Deveríamos educar os jovens para o fracasso e não para o fetiche do sucesso. Luiz Felipe Pondé via FSP:
O
cinema dinamarquês é o melhor do mundo. Ao contrário de Hollywood, que
optou por investir grandes somas em filmes de super-heróis para
retardados, os escandinavos têm buscado a população adulta do mundo.
Druk – Mais uma Rodada, de Thomas Vinterberg, com Mads Mikkelsen como
protagonista, é mais um exemplo.
Quatro
professores de uma escola de segundo grau por volta dos 40 anos, sendo
Martin (Mikkelsen) aparentemente o mais deprimido entre eles, decidem
fazer um experimento de comportamento – beber para aumentar a
porcentagem de álcool no sangue a fim de sair da depressão de
meia-idade. In vino veritas, o experimento tem desdobramentos
irreversíveis na vida dos quatro, para além de bem e mal.
Não
vou dar spoiler. Interessa-me uma questão central do filme: afinal, o
que quer o homem? Estamos acostumados a pensar muito em o que a mulher
quer. Mesmo Freud formulou essa questão como um enigma. Assumimos que o
homem é simples e que se basta com uma gostosa e uma cerveja. Será assim
ainda hoje, quando ninguém mais sabe o que quer porque tem de querer
muitas coisas ao mesmo tempo? O desejo, pilar do mundo existencial
moderno, ruiu diante de tantas demandas feitas a ele. E só vai piorar
num mundo narrado pelo marketing.
O
professor de história Martin recupera o gosto pela vida bebendo, mas
isso vai custar caro, é claro. Enfrentar a vida de cara limpa tornou-se
insuportável. Álcool, antidepressivos ou ansiolíticos são a nossa dieta
básica, mesmo que seja na forma rescue, versão alternativa do frontal.
Quando
os amigos se reúnem uma noite e decidem pelo experimento, diante da
depressão do Martin, um deles faz a pergunta básica: já pensou em trocar
de mulher? Diante da negativa do amigo, a situação fica mais
complicada. O caso sempre fica mais grave quando um homem, já passada a
festa ingênua da juventude, supera a ilusão de que sua vida se resolverá
se ele trocar a mulher por uma mais jovem. O mundo não está preparado
para homens maduros. Nem as mulheres estão preparadas para homens assim.
Elas só suportam homens maduros até a página três.
Esse
continente desconhecido só se apresenta para um homem que passou dos 50
anos quando ele supera o mito de que sua vida existencial será sempre
divertida se comer uma gostosa por dia. O mundo não está preparado para
essa raça de homens.
A
mulher tem dominado o vocabulário subjetivo. Homens heterossexuais
sempre pensaram que só homens gays pensam na vida para além de sexo,
carros e futebol. Ser um analfabeto existencial sempre pareceu, para a
maioria dos homens heterossexuais, uma garantia de não ser gay. Quando
um homem se faz uma pergunta existencial depois do 50 e a resposta não é
“trocar de mulher”, a coisa fica mais séria. É difícil envelhecer,
principalmente num mundo em que o ethos é o marketing da inovação como
estilo de vida. O fato de o filme ser sobre professores não é um detalhe
menor.
Num
dado momento, Martin faz a famosa pegadinha com os alunos. Em quem
vocês votariam? 1. Era viciado em mulheres e tinha dezenas de amantes;
2. Bebia uísque no café da manhã; 3. Era vegetariano, artista e consta
que tratava bem as mulheres. Todos os alunos votam no 3. O primeiro era
Roosevelt; o segundo, Churchill; o terceiro, Hitler. Conclusão do
professor para os alunos foi que o mundo nunca é o que esperamos que ele
seja. Máxima que devia pautar todo o ensino. Infelizmente, os
professores hoje também gostam dos filmes de super-heróis para
retardados e enchem a bola dos delírios dos mais jovens.
Por
fim, não podia faltar uma menção ao filósofo dinamarquês do século 19,
Sören Kierkegaard. Um dos formandos tem uma prova final sobre ele,
fundador da filosofia da existência, que inaugurou a concepção de ser
humano centrada no conceito de angústia, título de um dos seus livros.
Para ele, só começamos a vida adulta quando fracassamos diante da
angústia. Deveríamos educar os mais jovens para esse fracasso – e não
para o fetiche do sucesso. Fracasso e desencanto, nossas duas maiores
tarefas existenciais neste século.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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