O regime da Coreia do Norte concentra críticas na influência cultural que vem da Coreia do Sul - e não deixa, a seu modo delirante, de ter razão. Vilma Gryzinski:
Não
existe força mais poderosa do que o soft power, o poder da cultura em
suas muitas manifestações, inclusive as mais populares. É por isso que,
entre tantas maluquices indecifráveis, a campanha de Kim Jong-un contra
as influências “antissocialistas e não-socialistas” vindas do exterior
faz sentido.
O
alvo é a a cultura pop sul-coreana, conhecida no exterior
principalmente pelas bandas de meninos bonitinhos que propagaram por
todo mundo o K-pop, o estilo de música bem-comportada que, para o regime
norte-coreano, é um “câncer maligno”.
Se
um pobre norte-coreano ficar em dúvida, logo o regime mais totalitário
do mundo vai esclarecer que a influência maléfica se manifesta em
“roupas, cortes de cabelo, falas, comportamentos”.
Tudo
isso propagado por novelas, séries e clips musicais com seu efeito
“intoxicante”. Segundo o serviço de inteligência sul-coreano, foram
introduzidas novas leis segundo as quais o ato altamente subversivo de
ter um vídeo de um grupo como BTS ou Super Junior pode render pena de
morte.
O
site sul-coreano Daily NK, que acompanha os acontecimentos no norte,
disse que três adolescentes foram enviados a um campo de reeducação por
cortar o cabelo como os ídolos do K-pop e usar calças com barra acima do
tornozelo.
Desertores
que fugiram desse talibã comunista contam como reagiram nas primeiras
vezes em que viram vídeos proibidões: espantaram-se ao descobrir que, ao
contrário da propaganda constante do regime, os sul-coreanos não apenas
não viviam em “andrajos como mendigos”, mas pareciam muito bem de vida.
E
bem alimentados – apesar de, potencialmente, enfrentarem até uma doença
da abundância como a anorexia, pelas exigências para que os cantores
mantenham a aparência juvenil mesmo depois de passada a adolescência.
Uma
das integrantes do Oh My Girl, Shin Hyejin, largou o grupo depois de
sofrer do distúrbio psicológico-alimentar. Ela conta que chegou a perder
dez quilos nos regimes coletivos que o grupo fazia antes de turnês.
Perder
peso, ironicamente, é um problema que as estrelas do K-pop poderiam
partilhar com o homem que quer varrê-las da face da Coreia do Norte.
Kim
Jong-un, que tem frequentemente desaparecido durante semanas de
atividades públicas, também tem perdido peso. Da última vez que
reapareceu, no começo do mês, estava visivelmente mais magro.
Especialistas em “kiminologia” chegaram a notar que a pulseira de seu
relógio suíço predileto, um IWC Schaffsausen Portofino, modelo de 12 mil
dólares, estava mais apertada.
Embora
tenha apenas 37 anos, Kim pode ter herdado do pai, junto com o poder, a
tendência a problemas cardíacos, agravados pelos 140 quilos que chegou a
pesar. Seus sumiços sempre provocam especulações sobre alguma doença
grave.
O
pai, Kim Jong-il, também entendia o poder cultural da Coreia do Sul e
chegou a praticar um dos mais alucinados crimes políticos de todos os
tempos: mandou sequestrar em Hong Kong sua atriz preferida, a
sul-coreana Choi Eun-Hee, e, seis meses depois, o ex-marido dela, o
diretor Shin Sang-Ok.
Embora
prisioneiros, eram tratados com o luxo possível num país como a Coreia
do Norte e fizeram vários filmes a serviço – forçado – do regime. Em
1986, a pretexto de fazer uma entrevista em Viena para um filme sobre
Gengis Khan, conseguiram fugir do hotel e pedir asilo na embaixada
americana.
Como
tantas outras coisas na Coreia do Norte, a história soa tão
inverossímil que parece ter sido inventada. Durante muito tempo, por
exemplo, foi considerado que era uma teoria conspiratória o sequestro
aleatório de cidadãos japoneses, levados de submarino para a Coreia do
Norte. Mas era verdade.
Entre
outras coisas, os infelizes serviam para ensinar a língua e os costumes
para agentes da escola de espionagem que seriam infiltrados no Japão.
Num momento de abertura com o Japão, Kim Jong-il chegou a pedir
desculpas pelos sequestros praticados por “algumas pessoas que queriam
mostrar seu heroísmo”.
Os rapazes do BTS que se cuidem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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