Só nos Ursinhos Carinhosos o Amor e a Coragem dão os bracinhos contra o mal e fazem sair um belo arco-íris de suas barriguinhas. É coisa de criança. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
UFBA
é anagrama de bufa. É algo que salta aos olhos quando se recebe o
boletim institucional de divulgação, o Edgard Digital. Lá mesmo, fiquei
sabendo que o reitor participou de uma live promovida por uma pequena
editora baiana. Algum burocrata pago por nós assistiu a esse evento
não-institucional e redigiu um release que diz:
“O
reitor criticou o negacionismo, obscurantismo e embrutecimento, o
estímulo a uma guerra de todos contra todos e a destruição das
instituições, ao que contrapôs a defesa de valores universais, como
educação, ciência, solidariedade, democracia, respeito à diversidade,
defesa do meio ambiente e da vida. ‘Valores universais estão sendo
ameaçados’, alertou.” Por isso, a UFBA faria um ato virtual “contra a
barbárie”.
Você
é contra a solidariedade e a vida? Eu, não. Você é a favor do
obscurantismo e do embrutecimento? Eu também não, nem conheço quem
assuma tal postura. Afinal, pode-se dizer que tais valores são
universais, como diz o próprio reitor. Logo, quem os ameaça está para
além de Marte, lá fora do universo.
É
óbvio que existe gente ruim que defende ideias ruins, mas até um
nazista diria estar a favor da solidariedade (entre arianos) e da vida
(dos arianos). O diabo mora nos detalhes e na maneira de compreender as
coisas. Só em episódio dos Ursinhos Carinhosos o Amor e a Coragem dão os
bracinhos contra o mal e fazem sair um belo arco-íris de suas
barriguinhas. É coisa de criança. Impressiona a infantilidade do
universo moral da corporação acadêmica.
A ópera bufa
Como
é um ato online? Primeiro de tudo, cria-se um site, e lá está o
contraabarbarie.ufba.br. O site é bem feito; o material de divulgação
conta com um bom designer. Bem ao estilo soviético, que já gosta de
abaixo-assinados, junta-se uma pá de nomes das artes para conferir
brilho ao evento. Mas, ao estilo ancien régime, a coisa tem jeito de
coluna social, pois consta a imagem de gente de família nobre, como Bela
Gil. Sim, a imagem de Bela Gil está lá, com um balãozinho onde se lê:
“A universidade é a via pela qual vislumbramos o nosso futuro e o futuro
não pode ser roubado do povo. Viva educação pública” (sic).
Gabriel
Sestrem, abnegado jornalista da editoria Vida e Cidadania desta Gazeta
do Povo, assistiu ao ato e contou aqui. E contou até como a ex-prefeita
Lídice da Mata posa de virtuosa guerreira contra o genocídio (quem é a
favor de genocídio?). Ela tinha dado uma sumida depois de se revelar que
era a Feia na planilha da Odebrecht. A reportagem termina com a
"não-informação" que eu buscava: “A Gazeta do Povo contatou a UFBA e
questionou a instituição a respeito do tamanho do déficit estimado em
seu orçamento para 2021, bem como quanto à existência ou não de recursos
públicos na organização do evento. Não houve retorno até a publicação
da reportagem. As informações serão acrescentadas se forem enviadas pela
universidade.”
Estudantes comprados
Em
seu perfil no Facebook, o jornalista baiano Luís Guilherme Pontes
Tavares, que assistiu ao evento ao vivo, tirou uma foto da tela
registrando 3.722 espectadores e relatou que, durante a maior parte do
tempo, a audiência era de 5 mil. (No link do Youtube em que constam as
quase três horas de transmissão, a contagem de visualizações dá mais de
30 mil, porque conta cada clique como visualização.)
Eu
já acho trinta mil pouco, dado que eles pretendem ter feito uma
mobilização nacional em nome da utilidade pública. Mas, em se tratando
de um evento na verdade sindical, com divulgação prévia apenas na mídia
baiana, 5 mil é até muito.
E
isso me lembrou o estereótipo do aluno da UFRB aqui em Cachoeira. (A
UFRB surgiu como um desmembramento da UFBA e tem campus na minha
cidade.) No bar, os nativos descrevem o aluno da UFRB como o riquinho
que vem de Salvador, tem a moradia bancada pelos pais e drogas bancadas
pelo dinheiro que a universidade dá. Perguntados, dizem que os alunos
recebem um monte de bolsa e auxílio e ficam usando drogas na praça, na
frente de todo mundo. Como me mudei na pandemia, não vejo alunos da
UFRB, porque eles voltaram para Salvador. Os nativos continuam
detestando o alunado, mas a coisa melhorou bastante desde a criação do
campus. No começo, os alunos se sentiam à vontade para pichar igrejas
tombadas e chamar isso de liberdade de expressão.
