processo”, afirmou o decano da Corte. “Por isso é que o Supremo hoje
em dia quase não é levado a sério. Isso é péssimo em termos
institucionais. Perde a instituição. Não estou atacando o colega. Estou
defendendo a instituição que integro”, comentou Marco Aurélio.
A
atitude de Dias Toffoli não inaugura o placar do jogo surreal. Quando
há interesses em campo, suspeições viram regras abstratas e fictícias.
Dias Toffoli vota pela anulação de uma delação que poderia, e deveria,
levá-lo a ser alvo de investigações, assim como também votou no
julgamento do mensalão, ainda que seu ex-chefe José Dirceu fosse um dos
réus; da mesma forma, Gilmar Mendes já mandou soltar um empresário do
setor de transportes carioca, mesmo sendo padrinho de casamento da filha
do investigado. Mas a mesma Corte, de costas para os fatos e para a
sociedade, declarou uma suspeição, sem base nem nos fatos nem no direito
processual, contra o ex-juiz Sergio Moro. E la nave và.
Não
me canso de reafirmar meu respeito pelo Supremo Tribunal Federal
enquanto instituição essencial da República. No entanto, as instituições
não são abstrações. Encarnam nas pessoas que as compõem. A
credibilidade da Corte depende, e muito, das atitudes de seus
integrantes. É a base da legitimidade. Perdida a credibilidade,
queiramos ou não, abre-se perigoso atalho para o questionamento da
legitimidade. O STF, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer
sua credibilidade. É hoje, lamentavelmente, uma das instituições com
maior rejeição. E isso é um grave risco para a democracia. Já passou da
hora de os ministros saírem da bolha da arrogância e fazerem uma séria e
honesta autocrítica. A sociedade está farta de inúmeras decisões do
STF. E a instituição, goste ou não, está mergulhada em gravíssima crise
de imagem.
O
Supremo Tribunal Federal tem ultrapassado todos os limites nas suas
enviesadas leituras da Constituição, do Direito e dos fatos. Tem-se a
impressão de que os ministros, protegidos pelo ambiente rarefeito da
Corte, perderam a conexão com o mundo real. Vivem inebriados com o poder
e seduzidos pela vaidade.
A
higienização da ficha suja de Lula e a condenação de Moro configuram um
sistema de governo imprevisto na Constituição republicana: a ditadura
do Poder Judiciário. Como já disse neste espaço opinativo, acho difícil,
muito difícil, que a imensa maioria da sociedade brasileira, honrada,
trabalhadora e sacrificada, aceite viver sob uma tutela injusta e
arbitrária. Cabe à sociedade, com vigor e firmeza, pressionar o Senado
para o necessário e urgente realinhamento e a superação dos desvios do
Supremo Tribunal.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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