Bolsonaro deveria ter sido mais duro com a pauta-bomba, escreve Fernando Gabeira no jornal O Globo.
Ele reagiu de forma discreta. "Temo que não tenha percebido a extensão
do golpe. Aliás, temo mais ainda, que ele não tenha ainda compreendido o
caráter parasitário e atrasado da grande máquina estatal":
Quando se comemorava uma renovação pelo processo eleitoral, o passado
voltou com dois fortes golpes. Um deles, o mais importante, foi o
aumento de 16% concedido aos ministros do STF.
Não creiam que parlamentares votam esses aumentos pelos belos olhos
dos ministros. Eles estão pensando em si próprios, pois nesse movimento
aumentam também o teto do funcionalismo. Um teto para abrigá-los
adiante.
Um dos temas da campanha foi o tamanho do Estado. Ele é um gigante
anêmico que não tem o sangue para investir. As manifestações de 2013
denunciaram sua ineficácia; as de 2015, o processo de corrupção que o
dominava.
Por que não esperar a reforma da Previdência, o enxugamento da
máquina, para reajustar salários no primeiro semestre? Só aí perdemos R$
6 bilhões. No dia seguinte, os incentivos à industria automobilística
levaram mais R$ 2 bilhões. Nesse caso, para quê? Incentivos para
melhorar o motor de combustão que já está pra lá de Marrakech: não tem
futuro.
Bolsonaro reagiu de uma forma discreta. Temo que não tenha percebido a
extensão do golpe. Aliás, temo mais ainda, que ele não tenha ainda
compreendido o caráter parasitário e atrasado da grande máquina estatal.
Não tenho condições de questionar a mudança dos outros, porque também
mudo. Mas afirmar que não contingencia o orçamento das Forças Armadas é
prematuro. Isso só se faz com a noção bem clara do conjunto. E se
houver um gargalo na saúde?
Esses momentos de transição podem ser usados para tentar entender a
fase em que entramos. É que na transição acontece pouca coisa, além do
anúncio da escolha de ministros e da reorganização administrativa. Às
vezes, equipes que entram revelam dados importantes, pois querem mostrar
o tamanho do buraco. Suponho que a nova fase vai se basear na luta
contra a corrupção, com a presença de Moro, e um pouco mais de
segurança. Mas o enxugamento da máquina é essencial.
Há temores de que o processo possa conduzir a uma rejeição futura às
ideias liberais. Não creio. Tanto os liberais como os estatizantes não
escrevem numa página em branco. Mesmo com a correlação de forças a seu
favor, as ideias liberais devem sofrer alguns reparos, adaptações que
resultam do próprio debate.
O que me preocupa é que as coisas estão acontecendo no Brasil com um
tipo de lógica que me desconcerta. Quando vi aquele exame do Enem que
apresentou um dicionário dos travestis, pensei que havia infiltração da
direita para confirmar suas teses. Por que não alguma coisa em guarani,
em italiano, idiomas falados no país e que envolvem muita mais gente?
Parecia uma provocação.
Da mesma forma, quando ouço o ministro Paulo Guedes falar numa
possível futura fusão do Banco do Brasil com o Bank of America, temo que
um esquerdista infiltrado tenha soprado essa sugestão. Por que dizer
isso agora, sem que nenhum estudo, nenhuma negociação preliminar tenha
sido feita?
Tanto Bolsonaro como Guedes têm afirmado que o fracasso do seu
governo poderia trazer o PT de volta. Dependendo do fracasso e das
circunstâncias, pode surgir algo mais radical ainda.
Nada começou ainda. Mas nesses momentos de transição, creio que o
presidente deveria brigar mais contra essas benesses de fim de mandato.
O general Heleno disse que o aumento dos juízes era uma preocupação. O
governo pode ter sentido assim. Mas as pessoas comuns ficaram
indignadas.
O novo governador de Minas venceu com 72% dos votos. Isso é inédito
na História. Os eleitores rejeitaram o PT e o PSDB por uma promessa de
reforma do Estado.
As forças políticas que sobem agora ao poder o fazem com um apoio de
uma frente que amalgama expectativas políticas e ideológicas. Será uma
ingenuidade supor que o cimento ideológico possa manter o edifício em pé
com mudanças apenas cosméticas na vida real. Se as promessas não forem
cumpridas, vão todos para o espaço, como foram PT e PSDB. Não existe
fidelidade eterna.
Cada momento tem de ser vivido com a gravidade que merece. Não pretendo antecipar críticas, muito menos torcer contra.
Não me surpreende pauta-bomba em fim de mandato. Sempre foi assim. O
que me surpreendeu foi como os novos atores foram polidos e discretos
diante desse tipo de facada.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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