Além
disso, eu tinha visto que a UFBA usa a Pró-Reitoria de Assistência
Estudantil (PROAE) para criar bolsas de orçamento próprio e dá-las aos
militantes. Não podia ser descrito de outra maneira o Projeto Aceita,
que remunerava os alunos para fazerem rodas de conversa, formulário no
Google e aventarem um banheiro para todos os gêneros.
Pois
muito bem. A UFBA continua alocando dinheiro na PROAE para ser
destinado à remuneração de militantes. Em vez de Projeto Aceita, agora é
Sankofa, existente desde 2019, cujo edital pode ser lido aqui. Resumo:
90 bolsas de 400 reais, com cota pra travesti. Isso dá 432 mil reais em
um ano só de bolsa, fora os auxílios. O edital informa ser proibido
somar bolsa, mas permitido somar auxílio, desde que não ultrapasse o
teto de um salário mínimo e meio. Este ano, foram selecionados 63
bolsistas para o Sankofa.
A
UFBA vem pagando para ter estudantes-militantes e cria no alunado a
perspectiva de receber compensações financeiras por sua mobilização
política. Por isso é que o ato teve tanta visualização: os estudantes
estão comprados. Questões orçamentárias impactam diretamente no bolso
deles.
Em busca do orçamento
Como
vimos, a UFBA não informou à Gazeta do Povo dados orçamentários. Eu
também escrevi, via sistema (descobri que existe um tal de esic.gov.br),
pedindo o orçamento da PROAE. Necas.
No
entanto, existem duas fontes. Uma é a pró-reitora da PROAE, que
resolveu dizer números ao portal Metro1. Aí ela diz que a UFBA destina,
em 2021, 28 milhões de reais à PROAE, e que destinara 35 milhões em
2020. Diz também que o orçamento de 2021 recebeu um corte de 18,7% em
relação a 2020, consistindo esses 18,7% em 30,49 milhões. Por aí tira-se
o orçamento. Arredondando estes números, temos que um quinto (20%) do
orçamento de 2020 era 30 milhões. Assim, os 100% de 2020 seriam 150
milhões. Subtraído um quinto, dá um orçamento de 120 milhões para 2021.
Mas,
porém, contudo, entretanto, se formos ao Portal Transparência, vemos
que o orçamento previsto para a UFBA é de quase dois bilhões, dos quais
foram executados 510,68 milhões. Se a previsão é de quase dois bilhões
para o ano inteiro, meio bilhão para metade do ano é indício de corte.
Quem é responsável pela previsão eu não sei.
Vamos
a mais detalhes. Uma coisa que se diz ser problemática para as finanças
das universidades é a Previdência. Aquelas aposentadorias integrais da
época em que o salário já era mais alto entram no orçamento das federais
antigas, caso da UFBA. Mas eis que a planilha discrimina o que é gasto
com previdência: foi de 196 milhões, com previsão de 650 milhões para o
ano inteiro. Não é fatia pequena, mas, levando-se em conta a idade da
UFBA, não é tão grande. Eu imaginava que fosse mais da metade.
O
item que mais teve gastos foi “educação”: 314 milhões, com previsão de
1,15 bilhão. O que é educação? Aí reside outra dificuldade. São alocadas
como educação coisas tão diversas quanto a compra de material
hospitalar para lidar com a Covid ( que, aliás, teve um gasto igual a
zero e a assistência médica e odontológica de servidores (que custou
11,4 milhões).
Não tem nada a ver com ciência
Apesar
do portal transparência, o orçamento da UFBA é um mistério. Ao que
parece, serve somente de transferência de renda: a maior parte sai dos
bolsos do contribuinte direto para o dos servidores e, agora, alunos.
As
federais dizem que o corte no seu orçamento afeta a ciência. É mentira.
O fomento da ciência vem das agências: CAPES, CNPq, FAPESP, FAPERJ,
FAPESB, etc. O CNPq nem sequer está na alçada do MEC; é do MCTI. O
dinheiro das agências vai direto para os programas de pós sem passar
pelos cofres das universidades e contempla também a pesquisa de
universidades privadas.
A
reitoria da UFBA não se mexe para captar recursos. Um professor da
Universidade Federal da Bahia não paga nem estacionamento. E os
sindicalistas ainda querem mais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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