O Brexit já acabou com dois líderes conservadores. Desconfio que também
acabará com um líder trabalhista. A Europa não divide apenas os
conservadores. Também divide, e muito, os trabalhistas. Artigo de João
Marques de Almeida, publicado pelo Observador:
Boris Johnson e os líderes europeus querem um acordo no Conselho
Europeu de 17 e 18 de Outubro. Os europeus não querem que os britânicos
saiam sem acordo. Ao contrário do que diz Bruxelas – para evitar alarmes
– nenhum país europeu está preparado para um “hard Brexit”. Todos
preferem evitar o risco. Mas, ao mesmo tempo, os governos europeus estão
fartos do Brexit, e tudo farão para evitar um novo adiamento. Querem
lidar com outras questões e, sobretudo, não pretendem que a nova
Comissão Europeia continue a negociar a saída do Reino Unido. A vontade
europeia de evitar um “hard Brexit” e um novo adiamento aumenta as
possibilidades de um acordo.
Boris Johnson também quer um acordo. Aliás, apesar da seu discurso
radical, Boris sempre quis um acordo. Tal como os líderes europeus, o PM
britânico está consciente dos riscos de um “hard Brexit”. Depois do
Parlamento britânico ter imposto um pedido de extensão, no caso do
impasse se manter após o Conselho Europeu, Boris ainda quer mais o
acordo. Se sair de Bruxelas sem acordo, só resta a demissão. Boris
Johnson não pedirá uma nova extensão. Terá que ser outro a fazê-lo.
Um acordo irá separar a Irlanda do Norte do resto do Reino Unido,
reconhecendo a natureza especial da região. Mas terá que ser feito de
modo a que Boris Johnson o possa vender aos britânicos. De qualquer
modo, o DUP (o partido unionista da Irlanda do Norte que apoia o governo
conservador) perdeu a importância que tinha a partir do momento que
Boris pretende eleições antecipadas. O PM britânico já desistiu de
manter a maioria conservadora no parlamento.
Mais difícil de que obter um acordo em Bruxelas, será conseguir uma
maioria nos Comuns. Este será o maior desafio para Boris Johnson. Os
liberais e o partido nacionalista escocês votarão sempre contra qualquer
acordo. Querem manter o Reino Unido na União Europeia. Boris Johnson
terá que convencer todos os deputados conservadores a votar a favor do
acordo, e precisa de deputados trabalhistas.
É aqui que a política dura vai entrar. Se houver acordo em Bruxelas,
os líderes europeus irão colocar uma grande pressão política nos
deputados britânicos, dizendo que não haverá possibilidade de discutir
qualquer outro acordo. Não devemos mesmo excluir que alguns líderes
europeus avisem que não votam a favor de um novo adiamento para depois
de 31 de Outubro. Com a exclusão da extensão do Brexit, a escolha nos
Comuns seria entre o acordo ou o “hard Brexit”. Seria um dilema muito
complicado para os trabalhistas: forçaram o Parlamento a aprovar
legislação para impedir uma saída sem acordo, mas não querem votar a
favor do ‘acordo de Boris’. Os deputados trabalhistas sabem que a
aprovação de um acordo de saída alcançado por Boris Johnson significaria
uma maioria absoluta conservadora em eleições antecipadas (serão
inevitáveis).
A decisão estará com os deputados trabalhistas eleitos nos círculos
que votaram a favor do Brexit e nos que querem afastar Corbyn da
liderança do partido. Os primeiros sabem que se votaram a favor de um
novo adiamento do Brexit arriscam a sua reeleição para os Comuns. Os
segundos não têm qualquer ilusão: Corbyn só sairá da liderança dos
trabalhistas se perder uma nova eleição. Será um estímulo suficiente
para votar a favor de um acordo e ajudar Boris a ganhar as eleições? O
Brexit já acabou com dois líderes conservadores. Desconfio que também
acabará com um líder trabalhista. A Europa não divide apenas os
conservadores. Também divide, e muito, os trabalhistas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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