O Descobrimento do Brasil, de certa forma, começou, como um grão de mostarda, nas montanhas das Astúrias, com Pelágio e seu pequeno bando. Gabriel de Arruda Castro para a Gazeta do Povo:
O
Brasil só existe por causa de Portugal. Portugal só existe por causa da
Reconquista Ibérica. E a Reconquista Ibérica começou pela ousadia de um
nobre praticamente esquecido fora da Espanha: Pelágio das Astúrias.
Além da importância histórica, a batalha mais famosa liderada por ele,
diante de um exército inimigo muito mais numeroso, ficou marcada como um
episódio de heroísmo comparável ao dos famosos 300 de Esparta.
Em
711, mouros (originários do norte da África) haviam conseguido
ingressar na Península Ibérica, na trágica batalha de Guadalete. Por
meio da força, mas também da cooptação e da hábil exploração das
rivalidades locais entre cristãos, eles haviam avançado tão rapidamente
que, menos de dez anos depois, restava apenas uma estreita faixa de
terra ao norte sob o comando de tropas cristãs rebeldes. Em uma região
pouco habitada e de difícil acesso, elas obedeciam ao comando de Dom
Pelágio, ou Pelágio das Astúrias.
Batalha de Covadonga
A
Batalha de Covadonga, que eternizou Pelágio e seus soldados, ocorreu
por volta do ano de 720. Os mouros enviaram inicialmente um pequeno
grupamento ao local, em meio às íngremes montanhas das Astúrias. A
ofensiva foi repelida pelos cristãos. Além da valentia, o grupo de
Pelágio tinha como vantagem o fato de estarem em uma posição mais
elevada, e protegidos por uma espécie de gruta (a Covadonga que dá nome à
batalha).
O
comandante muçulmano Alcama decidiu, então, mandar uma força na casa
dos milhares de homens (embora o número exato até hoje seja debatido).
Antes, os relatos da época dão conta de que ele ofereceu uma última
oportunidade de rendição. O mensageiro era Oppas, um bispo católico
àquela altura já cooptado pelos muçulmanos. Ele afirma que seria loucura
resistir — já que todo o restante da Espanha não tinha sido capaz de
fazer frente aos invasores. Rendendo-se, disse ele, Pelágio teria uma
vida relativamente pacífica sob o comando dos mouros.
Mas
o chefe da resistência não aceitou. O relato mais antigo sobre a
batalha afirma que ele respondeu citando a Bíblia ao bispo: “Não lestes
nas Sagradas Escrituras que a Igreja do Senhor chegará a ser como o grão
de mostarda e crescerá de novo para a glória de Deus? Cristo é nossa
esperança: que por este pequeno morro que vês seja a Espanha salva e
restituído o exército dos godos.” Os godos eram o povo que dominava a
maior parte da Península Ibérica antes da chegada dos muçulmanos.
Diante
da negativa de Pelágio, os homens de Alcama atacaram. E foram superados
pelas flechas dos soldados de Pelágio. Conforme recuavam, os mouros
também eram atacados com pedras por moradores da região, que viam uma
oportunidade de vitória pela primeira vez. A desproporção dos números e a
vitória improvável lembra o episódio dos 300 de Esparta. A tradição
também fala em uma intervenção miraculosa de Nossa Senhora — hoje,
Covadonga abriga um santuário dedicado a ela.
Início da Reconquista
Pelo
relato muçulmano, atribuído ao historiador medieval Ahmed Mohamed
al-Maqqari, havia de fato 300 soldados cristãos em Covadonga — a "única
rocha" que havia sobrado depois que os muçulmanos conquistaram as
regiões de Pamplona e da Galícia. Mas, de acordo com esta versão, o
resultado do embate foi ainda mais dramático: os muçulmanos fracassaram,
mas, do outro lado, teriam sobrado apenas 30 homens e dez mulheres na
caverna de Covadonga, que se alimentavam apenas do mel deixado pelas
abelhas em uma fenda na rocha. Ainda segundo o relato islâmico, os
invasores desistiram de perseguir o pequeno grupo dizendo: "Trinta asnos
selvagens, que dano eles podem fazer a nós?"
Mas
as notícias da vitória se espalharam e surgiram outros focos de
resistência no norte da Espanha. Pelágio se consolidou como o Rei das
Astúrias. Era o início da Reconquista, um longo e árduo processo que ao
fim terminaria com a expulsão dos mouros da Península Ibérica.
Nascimento de Portugal
Foi
exatamente neste processo que Portugal, até então uma região dentro da
Espanha, surgiu — primeiro como o Condado Portocalense, em 868 e, em
1143, como um reino independente liderado por Afonso Henriques, que
combateu tanto os mouros quanto os espanhóis para obter a autonomia
portuguesa. Em pouco tempo, portugueses e espanhóis fizeram um acordo de
paz. As batalhas pela Reconquista continuaram. Lisboa, por exemplo, só
foi tomada dos mouros em 1147.
As
marcas desse período são tão profundas que até hoje, em cidades do
interior do país como Goiás Velho (GO), é possível assistir à celebração
anual da Cavalhada, que reencena a batalha entre cristãos e mouros. A
Reconquista completa só se daria em janeiro de 1492, quando o líder
muçulmano Boadbil entregou a cidade de Granada à Rainha Isabel. Não por
acaso, naquele mesmo ano Cristóvão Colombo descobriu a América. Tendo se
livrado do inimigo interno, os reinos ibéricos podiam se lançar ao mar e
explorar outros territórios. O Descobrimento do Brasil, de certa forma,
começou, como um grão de mostarda, nas montanhas das Astúrias, com
Pelágio e seu pequeno bando.
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