Sou do tempo em que os liberais lutavam contra o Leviatã, não contra o pobre-diabo que ingênua (ou estupidamente) tenta controlá-lo. Paulo Polzonoff via Gazeta do Povo:
Por
puro profissionalismo, assisti ao depoimento do ex-ministro Eduardo
Pazuello à CPI da Covid. Sim, aquela relatada pelo impoluto Renan
Calheiros e presidida por um senhor de fala mansa que parece ter caído
ali de paraquedas, e que conta com intervenções pontuais de um
minissenador. E o que vi me deixou pasmo. É, acho que a palavra é essa
mesma: pasmo.
Depois
de um longo monólogo explicando tediosamente a estrutura hierárquica do
Ministério da Saúde e fazendo uma constrangedora exaltação do SUS,
Pazuello se pôs a responder às perguntas de Renan Calheiros. E assim
teve início um dos interrogatórios mais constrangedores a que já tive o
desprazer de assistir. A tal ponto que o presidente da comissão chegou a
reclamar das respostas do depoente porque elas “não eram
interessantes”.
Isso
foi ridículo, além de ter sido um incrível ato falho. Mas o que me
deixou pasmo mesmo foi notar que, pergunta após pergunta, Pazuello expôs
e expôs e expôs o gigantismo e consequente ineficiência do Estado
brasileiro – e do próprio SUS que ele, não sei se num arroubo populista
ou de sinceridade, celebrou como se fosse uma máquina azeitadíssima. E
isso sem que ninguém apontasse o Leviatã na sala.
Portarias,
memorandos, ofícios, consultas a outros ministérios e agências
reguladoras, consultas aos órgãos de controle, código disso, código
daquilo, manda para o jurídico, manda para a comunicação, manda para o
processamento,... Em que universo uma estrutura como essa é minimamente
eficiente para se lidar com uma pandemia – e ainda mais uma pandemia com
contornos ideológicos tão fortes?
Vícios de origem
Daí
se percebe o vício de origem da CPI da Covid. Digo, os vícios são
muitos (inclusive a presença de Renan Calheiros como relator), mas esse é
um dos mais evidentes: como pode uma comissão querer criminalizar a
conduta dos tomadores de decisões que precisam enfrentar toda essa
burocracia? E o pior: enfrentam esse monstrengo gordo e preguiçoso e
sanguessuga de recursos para poderem tomar decisões no calor dos
acontecimentos, lidando com uma doença nova e sem que haja consenso
quanto às medidas mais eficientes?
É
desse vício que brota o maior empecilho para que a CPI da Covid
encontre a verdade: a imaginação. Porque é na fantasia ora otimista, ora
apocalíptica que se assentam as bases para essa busca ridiculamente
quixotesca por um culpado (às vezes também chamado de
assassino/genocida) ou um Gestor Ultraeficiente Ó Que Orgulho (também
chamado de salvador ou mito).
Repare
que toda a comissão se fundamenta em hipóteses aleatórias. Se o
ex-ministro 1 tivesse feito isso. Se o ex-ministro 2 tivesse tomado tal
decisão na hora tal. Se o presidente não tivesse dito aqueloutro – e
ainda por cima nas redes sociais. Ou seja, movidos também por primitivos
instintos político-eleitorais, os senadores apelam a uma elaborada
utopia sanitária para esconder a ineficiência inata do sistema do qual
fazem parte.
Jóquei de Leviatã
Que
a esquerda esteja fazendo seu joguinho e dando seu showzinho de
hipocrisia ao atribuir crimes e culpas aos inimigos políticos e fazer
vistas grossas para a natureza inepta do Estado brasileiro e para a
utopia sanitária, eu até entendo. O que não entendo são os liberais
(sejam eles conservadores ou não) que, cegos pela aversão a Jair
Bolsonaro e também aspirantes a uma utopia sanitária, o acusam de ser um
péssimo “jóquei de Leviatã”. Me desculpe, mas sou do tempo em que os
liberais lutavam contra o Leviatã, não contra o pobre-diabo que ingênua
(ou estupidamente) tenta controlá-lo.
O
que nos traz a outra questão que a CPI da Covid tem diante de si, mas
insiste em não ver: sendo o Estado brasileiro o monstro gordo,
preguiçoso e meio tantã da cabeça que é, será que existe alguma
possibilidade de ele conseguir enfrentar uma pandemia como a de
Covid-19? Ou será que, enquanto depositarmos toda a nossa esperança no
Estado, como se ele fosse uma espécie de supercloroquina, e
independentemente de quem ocupe a Presidência, estaremos sujeitos a
novos e novos e novos coronavírus fujões dos laboratórios chineses.
Me
arrisco a dizer que, assim inchado e ruidoso e usurpador de recursos
como está e é, o Estado brasileiro jamais teria sido bem-sucedido no
combate a esta ou qualquer outra pandemia - se é que existem parâmetros
para determinar o que é um combate bem-sucedido a uma pandemia. Até
porque utopias são, por definição, irrealizáveis.
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