"Quem ganhou as eleições intercalares de terça-feira nos Estados Unidos?
A resposta foi unânime: a democracia americana. Porque nenhum partido
ganhou absolutamente". Texto do professor João Carlos Espada, via Observador:
Na 11ª hora, do 11º dia, do 11º mês, o mundo civilizado prestou
homenagem aos combatentes caídos na I Guerra Mundial, finalmente
encerrada há cem anos. Também aqui, em Williamsburg, uma velha cidade
colonial americana na Virgínia, onde teve lugar a 35ª edição anual da
International Churchill Conference, foi prestada solene homenagem.
Randolph Churchill, bisneto do velho estadista, abriu a cerimónia às
11 horas em ponto de domingo, lendo o texto que o bisavô escrevera em
Londres, cem anos antes. Seguiram-se três poemas alusivos à I Guerra. E a
cerimónia terminou com as centenas de participantes de pé, observando
um minuto de silêncio.
A 35ª International Churchill Conference tivera início na noite de
sexta-feira, escassos três três dias após as muito disputadas eleições
americanas de terça-feira. Sobre os resultados dessas eleições, o
Presidente Trump e os seus rivais (na América e no resto do mundo)
igualmente reclamaram vitória. Mas não aqui, em Williamsburg, entre
largas centenas de ordeiros admiradores de Churchill, oriundos sobretudo
da América, do Canadá e do Reino Unido.
Não se ouviu um insulto, um azedume, uma acusação, um elevar da voz.
Todos cantaram de pé os hinos dos três países. Todos brindaram de pé à
Rainha (chefe de estado do Canadá e do Reino Unido), ao Presidente
americano, e à memória de Churchill.
Mas certamente havia muitos Republicanos e Democratas entre os
participantes, bem como ‘brexiters’ e ‘remainers’, conservadores e
liberais, também alguns (embora certamente menos) trabalhistas. E todas
estas diferentes disposições políticas estiveram patentes nos debates
dos três dias da conferência. Mas não houve agressões entre elas.
Quem ganhou as eleições de terça-feira? A resposta foi unânime: a
democracia americana. Porquê? Porque nenhum partido ganhou
absolutamente. Os Republicanos aumentaram a maioria no Senado, mas os
Democratas obtiveram uma muito significativa vitória na Câmara dos
Representantes. Isso significa basicamente que ninguém obteve um poder
absoluto. E que ambos os lados vão ter de conviver com o outro. Se tudo
correr bem, isso significa que os disparates de cada lado serão
moderados mutuamente pelo lado contrário.
Esta mútua moderação foi patente nos debates dos inúmeros painéis —
sobretudo na eloquente intervenção de Anthony M. Kennedy, juiz do
Supremo Tribunal nomeado por Ronald Reagan em 1988 e recentemente
jubilado.
O nacionalismo foi condenado. Mas o patriotismo foi elogiado. O
proteccionismo económico foi criticado. Mas foi defendido o direito de
cada país a controlar a imigração. A abolição de fronteiras nacionais
foi condenada. Mas o comércio livre foi elogiado. Foi criticada a
discriminação contra as minorias, mas foram drasticamente condenadas as
políticas tribais de idolatria das minorias, em detrimento de políticas
de unidade nacional. E, embora o sentimento de orgulho nacional tenha
sido recorrentemente elogiado, este foi enfaticamente distinguido da
hostilidade contra outras nações. E foi sublinhado que o interesse
nacional não pode nem deve ser entendido sem referência aos valores da
liberdade, democracia e respeito pela dignidade de cada pessoa.
Um dos momentos altos da conferência foi a apresentação, já no
domingo, da nova biografia de Churchill, em um só volume, por Andrew
Roberts (Churchill: Walking with Destiny, Viking, 2018, 1105 páginas).
No sábado, Allen Packwood, director do Churchill Archive em Cambridge,
apresentara também o seu novo livro (How Churchill Waged War, Frontline
Books, 2018, 271 páginas).
Uma destas apresentações deu lugar ao momento de mais alta tensão da
conferência. Andrew Roberts declarou que a educação de Churchill
assentara basicamente em auto-educação, fundada num contínuo e muito
exigente programa pessoal de leituras dos clássicos. E concluiu: “nem
poderia ter sido de outra maneira, uma vez que Churchill foi enviado
pelos pais para Harrow” (um dos mais famosos colégios privados
britânicos, rival de Eton).
Houve imediatos protestos na sala, misturados com sonoras
gargalhadas. E, a seguir, ouviram-se palavras de ordem rivais: “Harrow!
Harrow!”, contra “Eton! Eton!”. O presidente da sessão pediu ordem na
sala. Com alguma dificuldade, a serenidade foi finalmente restabelecida.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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