Para piorar, os progressistas listam coisas idiotas quando querem provar a tese do “privilégio branco”. Bruna Frascolla via Gazeta do Povo:
Como
vimos, a “Ética protestante e o espírito do capitalismo”, de Max Weber,
é um livro antimarxista. É certo que Weber não gosta do espírito
moderno do capitalismo, mas também é certo que seu desgosto se deve ao
materialismo que tal espírito terminou por suscitar.
Dito
da maneira mais simples possível, Weber defende que as disposições
psicológicas causadas pela crença calvinista no lucro como sinal da
Graça divina levaram os países protestantes a criarem o capitalismo
moderno e, ao mesmo tempo, banirem toda fonte extramundana de sentido
para a vida. O livro é antimarxista por defender que o capitalismo não é
a evolução necessária de fenômenos materiais, senão fruto acidental de
uma concepção espiritual. O capitalismo vem do espírito, e não, como
pretendia Marx, da matéria.
E
vimos também que Weber terminava o seu livro pessimista quanto ao
futuro do Ocidente. Seria um mundo de especialistas utilitários e sem
espírito? Apareceria uma nova metafísica, utilitária, para dar sentido a
um mundo desencantado, inteiramente materialista?
O livro de Douglas Murray, também já comentado aqui,
aponta algo nesse sentido, ao menos no mundo anglófono. (Que os países
de línguas latinas sejam menos propensos a isso, vê-se também na Europa,
comparando-se os franceses, italianos e ibéricos aos seus vizinhos
não-latinos).
A
finalidade deste texto não é, em hipótese alguma, alimentar derrotismo.
Não é sensato acharmos que o mundo é uma locomotiva que se move segundo
os trilhos da história e que a próxima parada é o pesadelo. Esta é uma
mentalidade marxista. O juízo de valor pode não ser, mas a visão do
mundo como predeterminado é uma visão marxista, que despreza o poder que
as ideias têm sobre os homens. O futuro está sempre em aberto e cabe a
nós não agirmos com covardia.
A
finalidade deste texto é compreender o inimigo, passo essencial para
lidar com ele. Vejamos hoje, em particular, o papel que o anonimato do
pensamento tem para coagir.
Uma metafísica nova e anônima
Douglas
Murray tem toda a razão ao dizer que “a interpretação do mundo através
das lentes da ‘justiça social’, da ‘política de identidade de grupo’ e
da ‘interseccionalidade’ provavelmente é o mais audacioso e abrangente
esforço, desde o fim da Guerra Fria, de criar uma nova ideologia.” De
fato, a União Soviética foi uma máquina de propaganda da ideologia
comunista – uma ideologia que, bem ou mal, já rondava a Europa desde o
século XIX. A nova ideologia, não. Ela surge nos departamentos mais
obscuros de universidades anglófonas lá pelos anos 1970 e, em menos de
cinquenta anos, torna-se padrão no jornalismo, nas artes e nas
universidades.
Outro
contraste entre o comunismo e essa nova ideologia é que o comunismo
tinha um nome para se apresentar ao público, bem como um pensador
fundamental. O ideólogo dos anos 1960 tem vocabulário suficiente para
dizer: “Olá, sou comunista, vim espalhar a ciência de Karl Marx”. Isso
não implicava que o pensamento marxista fosse todo igual, dado que
existiam trotskistas, leninistas e maoístas. Mesmo com a diversidade
interna, os comunistas eram identificados enquanto tais e o público
sabia que todos eles tinham em comum a deferência pela palavra de Marx.
Por consequência, quem quisesse criticar o comunismo sabia o que ler.
Hoje,
não há sequer um nome inequívoco para a nova ideologia. Tenho chamado
de “progressismo” ou de “identitarismo”. Uso mais o primeiro porque é um
termo que às vezes os ideólogos usam para se referir a si próprios. O
“politicamente correto” também serve para nomeá-la, bem como os outros
nomes citados por Murray (“interseccionalidade”, “justiça social” e
“política de identidade de grupo”).
