Há mentira e má-fé no jornalismo? Há. De ingênuo eu só tenho a cara e o jeito de andar. Via Gazeta, a crônica de Paulo Polzonoff Jr.:
Costumo
dizer que começo a trabalhar antes mesmo de acordar. E é verdade.
Acordo antes do despertador, por volta das 5h30, e fico olhando para o
teto, invariavelmente rascunhando o que pretendo escrever ao longo do
dia. É minha hora mais criativa. Sem quaisquer filtros, eu me permito
pensar nas frases mais absurdas, daquelas de dar nó na cabeça do leitor.
Mas
daí acordo e aos poucos vou me lembrando de que o leitor cotidiano não
quer que um estranho mexa demais com sua cabeça. Que é preciso certa
disposição para se deixar levar pela mão por um raciocínio labiríntico –
e que essa disposição é rara (daí porque Jorge Luis Borges desperta
tanta repulsa). Que a imaginação firmou um diabólico pacto com a
realidade, que a escravizou. E quase sempre desisto.
Tomo
banho. Dou comida para a Catota. Faço café. Levo bronca porque derramei
leite pela cozinha inteira. Me sento à mesa e ali chafurdo no caldeirão
de ressentimentos das redes sociais à procura do que em jornalismo
chamamos de “gancho”, isto é, um fato muito concreto que possa ser usado
para elucubrações um pouco mais abstratas e coloridas.
Logo
de cara me deparo com um link para a coluna dominical de Miriam Leitão.
O tuíte diz o seguinte: ”Na disputa entre Lula e Bolsonaro só há um
extremista: Bolsonaro. Repito o que disse em 2018: o PT jogou o jogo
democrático e Bolsonaro quer cancelar a democracia”. Por um instante,
nutro a esperança de que seja uma brincadeira, um jogo de palavras, uma
provocação para “tirar o leitor da zona de conforto” – ou qualquer outra
desculpa do tipo.
Mas
não. É nisso que Miriam Leitão parece acreditar. E acreditar a ponto de
se expor à fúria de um leitor que não se contenta mais em ler o jornal
em silêncio, enquanto mergulha o pão francês no café com leite. Um
leitor que precisa expor sua indignação com o máximo de pontos de
exclamação possível. Um leitor que se julga vítima da opinião alheia –
por mais inócuas que sejam as palavras.
Penso,
por um instante, em convidar o leitor a uma reflexão sobre o papel dos
traumas pessoais nas análises políticas. “Mas hoje em dia quem é que tem
tempo para refletir, Paulo?”, me pergunta o anjinho no ombro direito,
me pegando pela mão e me ajudando a contornar a armadilha. No ombro
esquerdo, porém, o diabinho é mais sedutor. “Vai lá, argumenta que ela
escreve essas coisas porque foi torturada pelo Estado e que essa é uma
experiência inalcançável para a maioria das pessoas. Se joga!”, diz ele,
como se cunhasse um slogan publicitário genial.
Aí
lembro que, recentemente, fui chamado de corporativista. Logo eu que
tenho aversão a quem se define pela profissão – ainda mais a de
jornalista. E tudo porque andei dizendo que “não gosto de ficar falando
mal do trabalho de jornalistas”. E não gosto mesmo.
Minha
motivação para isso não tem nada a ver com o espírito de corpo. Aliás,
que fique registrado aqui: sinto nojo da ética sindicalista. Na verdade,
minha hesitação em falar do trabalho alheio tem a ver com um princípio
que tento aplicar a todo mundo em todas as profissões: a de que as
pessoas, por mais que errem e por mais que eu possa discordar de suas
ideias, estão tentando fazer sempre o seu melhor.
“Até
Míriam Leitão?”, me perguntará alguém. Até ela. Até Glenn Greenwald.
Até Ruy Castro e Hélio Schwartsman, que já foram temas de colunas por
aqui. Até João Paulo Cuenca (acho) e Pondé. Até Marcia Tiburi. Se
calhar, até Felipe Neto está fazendo o seu melhor, em que se pese o fato
de o melhor dele ser chamar a atenção com ideias rasas e coloridas para
crianças de todas as idades.
Há
mentira e má-fé no jornalismo? Há. De ingênuo eu só tenho a cara e o
jeito de andar. Mas, nos casos em que identifico má-fé e a prática
sistemática da mentira, minha estratégia é simples e eficiente: imagino
como deve ser triste a vida do jornalista mais militante, esse para o
qual é insuportável conviver com as diferenças e que precisa correr para
as redes sociais para registrar sua indignação, esse para quem o mundo é
um lugar hostil, cheio de conservadores maus e progressistas que só
querem espalhar o amor, esse que se considera o ombudsman do mundo. O
castigo pelo pecado é o próprio pecado, diria alguém – e eu seria
obrigado a concordar.
Ainda
é cedo. Tomado pela melancolia matutina de quem sabe que elementos
externos influenciam tanto a emissão quanto a recepção das palavras que
escrevo rindo, mas que não raro são lidas por pessoas para as quais o
jantar de ontem não caiu muito bem, ligo para meu editor. “Desculpe, mas
não vai ter coluna hoje”, digo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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