quinta-feira, 20 de maio de 2021

Ópera bufa: como a UFBA se transformou em fábrica de estudantes-militantes.



Só nos Ursinhos Carinhosos o Amor e a Coragem dão os bracinhos contra o mal e fazem sair um belo arco-íris de suas barriguinhas. É coisa de criança. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:


UFBA é anagrama de bufa. É algo que salta aos olhos quando se recebe o boletim institucional de divulgação, o Edgard Digital. Lá mesmo, fiquei sabendo que o reitor participou de uma live promovida por uma pequena editora baiana. Algum burocrata pago por nós assistiu a esse evento não-institucional e redigiu um release que diz:

“O reitor criticou o negacionismo, obscurantismo e embrutecimento, o estímulo a uma guerra de todos contra todos e a destruição das instituições, ao que contrapôs a defesa de valores universais, como educação, ciência, solidariedade, democracia, respeito à diversidade, defesa do meio ambiente e da vida. ‘Valores universais estão sendo ameaçados’, alertou.” Por isso, a UFBA faria um ato virtual “contra a barbárie”.

Você é contra a solidariedade e a vida? Eu, não. Você é a favor do obscurantismo e do embrutecimento? Eu também não, nem conheço quem assuma tal postura. Afinal, pode-se dizer que tais valores são universais, como diz o próprio reitor. Logo, quem os ameaça está para além de Marte, lá fora do universo.

É óbvio que existe gente ruim que defende ideias ruins, mas até um nazista diria estar a favor da solidariedade (entre arianos) e da vida (dos arianos). O diabo mora nos detalhes e na maneira de compreender as coisas. Só em episódio dos Ursinhos Carinhosos o Amor e a Coragem dão os bracinhos contra o mal e fazem sair um belo arco-íris de suas barriguinhas. É coisa de criança. Impressiona a infantilidade do universo moral da corporação acadêmica.

A ópera bufa

Como é um ato online? Primeiro de tudo, cria-se um site, e lá está o contraabarbarie.ufba.br. O site é bem feito; o material de divulgação conta com um bom designer. Bem ao estilo soviético, que já gosta de abaixo-assinados, junta-se uma pá de nomes das artes para conferir brilho ao evento. Mas, ao estilo ancien régime, a coisa tem jeito de coluna social, pois consta a imagem de gente de família nobre, como Bela Gil. Sim, a imagem de Bela Gil está lá, com um balãozinho onde se lê: “A universidade é a via pela qual vislumbramos o nosso futuro e o futuro não pode ser roubado do povo. Viva educação pública” (sic).

Gabriel Sestrem, abnegado jornalista da editoria Vida e Cidadania desta Gazeta do Povo, assistiu ao ato e contou aqui. E contou até como a ex-prefeita Lídice da Mata posa de virtuosa guerreira contra o genocídio (quem é a favor de genocídio?). Ela tinha dado uma sumida depois de se revelar que era a Feia na planilha da Odebrecht. A reportagem termina com a "não-informação" que eu buscava: “A Gazeta do Povo contatou a UFBA e questionou a instituição a respeito do tamanho do déficit estimado em seu orçamento para 2021, bem como quanto à existência ou não de recursos públicos na organização do evento. Não houve retorno até a publicação da reportagem. As informações serão acrescentadas se forem enviadas pela universidade.”

Estudantes comprados

Em seu perfil no Facebook, o jornalista baiano Luís Guilherme Pontes Tavares, que assistiu ao evento ao vivo, tirou uma foto da tela registrando 3.722 espectadores e relatou que, durante a maior parte do tempo, a audiência era de 5 mil. (No link do Youtube em que constam as quase três horas de transmissão, a contagem de visualizações dá mais de 30 mil, porque conta cada clique como visualização.)

Eu já acho trinta mil pouco, dado que eles pretendem ter feito uma mobilização nacional em nome da utilidade pública. Mas, em se tratando de um evento na verdade sindical, com divulgação prévia apenas na mídia baiana, 5 mil é até muito.

E isso me lembrou o estereótipo do aluno da UFRB aqui em Cachoeira. (A UFRB surgiu como um desmembramento da UFBA e tem campus na minha cidade.) No bar, os nativos descrevem o aluno da UFRB como o riquinho que vem de Salvador, tem a moradia bancada pelos pais e drogas bancadas pelo dinheiro que a universidade dá. Perguntados, dizem que os alunos recebem um monte de bolsa e auxílio e ficam usando drogas na praça, na frente de todo mundo. Como me mudei na pandemia, não vejo alunos da UFRB, porque eles voltaram para Salvador. Os nativos continuam detestando o alunado, mas a coisa melhorou bastante desde a criação do campus. No começo, os alunos se sentiam à vontade para pichar igrejas tombadas e chamar isso de liberdade de expressão.