Mas
acontece que tais nomes, genéricos, são muito menos usados do que os
nomes das “províncias” dessa ideologia. Por exemplo, é mais fácil
encontrar alguém se declarando “feminista interseccional” do que
simplesmente “interseccional”. Para piorar, é possível que um homem
branco (como Freixo) concorde tintim por tintim com Djamila Ribeiro, mas
o rótulo de “feminista interseccional” só pode ser abraçado
publicamente por mulheres negras. Em outros tempos, Freixo e Djamila
diriam algo como “sou comunista” e, havendo divergências entre os dois,
cada qual diria a linha à qual pertencia. Creio que pela primeira vez na
história pessoas com ideias semelhantes não têm um nome para dizer que
pertencem à mesma corrente ideológica. A raça, agora, não só existe como
é condição para alguém ser um legítimo membro de uma corrente.
Antes,
existia uma ideologia só – o comunismo, por exemplo – a abarcar gente
de todas as cores e sexos. (Mas não todas as orientações sexuais, pois a
homossexualidade era vício burguês). Hoje, cada qual vai merecer um
nome diferente, a depender da sua cor de pele, do seu sexo e da sua
orientação sexual ou “identidade de gênero”. Feminista interseccional,
queer, trans, não-binárie (sic), antirracista, descolonial, aliado da
luta tal são alguns dos nomes para indivíduos que compartilham das
mesmíssimas ideias, variando somente quanto à cor da pele, sexo e causa.
Repetição mecanizada
Outro
feito interessante de Douglas Murray foi dar nomes aos autores de
jargões. No mundo anglófono, expressões como white privilege e white
fragility são abundantes em quaisquer ambientes infestados pelo
progressismo. White fragility é recente e quem estiver atento ao mundo
anglófono saberá que sua autora é Robin Di Angelo, que tem um
best-seller com esse título. White privilege, porém, é mais antigo e
traz uma ideia que já chegou ao Brasil: se você nasce branco, é um
privilegiado nato, porque a brancura traz um montão de recompensas
injustas. Mesmo que você seja uma mulher, ainda assim, é um baita
privilégio ser branca, e dizer isso é muito importante porque os
progressistas juram de pé junto que ser mulher no Ocidente é horrível.
A
mera asserção de que há preconceito contra negros e, portanto, não ter
esse preconceito é uma vantagem, pode encontrar apoio de muita gente
sensata. No entanto, chamar de privilégio aquilo que deveria ser uma
norma é um tremendo salto retórico. O senso comum entende o privilégio
como algo passível de ser cortado, e amiúde injusto, tal como pensão
para filha solteira de militar. Viver sem ser destratado pela cor da
pele não é um privilégio e todos deveriam ser assim. Até mesmo a noção
de que privilégio é para poucos vai contra essa concepção, dado que,
mesmo que supuséssemos que todo não-branco é vítima de racismo nos EUA, a
maioria segue branca e, portanto, portadora de “privilégio”. Nessa
retórica, é como se o normal fosse ser vítima de racismo e toda
não-vítima fosse culpada.
Para
piorar, os progressistas listam coisas idiotas quando querem provar a
tese do “privilégio branco”. Todo militante negro jura de pé junto que
não pode entrar num supermercado sem ser seguido pelos seguranças (o que
exigiria que os supermercados de certas cidades tivessem mais
seguranças do que clientes). Juram que sofrem, também, por não se verem
“representados” em um dado nicho. Por exemplo, há menos professores
universitários negros em comunicação do que brancos, e o aluno negro se
esvai em lágrimas por isso.
Com
Douglas Murray, aprendemos que a ideia de que todo branco é um
privilegiado é de autoria de uma tal Margaret Means, que escreve com o
pseudônimo de Peggy McIntosh e está com 86 anos. É uma acadêmica de
women’s studies, ou seja, uma feminista acadêmica - e branca. Escreveu
num periódico acadêmico em 1988 um panfleto longo e lacrimoso chamado
“"White Privilege and Male Privilege: A Personal Account of Coming to
See Correspondences Through Work in Women’s Studies”, que ganhou em 1989
uma versão curta, chamada “White Privilege: Unpacking the Invisible
Knapsack”. O leitor pode encontrar em inglês aqui.
