Nos últimos tempos, tem havido "interpretações" da Constituição que
ultrapassam o sentido e a letra do texto constitucional, adverte
editorial do Estadão. A começar pelo próprio guardão da Constituição, o STF:
Na terça-feira passada, o Congresso Nacional promoveu uma sessão
solene de celebração dos 30 anos da Constituição de 1988. Houve
inflamados discursos em defesa da Carta Magna, mas, como lembrou a
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “não basta reverenciar a
Constituição, (...) é preciso cumpri-la”. Ouvido por autoridades do
Executivo, Legislativo e Judiciário, o recado cabe perfeitamente a cada
um dos Três Poderes, bem como ao Ministério Público.
“Não basta reverenciá-la em uma atitude contemplativa”, disse Raquel
Dodge. “É preciso guardá-la, à luz da crença de que os países que
custodiaram escrupulosamente suas Constituições identificam-se como
aqueles à frente do processo civilizador”, afirmou a procuradora-geral
da República. De fato, não há desenvolvimento econômico e social que se
sustente à margem da lei. Fora da lei não há progresso, mas arbítrio e
barbárie.
O presidente eleito Jair Bolsonaro esteve presente à sessão em
homenagem à Carta Magna. Era a primeira vez que Bolsonaro voltava à
Câmara dos Deputados após as eleições. Durante a campanha eleitoral, o
candidato do PSL gerou temores de que seu futuro governo pudesse
relativizar algumas liberdades e direitos fundamentais previstos na
Constituição.
O tema era tão candente que, após a divulgação do resultado eleitoral
do segundo turno, Jair Bolsonaro logo afirmou seu compromisso com o
cumprimento da Constituição. No seu discurso no Congresso, na
terça-feira passada, o presidente eleito voltou a frisar que a
Constituição é “o único norte”. “Na topografia, existem três nortes, o
da quadrícula, o verdadeiro e o magnético. Na democracia só um norte, é o
da nossa Constituição”, disse Jair Bolsonaro.
É de grande importância esse reconhecimento por parte do presidente
eleito, pois, além de amainar os ânimos - tarefa imprescindível depois
de um período eleitoral tão polarizado e virulento como foi o de 2018 -,
serve de alerta para quem deseja encontrar caminhos fora da
Constituição. Não existem tais caminhos, pois a única estrada é a
legalidade.
Nesse sentido, o respeito à Constituição é também um poderoso alerta
para o Judiciário, em especial para o Supremo Tribunal Federal (STF),
cujo papel é ser o guardião da Carta Magna. Nos últimos tempos, tem
havido “interpretações” da Constituição que ultrapassam o sentido e a
letra do texto constitucional.
Tais interpretações do Judiciário sobre o conteúdo da Constituição
não dizem respeito apenas a questões menores. Em alguns casos, atingiram
os próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito, como, por
exemplo, o princípio da separação dos Poderes. Nos últimos anos, com
crescente frequência, ministros da Suprema Corte interferiram,
monocrática e colegialmente, em matérias de competência dos outros dois
Poderes. E, como é evidente, a habitualidade não tornou menos grave a
invasão de esferas institucionais. Aos danos próprios de cada caso,
agregaram-se nefastos efeitos sistêmicos. Se o desrespeito ao texto
constitucional nunca é isento de prejuízos, o assunto ganha especiais
consequências quando o abuso, de tão habitual, se torna invisível,
enganosamente invisível.
O recado de Raquel Dodge sobre o cumprimento da Constituição também
serve para o Poder Legislativo. Em primeiro lugar, os parlamentares não
devem ser omissos quando outros Poderes tentam invadir suas
prerrogativas. Nessa empreitada, mais do que defender seus integrantes, o
Congresso protege a própria autonomia da população para decidir o
destino da Nação. Nunca se pode esquecer de que todo poder emana do povo
e em seu nome será exercido. Além disso, Câmara e Senado são
diretamente responsáveis pelo cumprimento de muitos princípios
constitucionais, como os da responsabilidade fiscal, da eficiência e da
moralidade.
Na defesa da Carta Magna, o Ministério Público tem insofismável
responsabilidade. A Constituição incumbiu-lhe “a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”.
Que o respeito à Constituição não seja mera reverência contemplativa,
mas critério efetivo cumprido por todos os cidadãos, a começar por
aqueles imbuídos de múnus público.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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