Além disso, eu tinha visto que a UFBA usa a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (PROAE) para criar bolsas de orçamento próprio e dá-las aos militantes. Não podia ser descrito de outra maneira o Projeto Aceita, que remunerava os alunos para fazerem rodas de conversa, formulário no Google e aventarem um banheiro para todos os gêneros.

Pois muito bem. A UFBA continua alocando dinheiro na PROAE para ser destinado à remuneração de militantes. Em vez de Projeto Aceita, agora é Sankofa, existente desde 2019, cujo edital pode ser lido aqui. Resumo: 90 bolsas de 400 reais, com cota pra travesti. Isso dá 432 mil reais em um ano só de bolsa, fora os auxílios. O edital informa ser proibido somar bolsa, mas permitido somar auxílio, desde que não ultrapasse o teto de um salário mínimo e meio. Este ano, foram selecionados 63 bolsistas para o Sankofa.

A UFBA vem pagando para ter estudantes-militantes e cria no alunado a perspectiva de receber compensações financeiras por sua mobilização política. Por isso é que o ato teve tanta visualização: os estudantes estão comprados. Questões orçamentárias impactam diretamente no bolso deles.

Em busca do orçamento

Como vimos, a UFBA não informou à Gazeta do Povo dados orçamentários. Eu também escrevi, via sistema (descobri que existe um tal de esic.gov.br), pedindo o orçamento da PROAE. Necas.

No entanto, existem duas fontes. Uma é a pró-reitora da PROAE, que resolveu dizer números ao portal Metro1. Aí ela diz que a UFBA destina, em 2021, 28 milhões de reais à PROAE, e que destinara 35 milhões em 2020. Diz também que o orçamento de 2021 recebeu um corte de 18,7% em relação a 2020, consistindo esses 18,7% em 30,49 milhões. Por aí tira-se o orçamento. Arredondando estes números, temos que um quinto (20%) do orçamento de 2020 era 30 milhões. Assim, os 100% de 2020 seriam 150 milhões. Subtraído um quinto, dá um orçamento de 120 milhões para 2021.

Mas, porém, contudo, entretanto, se formos ao Portal Transparência, vemos que o orçamento previsto para a UFBA é de quase dois bilhões, dos quais foram executados 510,68 milhões. Se a previsão é de quase dois bilhões para o ano inteiro, meio bilhão para metade do ano é indício de corte. Quem é responsável pela previsão eu não sei.

Vamos a mais detalhes. Uma coisa que se diz ser problemática para as finanças das universidades é a Previdência. Aquelas aposentadorias integrais da época em que o salário já era mais alto entram no orçamento das federais antigas, caso da UFBA. Mas eis que a planilha discrimina o que é gasto com previdência: foi de 196 milhões, com previsão de 650 milhões para o ano inteiro. Não é fatia pequena, mas, levando-se em conta a idade da UFBA, não é tão grande. Eu imaginava que fosse mais da metade.

O item que mais teve gastos foi “educação”: 314 milhões, com previsão de 1,15 bilhão. O que é educação? Aí reside outra dificuldade. São alocadas como educação coisas tão diversas quanto a compra de material hospitalar para lidar com a Covid ( que, aliás, teve um gasto igual a zero e a assistência médica e odontológica de servidores (que custou 11,4 milhões).

Não tem nada a ver com ciência

Apesar do portal transparência, o orçamento da UFBA é um mistério. Ao que parece, serve somente de transferência de renda: a maior parte sai dos bolsos do contribuinte direto para o dos servidores e, agora, alunos.

As federais dizem que o corte no seu orçamento afeta a ciência. É mentira. O fomento da ciência vem das agências: CAPES, CNPq, FAPESP, FAPERJ, FAPESB, etc. O CNPq nem sequer está na alçada do MEC; é do MCTI. O dinheiro das agências vai direto para os programas de pós sem passar pelos cofres das universidades e contempla também a pesquisa de universidades privadas.

A reitoria da UFBA não se mexe para captar recursos. Um professor da Universidade Federal da Bahia não paga nem estacionamento. E os sindicalistas ainda querem mais.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

 

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