Nesse
panfleto, o leitor aprenderá que todo branco tem uma “mochila” de
privilégios a ser exposta numa listinha. Nela, encontramos as mesmas
coisas idiotas que os militantes do movimento negro dizem: brancos são
privilegiados porque, ao contrário dos negros, não são seguidos no
mercado, porque têm representatividade e por um montão de outras coisas.
O item número um da listinha é o “privilégio” de conseguir, “se eu
quiser, estar na companhia de pessoas da minha raça na maior parte do
tempo”. Eu, por mim, espalho aos quatro cantos e boto no jornal em caixa
alta: ESSA SENHORA É UMA RACISTA E QUEM A LEVA A SÉRIO TAMBÉM.
Essa
ideia contida na expressão “privilégio branco”, sobretudo vinda de uma
feminista, implica que dá para fazer aquela tabela de opressão, em que
as mulheres negras têm direito a chorar mais e pedir mais carguinho do
que as mulheres brancas e os homens negros. No jargão, diz-se que sua
condição oprimida é uma interseção de mulher e de negra – dessa
hierarquia do chororô pecuniário vem o feminismo interseccional. Mas
quem inventou o termo é uma tal de Kimberlé Crenshaw, negra, de apenas
61 anos. Ela ganha o rótulo de feminista interseccional, enquanto que
sua predecessora branca, não, por ser branca.
O poder do anonimato artificial
Pois
então. Se eu concordasse com essa senhora infame, daria crédito à ideia
toda vez que fosse repeti-la. Repito as ideias de Weber e digo que são
de Weber; repito as de Douglas Murray, digo que são de Douglas Murray.
Todo autor gosta de ser creditado por suas ideias e fica orgulhoso
quando as vê ganhar o mundo.
No
entanto, Peggy McIntosh nem sequer tem livro traduzido para o
português. A pensadora é irrelevante. As pessoas repetem, repetem,
repetem e vira verdade. Peggy McIntosh não é como Marx, cujos opositores
podem ler e criticar. Ela é um gerador de frase feita.
Isso
passa uma falsa impressão de evidência e de consenso. Se um monte de
celebridade negra começa a dizer que é perseguida no supermercado pelo
mero fato de ser negro, os não-negros (que são maioria no Brasil e nos
EUA) vão começar a achar que isso é uma verdade evidente.
Essa
é a praxe em várias teorias do progressismo. A mais bizarra deve ser a
teoria de gênero, segundo a qual as mulheres são mulheres por causa do
papel que a sociedade lhes ensinou, e não por causa da natureza. Todos
teríamos um sexo (biológico) e um gênero (social), não havendo
correlação entre uma coisa e outra.
Isso
foi inventado por um sujeito chamado John Money, que capou um menino
criado como menina, fez com que treinasse a posição de fêmea em
simulação de sexo com o seu irmãozinho e desencadeou o alcoolismo letal
de um e o suicídio do outro. Quais chances de ganhar o mundo teria essa
ideologia, se todos soubessem do seu criador?
Pecúnia
Apenas
para não deixar a ponta do Weber solta, notemos por fim como é
estritamente materialista e pecuniária essa nova metafísica.
O
mundo tem quatro categorias de oprimidos e opressores: negros X
brancos, mulheres X homens, homossexuais X heterossexuais, transgênero X
cisgênero. A categorização pode ser ampliada, e agora já tem ganhado
força a cômica cisão gordos X magros. Estes são os habitantes do mundo.
E
o que é o mundo? Nada mais que um conjunto de empregos que requerem
diplomas. Assim, tudo o que essa metafísica faz é realocar os empregos
conforme a divisão que dê na telha, e as pessoas se sentem boas ou más
em função de uma luta que não passa de repartição de renda.
BLOG ORLANDO TAMBOBOSI
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