MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

“Inimigos imaginários” são armas para governos totalitários de qualquer ideologia


Resultado de imagem para medo do novoSérgio Abranches
Blog do Matheus Leitão
Os governos com mentalidade autoritária têm mostrado comportamentos comparáveis. Uma das características comuns é a construção de ameaças e inimigos imaginários para justificar medidas restritivas e recuos reacionários. O escritor José Eduardo Agualusa lembrou em sua crônica de sábado (dia 12) no Globo, os grilos de Havana, cuja estridulação atormentou os ouvidos delicados de funcionários da embaixada americana em Cuba. Foram usados para justificar a chamada dos diplomatas para casa e uma investigação sobre a ameaçadora arma acústica cubana. Não passavam de grilos estridentes.
Isso, na linguagem técnica de sociólogos e politólogos, chama-se “enquadramento” (framing). É o que os governantes conservadores e reacionários têm feito para justificar mais repressão, fechamento de fronteiras aos imigrantes e outras políticas repressivas.
VOLTA AO PASSADO – Não uso o termo reacionário com ofensa. Reacionários são aqueles que afinam suas políticas para levar o país de volta a um passado idealizado, por certo inexistente e, sem dúvida, irrealizável. Não se restaura o passado, menos ainda aquele que jamais existiu.
O sociológico Zygmunt Bauman recorreu a uma palavra quase impronunciável para nos alertar sobre esse sonho de um passado imaginário, retrotopia. É o que está implícito no slogan que Donald Trump tomou emprestado a Ronald Reagan “make America great again”. Mira uma época passada de grandeza dos Estados Unidos que não tem referencial histórico concreto.
Como lembra o politólogo Mark Lilla, os reacionários sempre buscam esse sonho de passado em contraponto ao pesadelo da catástrofe produzida por governantes que os precederam. Vivemos a mesma coisa hoje no Brasil.
ERA DE INCERTEZAS – Essa revolta contra o mundo em que estamos é uma reação à mudança vertiginosa e avassaladora que vivemos, que mexe e remexe com a economia, a sociedade, os valores, a política. Uma era de incertezas e imprevistos que atemoriza os mais impressionáveis e que têm crenças rígidas. É mesmo o fim do mundo, o que vivemos. Fim do mundo que conhecemos.
Esse mergulho no inteiramente novo, no desconhecido, inquieta, atormenta, aterroriza grande número de pessoas, talvez a maioria. Mais que as grandes mudanças, ainda muito incipientes, são as alterações abruptas e radicais no cotidiano que provocam as reações assustadas.
A mestiçagem das ruas americanas. A quantidade de casais gays e lésbicas namorando pelos bares e cinemas das cidades. O atrevimento das mulheres com opinião, que afrontam os padrões masculinos de comportamento e aparência apropriados à mulher que sabe o seu lugar na sociedade. Como a muçulmana que abandona o chador, ou, pior ainda, decide que escolherá o parceiro de vida.
TUDO ÀS CLARAS – São a perturbação do rotineiro e assentado, a subversão de valores, tudo às claras, tudo exposto em tempo real no Instagram, no Facebook e no Twitter, que provocam a reação antagônica extremada.
Mas, essa aversão às turbulências, confusões e exageros da transição não é justificativa legítima para ações de repressão e medidas corretivas. É preciso acomodá-las em narrativas ajustadas para assustar, mobilizar e conquistar os mais impressionáveis da audiência e apostar no contágio de outros tantos.
O manto da religião é um recurso que funciona perfeitamente, principalmente para a revolução comportamental. Daí a busca da audiência dos evangélicos mais conservadores, dos fundamentalistas de todos os credos.
FECHAR OS EUA – Na política, é preciso nomear os inimigos e delinear suas ameaças. Para fechar a “América” aos imigrantes, em busca do perdido sonho americano, Trump é concreto. Quer construir um muro. Mas, como emocionar o público, solidário com a tragédia humanitária daquelas famílias, retratos de outras vidas secas, fugindo da tirania e da pobreza em seus países e imaginando encontrar no país de Trump a terra da fartura e das oportunidades? O presidente põe em cena os imaginários terroristas a invadir a “América” pela fronteira com o México.
Não se pense que essa estratégia vale só para os reacionários à direita, como o ocupante incidental da Casa Branca. São muitos os exemplos de inimigos imaginários rondando as democracias. Para Erdogan, na Turquia, era o “cabal secreto”, o Ergenekon, cuja erradicação legitimaria sua virada autoritária. Mas o alvo era mesmo a oposição democrática. O manto do islamismo era apenas um acessório conveniente.
Nicolás Maduro, um tiranete improvisado por Chávez, inventou uma “guerra mundial do imperialismo americano contra o povo da Venezuela”. O povo que foge aos milhões da fome e da truculência produzidos pelo projeto bolivariano.
AMEAÇAS AOS EUA – Trump é o menos imperialista dos presidentes americanos. Ele quer o país voltado para si, não mais o guardião sempre alerta da democracia mundo afora. Ele quer fazer o país grande de novo e vê seu presente como o de uma Nação ameaçada pela China, na economia, pela imigração que flui pela fronteira como México, na sociedade, e, pela ardilosa Cuba, a espreita-lo como um bergantim pirata pronto a acossa-lo pela costa caribenha.
Nós temos vários desses inimigos imaginários sempre presentes, como fantasmas desencarnados, nos discursos do novo governo. Eles assombram os assombráveis e provocam um arrepio de horror localizado suficientemente forte para se espalhar pelas redes e manter, por algum tempo, pessoas crentes na possibilidade de que serão exorcizadas.

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